Um dos inúmeros equívocos do imperdoável X-Men: Origens - Wolverine (2009), Deadpool se transformou numa das maiores "vítimas" da sofrível adaptação dirigida por Gavin Hood. Completamente descaracterizado, o mercenário tagarela ganhou um destino trágico nas mãos dos roteiristas David Benioff e Skip Woods, se tornando uma espécie genérica de Nêmesis para o astro da turma: o carismático Wolverine. Alvo de incontestáveis críticas, o longa não se saiu bem nas bilheterias, foi detonado pelos fãs e praticamente enterrou as chances de um filme solo sobre o irônico anti-herói. Seria este o fim para Deadpool nos cinemas? Não, Ryan Reynolds não pensava assim. Disposto a apagar esta "mancha" dentro do universo mutante da Marvel, o ator canadense não se deu por vencido. Fã declarado do personagem, ele assumiu a produção deste arriscado projeto com a intenção de resgatar a essência ácida das HQ's. Na contramão das principais produções do gênero, Reynolds "peitou" a Fox ao exigir liberdade criativa, classificação etária elevada e uma inventiva campanha de marketing. E o esforço foi recompensado. Sob a batuta do promissor Tim Miller, o longa, um escrachada comédia de ação, esbanja energia ao abraçar a irreverência do seu protagonista, nos apresentando de maneira ágil e politicamente incorreta a este debochado anti-herói. Prazer em finalmente conhece-lo Deadpool.
Assim como nas HQ's, conhecidas por seus truques narrativos e pela constante quebra da quarta parede, Deadpool foge do lugar comum ao nos contar mais uma história de origem. Costurando passado e presente com maestria, o argumento assinado por Rhett Reese e Paul Wernick (do igualmente ótimo Zumbilândia) adota uma estrutura não linear ao desvendar a origem deste verborrágico mercenário, encontrando na primeira grande sequencia de ação o pano de fundo para a introdução do personagem. Nela, enquanto Wade Wilson troca tiros com os capangas do homem que o transformou em Deadpool, conhecemos a sua historia de amor e vingança. Apaixonado pela bela prostituta Vanessa (Morena Baccarin), o ex-militar vê a sua rotina mudar com a descoberta de um câncer terminal. Determinado a se manter vivo, Wade aceita se submeter a um sinistro tratamento com o gene mutante. Nas mãos do misterioso Ajax (Ed Skrein, excelente) e da sua assistente Angel Dust (Gina Carano, esforçada), o mercenário consegue não só encontrar a cura, mas também ganha super poderes. As consequências, no entanto, são cruéis. Totalmente desfigurado, Wade decide perseguir o responsável por este bizarro "tratamento", se transformando num anti-herói falastrão capaz de tudo para recuperar o grande amor de sua vida.
Apesar da inegável simplicidade da premissa, Deadpool dá um verdadeiro show no que diz respeito a afiada estrutura narrativa. A partir de uma montagem ágil e extremamente original, a tão esperada quebra da quarta parede é explorada de maneira constante ao longo da trama, incrementando o debochado texto e as incessantes piadas. Sem deixar o ritmo cair por um segundo sequer, Tim Miller investe num humor ousado e politicamente incorreto, transformando o verborrágico roteiro numa espécie de metralhadora giratória nas mãos de Deadpool. Recheado de hilárias referências à cultura pop, o longa "brinca" com títulos como Busca Implacável, Curtindo a Vida Adoidado, 127 Horas, Jurassic Park, Batman, Senhor dos Anéis e - claro - o universo X-Men nos cinemas. Além disso, dialogando de maneira sempre honesta com o público, o tagarela mercenário eleva o nível da zoação ao voltar a sua voraz mira para a indústria dos filmes de super-heróis. Num tom extremamente autocrítico, Deadpool não poupa nem os fracassados X-Men: Origens Wolverine e Lanterna Verde, arrancando inúmeras risadas ao questionar - dentre outras coisas - os clichês do gênero, a rixa entre os estúdios, as trapalhadas da Fox e (até mesmo) o talento do seu protagonista.
