sexta-feira, 4 de março de 2016

Kung Fu Panda 3

Um desfecho digno para uma franquia satisfatória


Mesmo não sendo memorável, Kung Fu Panda inegavelmente se tornou uma das mais bem sucedidas apostas da Dreamworks. Amparado pelo carisma do comediante Jack Black, responsável por dar voz ao bonachão Po no original, a franquia conquistou o público ao propor uma leve e divertida fábula baseada nos conceitos milenares desta popular arte marcial chinesa. Recebidos de maneira amistosa pela crítica, os dois cativantes primeiros longas ultrapassaram a barreira dos US$ 600 milhões nas bilheterias, rendendo um popular derivado para a TV e uma série de brinquedos inspirados nos alegres personagens. E como esperado, cinco anos após o lançamento da continuação, a jornada deste atrapalhado guerreiro ganha um singelo capítulo final no expressivo Kung Fu Panda 3. Novamente aventureira e bem humorada, a animação dirigida pela dupla Alessandro Carloni e Jennifer Yuh investe num visual impecável, talvez o melhor da série, ao propor uma sincera mensagem de amizade e autoaceitação.



Longe de ser mais um genérico caça-níquel, Kung Fu Panda 3 encerra a trilogia com um argumento que faz todo sentido dentro do universo construído ao longo da franquia. Responsáveis pelos roteiros dos dois primeiros longas, Jonathan Aibel e Glenn Berger retornam a função mostrando mais uma vez habilidade ao explorar alguns dos tradicionais conceitos da filosofia chinesa, os integrando a jornada do desajeitado panda de maneira acessível e estudada. A partir de uma abordagem universal e absolutamente dinâmica, a película absorve com inspiração elementos milenares como o 'Yin-yang' (a dualidade de tudo que existe no universo) e o 'Chi' (a energia vital de um ser vivo), criando uma esperta analogia com a tocante lição proposta pela trama. Vou até além. Numa obra que fala sobre equilíbrio, harmonia e a valorização da própria identidade, estes princípios do Taoismo só acrescentam peso e humanidade a ingênua premissa. Não se assuste, porém, com este pano de fundo aparentemente mais complexo. Assim como nos dois capítulos anteriores, o novo Kung Fu Panda é uma aventura com "a" maiúsculo, recheada de criativas sequências de ação, de diálogos naturalmente engraçados e de personagens encantadores.


Na trama, após derrotar o temido pavão Shen, Po se transformou num herói para o Vilarejo. Vivendo de exibições pontuais e da fama conquistada pelos seus atos de bravura, o Dragão Guerreiro se depara com uma nova rotina quando o mestre Shifu resolve o transformar no mais novo mentor dos cinco furiosos. Sem qualquer aptidão para o ofício, não demora muito para ele se tornar uma piada dentro do Palácio de Jade, principalmente pelo seu método nada ortodoxo de treinamento. Confuso e inseguro, o comilão é pego de surpresa ao reencontrar o seu pai, o simpático Li, um panda extrovertido disposto a recuperar o tempo perdido. Nesse meio tempo, porém, o poderoso touro Kai inicia o seu nefasto plano, roubando a força dos líderes espirituais com a intenção de voltar a vida. Ciente desta perigosa ameaça, Shifu decide dar uma nova missão para Po. Correndo contra o tempo, ele precisará aprender a dominar o seu Chi, um elemento de cura capaz de colocar um ponto final nos tirânicos planos de Kai. Convencido pelos seus amigos, Po se une a Li e parte numa viagem rumo ao secreto vilarejo dos pandas, sem saber que esta nova ameaça estava mais próxima do que ele poderia prever.


Sem tempo a perder, Kung Fu Panda 3 alia agilidade e perspicácia ao introduzir a última missão do adorável Po. Ainda que em alguns momentos o longa acelere até demais, como no apressado reencontro do panda com o seu pai biológico, os roteiristas abdicam das fórmulas fáceis ao construir uma história que não se resume ao velho embate do bem contra o mal. Indo além da ameaça imposta pelo egocêntrico Kai, apresentado já na sequência de abertura numa batalha visualmente fantástica, o roteiro é generoso ao investir em outros temas promissores, entre eles a insegurança de Po diante da sua nova responsabilidade, a crise de ciúmes do pai adotivo Mr. Ping com a chegada de Li e as descobertas do bonachão herói acerca do misterioso 'Chi'. Desta forma, no melhor estilo 'Yin-Yang', o argumento encontra o equilíbrio perfeito entre a aventura e a comédia, desenvolvendo a jornada de amadurecimento do ingenuo e empolgado protagonista sem descaracteriza-lo por um segundo sequer. Quando necessário, no entanto, Alessandro Carloni e Jennifer Yuh são cuidadosos ao construir as cenas mais sentimentais, permitindo que a película comova sem recorrer as lágrimas forçadas e as descartáveis lições de moral. Vide a relação entre os "pais" de Po, inegavelmente um dos pontos mais singelos da trama.


Talvez o grande diferencial deste terceiro capítulo, o visual de Kung Fu Panda 3 merece uma atenção especial. Por melhor que tenham sido os dois filmes anteriores, a dupla de realizadores aposta num trabalho esteticamente virtuoso, potencializado pelo variado uso de cores vibrantes e pelos espetaculosos takes de ação. Os embates no plano espiritual, por exemplo, são admiráveis, principalmente por darem aos personagens possibilidades até então inéditas dentro da saga. Como um todo, aliás, as sequências de ação são fluídas e inventivas, mostrando a categoria da equipe de animadores na montagem e na concepção destas cenas. Além disso, Carloni e Yuh são habilidosos ao explorar alguns elementos já populares na série, entre eles a mistura do 2-D com o 3-D, o capricho na textura dos personagens e as estilizadas transições gráficas. Assim, se esquivando das intenções comerciais, Kung Fu Panda 3 é uma daquelas raras continuações que tem algo a dizer. Arrematando com sensibilidade a jornada do carismático Po, o longa encontra nos milenares conceitos chineses a inspiração necessária para compor uma fábula atual e divertida. Um entretenimento que - ao valorizar o melhor que cada um tem a oferecer enquanto ser humano - deixa uma tolerante mensagem em prol da individualidade e da pluralidade.

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