Um verdadeiro soco no estômago, Sem Novidade no Front adota um poderoso discurso antimilitarista ao revelar as consequências de uma guerra na rotina de um grupo de jovens e iludidos alemães. Inspirado no livro homônimo do escritor alemão Erich Maria Remarque, o longa dirigido pelo vencedor do Oscar Lewis Milestone (O Grande Motim) é contundente ao mostrar a degradação física e emocional dos combatentes, expondo os traumas, a dor e a incoerência por trás de um conflito do porte da 1ª Guerra Mundial. Lançado em 1930, pouco tempo antes do início da 2º Grande Guerra, o drama abre mão do maniqueísmo ao não escolher lados, escancarando a trágica realidade do confronto ao colocar em cheque os manipuladores discursos políticos e ideológicos. Em suma, um relato memorável, marcado por seu forte tom crítico, por diálogos corajosos e por cenas naturalmente assombrosas.
"Essa história não é uma acusação, uma confissão. nem tão pouco uma aventura (...). Tentaremos somente mostrar uma geração de homens que, embora possa ter escapado das balas, foi destruída pela guerra". A partir desta incisiva frase de abertura, Sem Novidade no Front foge do lugar comum ao dissecar o impacto de um grande conflito bélico, propondo uma indispensável reflexão ao refutar o viés glamourizado frequentemente utilizado por Hollywood. Sem a intenção de criar heróis, o roteiro assinado por Maxwell Anderson, George Abbott, Del Andrews abraça o tema com absoluta propriedade, realçando a degradação e a violência do confronto ao acompanhar as desventuras de um grupo de inexperientes soldados. Recheado de diálogos expressivos, o longa narra a jornada de Paul (Lew Ayres), o líder de uma turma de estudantes que resolve defender o seu país durante a 1ª Guerra Mundial. Iludidos pelo discurso dos seus superiores, que vendiam a guerra como uma aventura, uma oportunidade de se tornar um símbolo de bravura, os jovens se deparam com um cenário totalmente diferente ao desembarcarem na França. Em meio a fome e o risco iminente de morte, o pelotão é obrigado a experimentar todos os horrores deste conflito, lutando contra as suas próprias fragilidades na tentativa de buscar a agora tão cobiçada sobrevivência.
Disposto a apresentar a guerra como ela é, Lewis Milestone é taxativo ao contradizer as mentiras por trás dos discursos ideológicos. Acreditando acima de tudo no poder da imagem, o realizador não poupa o espectador da violência do conflito, construindo uma série de primorosas cenas ao acompanhar a deterioração física e emocional destes jovens durante o conflito. Apesar das limitações tecnológicas da época, Milestone investe em sequências grandiosas e inegavelmente angustiantes, reproduzindo a hostilidade deste cenário com verossimilhança. A sensação de perigo é iminente e não escolhe personagens. No ápice das batalhas, inclusive, o diretor faz questão de não se concentrar somente nos protagonistas, mostrando o rastro de dor e morte sem qualquer tipo de distinção. Na antológica sequência da trincheira, por exemplo, Milestone revela o poder de destruição de uma metralhadora com absoluta frieza, num movimento de câmera lateral poucas vezes experimentado nos filmes do gênero. É nos momentos mais sutis, no entanto, que o realizador investe num tom mais crítico. Através de dilacerantes metáforas visuais, ele expõe o lado mais trágico do conflito sem propriamente realçar a violência, fazendo um excelente uso dos simbolismos ao revelar o destino de um par de botas ou a inesperada aparição de uma bela borboleta. Sem querer contar muito, poucas vezes eu vi uma sequência final tão poética e devastadora.
Narrativamente, aliás, Sem Novidade no Front beira a perfeição. Apesar da complexidade do tema, o argumento consegue não só realçar a degradação dos jovens alemães, como também arquitetar uma poderosa crítica ao conflito, construindo um retrato completo e contundente sobre a guerra. Através de uma abordagem intimista, Lewis Milestone é habilidoso ao mostrar a desilusão dos personagens e a maneira com que eles encaram a violência, o desconforto e a pressão psicológica ao longo do conflito. Numa desconstrução gradativa, o roteiro abre espaço para sentimentos como o medo, a culpa e o companheirismo, estudando as traumáticas reações de cada um dos protagonistas à medida que o confronto se aflora. Melhor ainda, no entanto, é a maneira com que o argumento volta a sua mira para as incoerências do confronto. Já na primeira cena, uma sala de aula se torna uma espécie de palanque para o discurso ideológico, numa cena que evidencia com brilhantismo o impacto da manipulação na cabeça dos jovens e ingênuos estudantes. Uma ode ao heroísmo magnificamente refutada ao longo das envolventes duas horas e quinze de duração. Além disso, o longa é sagaz ao questionar a validez guerra, revelando num diálogo honesto, ácido e inesperadamente irônico o vazio por trás das motivações políticas.
Um épico à frente do seu tempo, inclusive no que diz respeito ao aspecto tecnológico, Sem Novidade no Front se revela um daqueles dramas de guerra totalmente indispensáveis. No embalo da atuação do expressivo Lew Ayres, impecável ao compor um tipo ora bravo e idealista, ora frio e traumatizado, Lewis Milestone abdica do heroísmo ao propor um relato visceral, crítico e essencialmente humano sobre o impacto do conflito na rotina dos sobreviventes. Um longa que, infelizmente, ainda se mostra extremamente atual nos dias de hoje.
Um comentário:
Com as devidas proporções e a diferença de época, este ótimo filme tem grandes semelhanças com "Nascido Para Matar" de Stanley Kubrick.
São dois grandes filmes.
Abraço
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