Sem medo de rir de si mesmo, Ryan Reynolds é o coração de Deadpool. Se entregando de corpo e alma ao personagem, inclusive na popular campanha de marketing, o ator encara a irreverência deste anti-herói com absurda naturalidade, exibindo um invejável tempo de comédia ao reproduzir a sucessão de piadas e situações divertidíssimas. Num incrível trabalho de expressão corporal, Reynolds assume a máscara do seu personagem com total desenvoltura, garantindo uma série de gags visuais ao traduzir com afinco os trejeitos transloucados do protagonista. Vide o engraçadíssimo duelo entre o mercenário e um certo mutante cromado. Por falar neles, Tim Miller faz um criterioso uso do universo X-Men. Limitado por questões contratuais e financeiras, o realizador transforma o imponente Colossus (voz de Stefan Kapicic) e a adolescente Míssil Megassônico (Brianna Hildebrand, certeira) em duas peças inesperadamente funcionais, criando um vínculo com a dinâmica colaborativa da franquia. A vocação heroica e bondosa do gigante soviético, aliás, vira um hilário elemento nas mãos de Miller, contrastando com a conduta irresponsável de Deadpool. Apesar do equilíbrio entre a comédia e a ação, o longa também convence nas breves e inusitadas sequências mais românticas. Completamente à vontade em cena, a magnética atriz brasileira Morena Baccarin exibe uma invejável química com Ryan Reynolds, nos fazendo torcer pelo exótico casal. Em uma só cena, uma espécie de clipe de quase três minutos, Miller introduz esta história de amor de maneira sucinta e eficaz, numa copilação de momentos 'calientes' e estranhamente afetuosos.
Mesmo com um orçamento limitado para as produções do gênero, "modestos" US$ 58 milhões, Tim Miller também surpreende ao nos brindar com expressivas sequências de ação. Trazendo no currículo uma série de trabalhos mais voltados para animação, entre eles a construção dos efeitos visuais de Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), o realizador apresenta cenas ágeis e totalmente nítidas, mostrando perícia ao aliar coreografia e elementos práticos aos inestimáveis recursos digitais. Fazendo um excelente uso da câmera lenta, o diretor é fiel aos quadrinhos ao reproduzir os exibidos saltos e movimentos do anti-herói, dando impressionante fluidez para as cenas mais aceleradas. Apesar da classificação indicativa elevada, 18 anos nos EUA, 16 anos no Brasil, Miller adota um moderado tom estilizado ao traduzir o lado mais violento das HQ's. Procurando se manter dentro do limite do bom gosto, o realizador valoriza o humor por trás dos momentos mais brutais, os incrementando com soluções inegavelmente criativas. Numa delas, no melhor estilo videogame, as últimas balas na pistola do anti-herói são contadas uma a uma, revelando a letalidade do personagem. Além disso, Deadpool não faz feio quando o assunto são os efeitos especiais. Superando as expectativas, Tim Miller capricha tanto na concepção visual do Colossus, criado através da técnica de captura de movimento, quanto no desenvolvimento do grandioso clímax, comprovando que com pouco ainda se pode fazer muito.
Por mais que a abordagem descompromissada não seja propriamente uma novidade dentro do universo super-heroico, recentemente Kick-Ass (2010) e Guardiões da Galáxia (2014) se anteciparam ao investir pesado no humor e nas referências à cultura pop, Deadpool adiciona novos ingredientes a esta mistura ao levantar uma bandeira em prol da liberdade criativa dentro dos grandes estúdios. Indo de encontro ao que vem acontecendo nas principais produções do gênero, cada vez mais "protegidas" pelos executivos, Ryan Reynolds voltou a sua atenção para os fãs ainda na pré-produção, iniciou uma abrangente campanha de marketing nas redes sociais e resolveu lutar com "unhas e dentes" por uma adaptação fiel a essência das HQ's. Premiada pela aposta de risco, a Fox, ainda recolhendo os cacos do problemático 'reboot' do Quarteto Fantástico, foi pega de surpresa ao perceber o alcance do seu mais novo e subestimado lançamento. Em apenas cinco dias, o filme solo do mercenário tagarela faturou US$ 282 milhões ao redor do mundo, sendo US$ 150 milhões somente nos EUA*. Curiosamente, ao "bagunçar" propositalmente a estrutura do gênero, Reynolds e Miller deixam - acima de tudo - uma importante lição para a indústria. Muito mais do que um entretenimento ácido, vibrante e autoral, Deadpool comprova que a liberdade criativa, quando bem utilizada, pode se transformar num elemento poderoso dentro do concorrido mercado das adaptações de HQ's. O recado foi dado.
