Uma suspense da vida real. Acho que esta frase resume bem o intenso Locke (2013). Dirigido e roteirizado pelo competente Steven Knight, do excelente Senhores do Crime (2007), este instigante thriller nos convida para uma intimista viagem ao mostrar o impacto de um erro na rotina de um respeitado arquiteto. Estrelado pelo talentoso Tom Hardy (A Origem, O Regresso), o "dono" da película ao longo dos concisos 84 minutos, o longa se esquiva das fórmulas fáceis ao acompanhar as desventuras de um homem comum disposto a reparar os seus maiores equívocos durante uma desgastante viagem noturna. Fazendo de um carro de luxo o seu único cenário, Knight surpreende ao transformar este ambiente aparentemente limitador no cenário ideal para um relato dinâmico, criativo e absolutamente reflexivo. Uma obra que, amparada pela primorosa atuação de Hardy, se revela um entretenimento altamente envolvente.
Como Locke é um daqueles projetos que merecem ter os seus "segredos" protegidos, prometo não contar muito sobre o enredo do filme. O que precisamos saber é que o argumento acompanha o início da noite do engenheiro Ivan Locke (Hardy), um engenheiro pai de família que, as vésperas de um grande dia no trabalho, resolve jogar "tudo para o alto" ao se deparar com uma repentina novidade. Pois bem, com base nesta premissa naturalmente nebulosa, Steven Knight é cuidadoso ao desvendar os mistérios por trás do determinado protagonista. Por mais que Tom Hardy seja o único ator realmente presente em cena, o realizador faz da tecnologia um poderoso aliado, permitindo que outros personagens tenham voz ativa através de ligações telefônicas. Desta forma, mesmo sem nunca ganhar corpo, estes novos elementos adicionam um inestimável peso à trama, abrindo espaço para que a jornada do arquiteto dialogue com dilemas urbanos e inegavelmente corriqueiros. A partir de uma narrativa gradativamente tensa e profunda, Knight investiga não só os motivos que o levaram a tal situação, como também o passado de Ivan e as consequências das suas atitudes, dando ao longa uma inesperada sensação de plenitude. Na verdade, apesar de cultivar um bem vindo teor reflexivo, todas as perguntas e respostas são habilmente desenvolvidas ao longo da película. Um fato cada vez mais raro dentro das produções do gênero.
Méritos que, naturalmente, precisam ser divididos com o intenso Tom Hardy. Na minha opinião um dos atores mais completos da sua geração, o astro britânico mostra a sua reconhecida versatilidade ao compor um complexo personagem. Um tipo confiante, de aparência integra, mas que precisa se arriscar na tentativa de retomar as rédeas da sua própria vida. Numa performance sóbria e minimalista, Hardy investe numa frieza calculada, emocionando quando necessário ao interiorizar sentimentos tão contrastantes. Sem querer revelar muito, os monólogos envolvendo o protagonista e uma figura do seu passado se transformam num elemento extremamente particular nas mãos do ator, permitindo que conheçamos as nuances do seu personagem com objetividade e contundência. No embalo desta brilhante atuação, Steve Knight é absolutamente inventivo ao explorar este cenário ambulante. Fazendo um excelente uso da iluminação, ponto para a virtuosa fotografia de Haris Zambarloukos (Thor), os faróis, as sinalizações e a própria luz do painel do carro parecem refletir os sentimentos do condutor, dando uma aparência elegante a uma premissa por si só atraente e inteligente. Além disso, apesar do claustrofóbico pano de fundo, o realizador aposta em takes sutis e surpreendentemente "espaçosos", traduzindo com naturalidade as emoções experimentadas pelo arquiteto ao longo da sua esgotante viagem.
Lançado diretamente em DVD no Brasil, Locke abre mão dos clichês ao narrar o esforço de um homem para salvar a sua família de uma ameaça nem tão invisível. Apesar da enxuta duração, Steve Knight mostra sensibilidade ao colocar no centro da ação questões essencialmente humanas, evidenciando os perigos por trás dos erros aparentemente inofensivos. Sem sombra de dúvidas, um suspense maduro e absolutamente envolvente.
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