sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Destino Especial

Instigante do começo ao fim

Dois homens e um garoto fogem às pressas de um quarto de hotel. A TV ligada informa um sequestro na região. A descrição anunciada pelo noticiário bate com a da criança. Sem tempo a perder, o trio deixa o local. Ao perceber a movimentação suspeita, a gerente decide ligar para policia. Acuado, o motorista resolve pegar uma estrada completamente escura, enquanto, alheio a tudo isso, o curioso jovem se distraia com a leitura de uma história em quadrinhos. Assim, em duas ou três cenas, o talentoso Jeff Nichols estabelece o clima de Destino Especial, um instigante Sci-Fi que merece ser descoberto pelo grande público. Dono de uma das mais interessantes filmografias da nova safra de diretores hollywoodianos, o jovem realizador bebe da fonte de alguns dos maiores clássicos do gênero ao equilibrar ciência, religião e fantasia numa trama envolvente e absolutamente memorável. Apesar do tom naturalmente familiar, uma herança de títulos do quilate de Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) e E.T: O Extraterrestre (1982), o longa transita pelos temas mais complexos com extrema inteligência, adotando uma bem vinda dose de ambiguidade ao desvendar os segredos por trás desta extraordinária criança. 



Com roteiro assinado pelo próprio Jeff Nichols, Destino Especial é uma daquelas seletas produções que precisam ter os seus segredos protegidos. Portanto, não se preocupe com os tão perigosos spoilers. Prometo não me aprofundar nos mistérios por trás da trama. Dito isso, lançado diretamente em DVD no Brasil, o longa é inicialmente habilidoso ao introduzir os segredos em torno do pequeno Alton (Jaeden Lieberher), um garoto carismático e curioso que se vê conectado aos enigmáticos Roy (Michael Shannon) e Lucas (Joel Edgerton). Sem tempo a perder, o argumento precisa de poucos minutos para estabelecer o suspense envolvendo o trio, permitindo que o público compreenda pouco a pouco os motivos em torno desta repentina fuga. Com intimismo e objetividade, Nichols mostra categoria ao realçar tanto os anseios dos personagens, quanto o substancial elo entre eles, abrindo o espaço necessário para o desenvolvimento desta peculiar relação. O mesmo, aliás, acontece quando o assunto é a apresentação da ameaça em questão. Com um excelente senso de coesão narrativa, Nichols utiliza a lógica científica e o fanatismo religioso como pano de fundo para a construção dos "antagonistas", utilizando estes dois contrastantes polos para realçar a atmosfera de perigo acerca do trio. Além disso, impulsionado pela engenhosa montagem, o realizador se apropria destas correntes filosóficas para refutar e esclarecer alguns dos episódios experimentados pelo jovem. Sem nunca soar didático e\ou conveniente, o arco liderado pelo cientista do governo Paul Savier (Adam Driver), por exemplo, surge como a fonte das racionais explicações, uma opção pontual utilizada com inspiração ao longo da trama.


Assim como no seu primeiro grande trabalho, o psicológico O Abrigo (2011), o maior trunfo de Destino Especial reside na ambiguidade presente no texto. Com um pano de fundo tão rico em mãos, Jeff Nichols testa as expectativas do público ao explorar o velho dualismo entre a fé e a razão, principalmente quanto a origem de Alton e a sua relação com os demais personagens, dando ao espectador o benefício da dúvida à medida que desvenda os segredos da trama. Na verdade, ao não se preocupar com as respostas óbvias, Nichols mostra sagacidade ao explorar os limites da nossa existência sob um ponto de vista fantástico, culminando num fascinante último ato. Um desfecho redondo, coerente com a proposta familiar da trama, mas ligeiramente vago ao ponto de nos fazer refletir sobre o que acabamos de assistir. Antes disto, porém, o longa esbarra em alguns pequenos problemas, a maioria deles envolvendo a personagem da carismática Kirsten Dunst. Sem querer revelar muito, apesar da sua importância para o desenrolar da trama, o argumento não é tão profundo ao arquitetar a conexão entre Sarah e Alton, um desnível que se torna evidente quando comparamos com a relação entre ele e Roy. Além disso, Nichols mostra uma ligeira pressa ao explorar as emoções dos protagonistas diante de alguns dos dilemas mais afetivos, o que talvez explique a pequena queda de ritmo no final do segundo ato.


Por outro lado, como de costume na filmografia de Nichols, o talentoso elenco se torna um elemento decisivo para a construção deste intrigante Sci-Fi. Parceiro do diretor desde o seu primeiro projeto, o thriller dramático Separados pelo Sangue (2007), o excelente Michael Shannon novamente atrai os holofotes com o obstinado Ray. Brilhante ao capturar a atmosfera de mistério em torno do seu personagem, o ator se torna uma peça chave para a construção do suspense, um tipo convicto, zeloso e devotado a sua missão. No mesmo nível do parceiro de cena, o versátil Joel Edgerton oferece um bem vindo contraponto com o seu Lucas, um homem igualmente confiável, silencioso, mas que reluta em enxergar a singularidade por trás da existência do garoto. Por falar nele, novamente inspirado em cena, o jovem Jaeden Lieberher (Um Santo Vizinho) coloca de vez o seu nome no mapa com o curioso Alton. Mesmo diante de uma figura exótica, o precoce ator traduz com um misto de sutileza, fragilidade e maturidade a condição do seu personagem, crescendo em cena à medida que encontra as respostas sobre a sua origem. Além deles, enquanto a bela Kirsten Dunst esbanja sensibilidade ao absorver o sofrimento da sua Sarah, o astro 'indie' Adam Driver rouba a cena ao criar um cientista irônico e com a mente aberta, um homem curioso desafiado por algo que não consegue explicar. Num todo, aliás, é interessante ver o cuidado do realizador ao arquitetar as "possíveis" ameaças, realçando as motivações por trás das suas respectivas atitudes.


No embalo da envolvente e sintetizada trilha sonora de David Wingo, memorável ao potencializar o clima mistério em torno da premissa, Destino Especial se revela uma ficção-científica robusta, humana e inegavelmente universal, um longa nostálgico marcado pela intrigante premissa, pela familiar aura oitentista e pelo surpreendente apuro estético. Mesmo limitado pelo "enxuto" orçamento, cerca de US$ 18 milhões, Jeff Nichols nos brinda com efeitos visuais realmente expressivos, dignos das melhores produções do gênero, elementos capturados com maestria pela reluzente fotografia noturna de Adam Stone. Em suma, mais um relevante trabalho deste excelente realizador, um dos nomes mais autorais da nova safra do cinema norte-americano. 


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