*Números do site Box Office Mojo.
Assim como nas HQ's, conhecidas por seus truques narrativos e pela constante quebra da quarta parede, Deadpool foge do lugar comum ao nos contar mais uma história de origem. Costurando passado e presente com maestria, o argumento assinado por Rhett Reese e Paul Wernick (do igualmente ótimo Zumbilândia) adota uma estrutura não linear ao desvendar a origem deste verborrágico mercenário, encontrando na primeira grande sequencia de ação o pano de fundo para a introdução do personagem. Nela, enquanto Wade Wilson troca tiros com os capangas do homem que o transformou em Deadpool, conhecemos a sua historia de amor e vingança. Apaixonado pela bela prostituta Vanessa (Morena Baccarin), o ex-militar vê a sua rotina mudar com a descoberta de um câncer terminal. Determinado a se manter vivo, Wade aceita se submeter a um sinistro tratamento com o gene mutante. Nas mãos do misterioso Ajax (Ed Skrein, excelente) e da sua assistente Angel Dust (Gina Carano, esforçada), o mercenário consegue não só encontrar a cura, mas também ganha super poderes. As consequências, no entanto, são cruéis. Totalmente desfigurado, Wade decide perseguir o responsável por este bizarro "tratamento", se transformando num anti-herói falastrão capaz de tudo para recuperar o grande amor de sua vida.
Apesar da inegável simplicidade da premissa, Deadpool dá um verdadeiro show no que diz respeito a afiada estrutura narrativa. A partir de uma montagem ágil e extremamente original, a tão esperada quebra da quarta parede é explorada de maneira constante ao longo da trama, incrementando o debochado texto e as incessantes piadas. Sem deixar o ritmo cair por um segundo sequer, Tim Miller investe num humor ousado e politicamente incorreto, transformando o verborrágico roteiro numa espécie de metralhadora giratória nas mãos de Deadpool. Recheado de hilárias referências à cultura pop, o longa "brinca" com títulos como Busca Implacável, Curtindo a Vida Adoidado, 127 Horas, Jurassic Park, Batman, Senhor dos Anéis e - claro - o universo X-Men nos cinemas. Além disso, dialogando de maneira sempre honesta com o público, o tagarela mercenário eleva o nível da zoação ao voltar a sua voraz mira para a indústria dos filmes de super-heróis. Num tom extremamente autocrítico, Deadpool não poupa nem os fracassados X-Men: Origens Wolverine e Lanterna Verde, arrancando inúmeras risadas ao questionar - dentre outras coisas - os clichês do gênero, a rixa entre os estúdios, as trapalhadas da Fox e (até mesmo) o talento do seu protagonista.
