Reconhecido como o codiretor do contido drama Entre Nós, Pedro Morelli adota um tom bem mais experimentalista no irreverente Zoom. Numa coprodução Brasil\Canadá, o realizador promove uma azeitada mistura visual ao pintar uma ousada e irônica crítica aos excessos por trás da idealização. Usando e abusando da metalinguagem, que guia o bem humorado argumento de maneira elaborada, o excêntrico longa une animação e 'live action' ao narrar a insana jornada de três indivíduos oprimidos por padrões estéticos relacionados à beleza, ao sexo e a arte. Um recorte ágil, nonsense e naturalmente divertido, que, mesmo não sendo propriamente original, nos proporciona uma experiência estilosa e nada convencional.
E Zoom já começa com uma sequência absolutamente atraente. Num cenário particular e revelador, uma fábrica de realísticas bonecas eróticas, recheada de seios, bundas e silhuetas femininas, conhecemos a simpática Emma (Alison Pill, como de costume roubando a cena). Uma das responsáveis pela confecção destes "brinquedinhos" para adultos, a jovem quadrinista revela para o seu amigo e parceiro sexual Bob (Tyler Labine) a intenção de aumentar os seus peitos, na ânsia de se adequar ao padrão estabelecido pela mídia. A partir desta engraçadíssima personagem, e da sua frustrada cirurgia plástica, o astuto roteiro assinado pelo novato Matt Hansen nos apresenta aos outros dois pivôs desta exótica trama: o vaidoso cineasta Edward (Gael Garcia Bernal) e a estonteante modelo Michelle (Mariana Ximenes). Ele, um promissor diretor de blockbusters, vê a sua confiança desmoronar ao ser surpreendido por um misterioso problema sexual. Ela, uma 'sexy simbol' acostumada a estampar as principais capas de revista, é desacreditada ao anunciar que deseja se tornar uma escritora. Três tipos distintos, em realidades distantes, que acabam se aproximando ao perceberem que estão ligados por suas próprias atitudes.
Apesar das audaciosas soluções estéticas chamarem a atenção num primeiro momento, o verdadeiro diferencial de Zoom reside no instigante e descompromissado argumento. Metalinguística e cômica, a jornada dos três protagonistas se interliga numa inesperada relação de causa e consequência, promovendo uma curiosa crônica sobre o vazio em torno do cultivado ideal da perfeição. A partir de um ponto de vista fantasioso sobre dilemas recorrentes, a maioria deles envolvendo sexo e a valorização da aparência física, Ed, Emma e Michelle se revezam à frente da narrativa, "brigando" pela falsa sensação de poder dentro de uma história contada por eles mesmos. Chama a atenção, aliás, a forma como a frustração de um personagem é paralelamente refletida na atitude do outro, evidenciando os contrastes por trás do círculo vicioso proposto por Morelli. Ainda que algumas soluções funcionem melhor do que outras, o irônico arco liderado pela carismática (e "turbinada") Alison Pill é superior aos demais, num todo o roteiro se revela inesperadamente bem amarrado, principalmente quando se concentra no elo entre os três protagonistas. Nem mesmo a forçada relação lésbica entre a contida Mariana Ximenes e a coadjuvante de luxo Claudia Ohana (Vamp) ou os rasos personagens secundários reduzem o vigor desta envolvente premissa.
Tirando proveito da já citada metalinguagem da trama, que cresce gradativamente até o dinâmico último ato, Pedro Morelli adota uma pegada experimental ao conceber o irreverente aspecto visual de Zoom. Indo bem além da mistura entre o 'live action' e a colorida animação, o realizador se arrisca ao promover uma série de interessantes movimentos de câmeras, acompanhando as desventuras dos três protagonistas por diversos pontos de vistas. De cima pra baixo, de baixo pra cima, em diagonal e até de cabeça para baixo, a câmera nervosa e estilosa de Morelli se movimenta à todo momento, principalmente no longa "dirigido" por Edward. Ponto para a afiada equipe de edição, que valoriza o ágil senso de simultaneidade do roteiro. Melhor ainda, no entanto, é a forma como os traços da quadrinista Emma ganham vida ao longo da trama. Através da rotoscopia, uma técnica que consiste na animação de quadros filmados previamente, Morelli é habilidoso ao construir um extravagante trabalho de teor adulto, explorando com criatividade as cores, o movimento e a expressividade do sagaz conto envolvendo o cineasta. Mesmo não sendo propriamente uma novidade, longas como Walking Life (2001), o Homem Duplo (2006) e o recente Congresso Futurista (2013) já utilizaram fórmulas semelhantes, chega a ser reconfortante ver realizadores brasileiros dispostos a encarar com tamanha energia o cinema de gênero.
Encontrando tempo - até mesmo - para uma pertinente crítica à indústria do entretenimento, principalmente quando coloca em cheque a interferência dos executivos no trabalho dos cineastas, Zoom abraça o nonsense ao misturar cinema, quadrinhos e literatura numa só premissa. Conduzido de maneira ambiciosa por Pedro Morelli, o longa se revela um entretenimento afiado que, apesar da coerente e objetiva mensagem final, promete funcionar melhor para àqueles que não levam o cinema tão a sério.
Filme assistido na 17ª Edição do Festival do Rio.
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