quarta-feira, 1 de junho de 2016

Jogo do Dinheiro

Quando o tom critico se encontra com o entretenimento

De volta à direção após o interessante Um Novo Despertar (2011), a versátil Jodie Foster (Taxi Driver) entrega o projeto mais elaborado da sua carreira no instigante Jogo do Dinheiro. A partir de uma abordagem sarcástica e naturalmente tensa, a realizadora faz um excelente uso do sensacionalismo midiático ao colocar em cheque a voracidade do mercado financeiro e a irresponsabilidade das grandes corporações diante dos seus próprios acionistas. Ainda que o tema não seja propriamente novo, vide o sucesso recente do contundente A Grande Aposta (2016), o longa é sagaz ao tornar este complexo pano de fundo palatável aos olhos do público, realçando o fator humano por trás dos números ao construir um suspense ágil, contextualizado e em sua maioria preciso. Uma obra funcional mesmo quando cede aos mais enraizados clichês do gênero.




Com roteiro assinado por Jamie Linden, o Jogo do Dinheiro esbanja ironia ao investigar sob um viés ficcional os absurdos em torno do modus operandi de Wall Street. Por mais que o argumento se renda às fórmulas fáceis, entre elas a necessidade de dar corpo ao antagonista, de conectar as subtramas e de construir uma investigação paralela pouco crível, Jodie Foster é eficaz ao expor a nocividade do mercado financeiro, o processo de manipulação da informação e a insegurança do individuo comum dentro deste cenário. A partir de um ponto de vista original, um programa sensacionalista sobre os bastidores da bolsa de valores, a realizadora coloca o dedo na ferida ao questionar com bom humor a vulnerabilidade deste sistema e ao evidenciar o quão nebulosas podem ser as grandes transações comerciais. E isso sem nunca abrir mão do drama dos seus protagonistas.


Na trama, após ver o seu dinheiro sumir num investimento considerado seguro, o desesperado Kyle (Jack O'Connell) resolve invadir o estúdio do The Money Monster e sequestrar o responsável pela dica: o afetado Lee Gates (George Clooney). Com uma arma na mão e uma bomba em sua posse, o jovem pressiona o apresentador em busca de respostas. Impedida pelo sequestrador de tirar o programa do ar, a produtora Patty (Julia Roberts) decide dar sequência ao show e oferecer o apoio necessário para que Lee pudesse contornar esta situação. Em meio as ameaças de morte, ela se vê obrigada a encontrar o paradeiro do empresário Walt Camby (Dominic West), o homem por trás da desastrada negociação. Aos poucos, no entanto, o caso passa a ganhar projeção mundial, escancarando não só a real situação de Kyle e Lee, como também os motivos que levaram uma grande corporação a perder US$ 800 milhões em uma só noite. 


Com uma instigante premissa em mãos, Jodie Foster constrói um 'mise en scene' afiado e explosivo, potencializando o clima de suspense ao investir numa abordagem fluída e estilosa. Por mais que a figura do revoltado Kyle não soe tão ameaçadora, a realizadora é cuidadosa ao construir a escala de tensão em torno da troca de experiências entre sequestrador e apresentador, apontando para diversos caminhos à medida que os humaniza. Por diversas vezes, inclusive, Foster brinca com as nossas expectativas (e com os clichês do gênero) ao flertar com soluções mais otimistas, realçando através delas a indiferença da sociedade diante do drama dos envolvidos. Melhor ainda, porém, é a maneira sarcástica com que a diretora constrói este cenário sensacionalista. Ainda que não tenha a acidez do clássico Rede de Intrigas (1976), o longa arranca sinceras risadas ao reproduzir os absurdos durante esta cobertura "especial", colocando em cheque não só a espetacularização da violência na mídia, como também a ausência de limites dentro de uma reportagem jornalística. Além disso, Foster tira um excelente proveito estético da metalinguística trama, injetando ritmo à película ao utilizar o jogo de câmeras, a edição ágil e as inserções gráficas (memes e vinhetas) para incrementar a dinâmica relação entre os três protagonistas.


Quando resolve deixar o estúdio, no entanto, o Jogo do Dinheiro esbarra nas suas próprias intenções comerciais. Na ânsia de universalizar o pano de fundo financeiro, o argumento oscila ao tirar o foco do sequestro e se concentrar exageradamente nos bastidores da apressada busca pelo paradeiro do responsável por este gigantesco desfalque. Somado a isso, o roteiro amplia a escala dos acontecimentos de forma superficial e completamente desnecessária, se escorando em uma série de soluções convenientes ao reduzir a nocividade de Wall Street à uma única pessoa. Sem querer revelar muito, o argumento derrapa ao introduzir os motivos por trás da queda das ações, assim como os insignificantes personagens de apoio. Diante do exagerado número de subtramas, aliás, Jodie Foster encontra dificuldades para conseguir as conectar de maneira harmoniosa. Por diversas vezes, a diretora escorrega no que diz respeito ao senso de simultaneidade, deixando a impressão que os protagonistas precisam parar em cena para o desenvolvimento dos outros arcos. Menos mal que, mesmo atrapalhada por estes evidentes deslizes narrativos, ela consegue entregar um último ato condizente com a proposta inicial do longa.


Por outro lado, capitaneado pelos experientes George Clooney (Ave Cesar) e Julia Roberts (Álbum de Família), o elenco ameniza algumas desta falhas ao dar corpo a este envolvente 'mise en scene'. Dono de um inesgotável carisma, Clooney embarca na afetação do apresentador e entrega um desempenho impecável. Indo do excêntrico ao contido com rara inspiração, o ator nos faz crer na desconstrução midiática de Lee Gates, crescendo em cena à medida que o seu personagem passa a dialogar com sentimentos mais humanos. No mesmo nível do seu companheiro, o competente Jack O'Connel (Invencível) é habilidoso ao traduzir o misto de emoções enfrentadas pelo jovem Kyle. Ora explosivo, ora fragilizado, o ator britânico cria um sequestrador cativante, um tipo comum e desesperado à procura de respostas. Melhor ainda, no entanto, é a performance de Julia Roberts. Dando vida a uma figura interessante, uma produtora onipresente que parece ditar o tom da película, a atriz desfila um afiado senso de humor ao absorver os dilemas da sua personagem. Uma mulher que, mesmo ameaçada de morte, resolve colocar o 'show' em primeiro lugar e se preocupar com a sombra no rosto do sequestrador. Além deles, Christopher Denham e Lenny Venito se revelam dois preciosos alívios cômicos, pontuando a trama como - respectivamente - um atrapalhado produtor e um sarcástico operador de câmera. Quem também merece destaque é a bela Caitriona Balfe (Super 8), elegante ao dar vida a uma determinada executiva. Já Dominic West (300) não teve a mesma sorte e pouco pôde fazer diante de um antagonista tão desinteressante.


Aclamado pela crítica na última edição do sempre exigente Festival de Cannes, Jogo do Dinheiro se revela um entretenimento midiático e contestador. Mesmo limitada por algumas soluções narrativas mais previsíveis, Jodie Foster cumpre as expectativas ao construir um suspense vibrante, intenso e levemente satírico. Um obra de aparência requentada, quase genérica, mas que traz consigo uma contextualizada crítica envolvendo a voracidade do mercado financeiro norte-americano. Me arrisco a dizer, no entanto, que o longa alcança um outro patamar quando volta a sua irônica mira para o sensacionalismo televisivo e para àqueles que nas entrelinhas movimentam este distorcido espetáculo.

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