sábado, 24 de outubro de 2015

Goosebumps: Monstros e Arrepios

Esperta e divertida, adaptação é digna das aventureiras produções da Sessão da Tarde

Extremamente popular nos anos 90, a série de livros Goosebumps conquistou uma legião de fãs com os seus contos de terror infantojuvenil. Da mente do escritor R.L Stine nasceram 62 livros, um fenômeno que logo invadiu a TV norte-americana com uma série igualmente bem sucedida. Flertando de maneira sempre leve com o suspense e o clima de mistério, os episódios chegaram ao Brasil no saudoso canal Fox Kids e depois na TV Globo, comprovando o sucesso desta inocente mistura. Quase duas décadas depois do 'boom' da franquia, finalmente chega aos cinemas o divertidíssimo Goosebumps: Monstros e Arrepios, uma releitura esperta e visualmente inquestionável que se mantém fiel à essência da obra do cultuado escritor. Adotando uma pegada mais aventureira, o longa dirigido por Rob Letterman (As Viagens de Guliver) se distancia dos interesses mercadológicos ao reunir os principais personagens de Stine em uma só trama, oferecendo uma enxurrada de monstros que se não são tão assustadores, ao menos nos oferecem um entretenimento de surpreendente qualidade.


Na verdade, apesar das monstruosas criaturas serem o grande chamariz da trama, o principal mérito da versão cinematográfica de Goosebumps fica pela perspicácia do roteiro ao conduzir esta adaptação. Numa visão sinistra e antissocial, o próprio R.L Stine é escolhido como o protagonista do longa, ganhando uma versão curiosamente excêntrica nas mãos do performático Jack Black. Vivendo praticamente isolado ao lado de sua filha Hannah (Odeya Rush), o aclamado escritor sempre fez de tudo para proteger um espantoso segredo. Ao contrário do que muitos pensavam, as suas horripilantes criações não eram meras obras da ficção, sendo mantidas trancafiadas pelo próprio autor dentro dos seus manuscritos. Sua reclusa rotina, no entanto, é modificada quando o jovem Zack (Dylan Minnette) e a sua mãe Gale (Amy Ryan) se mudam para a casa ao lado. Atraída pelo novo vizinho, Hannah logo se aproxima de Zack, para a completa irritação de Stine. Acreditando que Hannah poderia estar sofrendo maus tratos, Zack se une ao medroso Champ (Ryan Lee) e decide invadir a casa ao lado. Lá dentro, por acidente, ele abre um dos livros de Stine, dando início a uma reação em cadeia liderada por um "velho conhecido" do escritor. Com a ajuda de R.L Stine, os três jovens precisarão correr contra o tempo para impedir que os monstros destruam a pacata cidade de Madison. 


Fiel à popular estrutura narrativa dos livros de R.L Stine, num determinado momento o próprio protagonista revela que "uma boa história deve ser dividida em três partes: início, meio e reviravolta", Goosebumps é certeiro ao desenvolver a origem dos monstros e a relação deles com o estranho escritor. Pendendo mais para a aventura do que propriamente para o suspense, o diretor Rob Letterman injeta energia à película ao valorizar o humor sem desrespeitar a reconhecida atmosfera sombria dos livros. Mesmo vacilando aqui ou ali, como no apressado interesse romântico entre Zack e Hannah, esta envolvente adaptação é esperta ao explorar o mundo de mistério e fantasia criado por Stine. A partir de um sagaz fio condutor, uma figura vilanesca coerente com o universo da série literária, um a um os monstros libertados vão acrescentando ainda mais ritmo a bem amarrada premissa. Se levarmos em consideração o "apertado" orçamento, cerca de US$ 58 milhões, as criaturas digitais são realmente bem acabadas, atraindo a atenção do espectador a cada nova aparição. Ainda que não causem os arrepios de antigamente, pelo menos para os espectadores mais experientes, o longa é habilidoso ao brincar com o imaginário infantil, abrindo espaço para zumbis, palhaços, lobisomens, bonecos de ventriloco e até para um fantástico louva deus gigante.


Sem se levar a sério por um segundo sequer, Letterman consegue também tirar o máximo dos seus comandados, pontuando o dinâmico argumento com generosas doses de humor. Sobra a até para o "rival" Stephen King. Enquanto Jack Black dispensa elogios, numa espirituosa atuação como o sombrio Stine, o trio Dylan Minnette, Ryan Lee e Odeya Rush esbanja química em cena, encarando com extrema honestidade esta aventureira premissa. Dando vida ao herói deslocado, o garoto de NY que precisa se adaptar a rotina da cidade pequena, Minnette se desvencilha dos clichês ao construir um "herói" interessante. Um personagem sarcástico, mas que diante do perigo não se revela tão durão assim, criando uma relação hilária com o cativante Champ. Exibindo uma impressionante veia cômica, Ryan Lee é outro que entrega um desempenho impagável. Positivamente histérico, o jovem ator protagoniza as sequências mais engraçadas do longa, interpretando um medroso incorrigível fã da série de livros. Nada, no entanto, supera o desenvolvimento da misteriosa Hannah. Sem querer revelar muito, apesar da afetuosa atuação de Odeya Rush chamar a atenção, a sua personagem é pivô de um inesperado e bem arquitetado 'plot twist'. Uma solução tão interessante que ameniza até mesmo alguns dos problemas da trama, como os insossos personagens secundários e a subaproveitada presença da competente Amy Ryan.


Trocando os arrepios pelas risadas, Goosebumps é astuto ao dialogar tanto com o sentimento nostálgico dos marmanjos que cresceram acompanhando a série, quanto com os jovens e cada vez menos impressionáveis fãs de uma competente aventura. No embalo da vibrante trilha sonora de Danny Elfman, este adorável longa presta uma bela homenagem à obra de R.L Stine ao misturar suspense, mistério e humor com extrema leveza. Uma descompromissada adaptação que, além de não subestimar a inteligência do seu público, mostra inspiração ao reproduzir uma das séries literárias mais populares da década de 1990.


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