Sem medo de rir de si mesmo, Ryan Reynolds é o coração de Deadpool. Se entregando de corpo e alma ao personagem, inclusive na popular campanha de marketing, o ator encara a irreverência deste anti-herói com absurda naturalidade, exibindo um invejável tempo de comédia ao reproduzir a sucessão de piadas e situações divertidíssimas. Num incrível trabalho de expressão corporal, Reynolds assume a máscara do seu personagem com total desenvoltura, garantindo uma série de gags visuais ao traduzir com afinco os trejeitos transloucados do protagonista. Vide o engraçadíssimo duelo entre o mercenário e um certo mutante cromado. Por falar neles, Tim Miller faz um criterioso uso do universo X-Men. Limitado por questões contratuais e financeiras, o realizador transforma o imponente Colossus (voz de Stefan Kapicic) e a adolescente Míssil Megassônico (Brianna Hildebrand, certeira) em duas peças inesperadamente funcionais, criando um vínculo com a dinâmica colaborativa da franquia. A vocação heroica e bondosa do gigante soviético, aliás, vira um hilário elemento nas mãos de Miller, contrastando com a conduta irresponsável de Deadpool. Apesar do equilíbrio entre a comédia e a ação, o longa também convence nas breves e inusitadas sequências mais românticas. Completamente à vontade em cena, a magnética atriz brasileira Morena Baccarin exibe uma invejável química com Ryan Reynolds, nos fazendo torcer pelo exótico casal. Em uma só cena, uma espécie de clipe de quase três minutos, Miller introduz esta história de amor de maneira sucinta e eficaz, numa copilação de momentos 'calientes' e estranhamente afetuosos.
Mesmo com um orçamento limitado para as produções do gênero, "modestos" US$ 58 milhões, Tim Miller também surpreende ao nos brindar com expressivas sequências de ação. Trazendo no currículo uma série de trabalhos mais voltados para animação, entre eles a construção dos efeitos visuais de Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), o realizador apresenta cenas ágeis e totalmente nítidas, mostrando perícia ao aliar coreografia e elementos práticos aos inestimáveis recursos digitais. Fazendo um excelente uso da câmera lenta, o diretor é fiel aos quadrinhos ao reproduzir os exibidos saltos e movimentos do anti-herói, dando impressionante fluidez para as cenas mais aceleradas. Apesar da classificação indicativa elevada, 18 anos nos EUA, 16 anos no Brasil, Miller adota um moderado tom estilizado ao traduzir o lado mais violento das HQ's. Procurando se manter dentro do limite do bom gosto, o realizador valoriza o humor por trás dos momentos mais brutais, os incrementando com soluções inegavelmente criativas. Numa delas, no melhor estilo videogame, as últimas balas na pistola do anti-herói são contadas uma a uma, revelando a letalidade do personagem. Além disso, Deadpool não faz feio quando o assunto são os efeitos especiais. Superando as expectativas, Tim Miller capricha tanto na concepção visual do Colossus, criado através da técnica de captura de movimento, quanto no desenvolvimento do grandioso clímax, comprovando que com pouco ainda se pode fazer muito.
Por mais que a abordagem descompromissada não seja propriamente uma novidade dentro do universo super-heroico, recentemente Kick-Ass (2010) e Guardiões da Galáxia (2014) se anteciparam ao investir pesado no humor e nas referências à cultura pop, Deadpool adiciona novos ingredientes a esta mistura ao levantar uma bandeira em prol da liberdade criativa dentro dos grandes estúdios. Indo de encontro ao que vem acontecendo nas principais produções do gênero, cada vez mais "protegidas" pelos executivos, Ryan Reynolds voltou a sua atenção para os fãs ainda na pré-produção, iniciou uma abrangente campanha de marketing nas redes sociais e resolveu lutar com "unhas e dentes" por uma adaptação fiel a essência das HQ's. Premiada pela aposta de risco, a Fox, ainda recolhendo os cacos do problemático 'reboot' do Quarteto Fantástico, foi pega de surpresa ao perceber o alcance do seu mais novo e subestimado lançamento. Em apenas cinco dias, o filme solo do mercenário tagarela faturou US$ 282 milhões ao redor do mundo, sendo US$ 150 milhões somente nos EUA*. Curiosamente, ao "bagunçar" propositalmente a estrutura do gênero, Reynolds e Miller deixam - acima de tudo - uma importante lição para a indústria. Muito mais do que um entretenimento ácido, vibrante e autoral, Deadpool comprova que a liberdade criativa, quando bem utilizada, pode se transformar num elemento poderoso dentro do concorrido mercado das adaptações de HQ's. O recado foi dado.
*Números do site Box Office Mojo.
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