sábado, 11 de julho de 2015

Cidades de Papel

Revigorante e singelo, longa sai em defesa das pequenas experiências da vida

Adaptação do popular livro homônimo de John Green, o mesmo autor do arrasa quarteirões A Culpa é das Estrelas, Cidades de Papel cativa ao reproduzir com honestidade os anseios do seu público alvo. Tendo como ponto de partida um daqueles típicos e idealizados amores da juventude, o competente diretor Jake Schreier - do profundo e subestimado Frank e o Robô (2012) - busca inspiração nos clássicos do 'high school' oitentista para pintar uma reflexiva, melancólica e edificante jornada de autodescoberta. Dialogando naturalmente tanto com a nova geração, como também com aqueles que já enfrentaram a árdua transição da adolescência para a fase adulta, este estiloso romance adolescente vai bem além das expectativas ao utilizar uma aparentemente requentada história de amor para sair em defesa das simples experiências da vida. Em outras palavras, apesar dos mistérios que cercam esta atraente relação, o longa realmente conquista pela sinceridade com que valoriza temas como a amizade e o amadurecimento, promovendo uma pura e bem humorada ode aos pequenos prazeres da juventude. 


Procurando se aprofundar nas questões mais complexas do livro, sem abrir mão da impulsividade e do descompromisso inerente a esta fase da vida, Jake Schreier é sensível ao abordar os dilemas que angustiam as novas gerações. Num trabalho esteticamente refinado, potencializado pela elegante trilha sonora de Ryan Lott e pela caprichada fotografia de David Lanzenberg (A Incrível História de Adelaine), o realizador é habilidoso ao explorar os sentimentos dos seus protagonistas, produzindo uma adaptação quase que aprimorada da obra escrita por Green. Numa versão livre assinada pela dupla Scott Neustadter e Michael H. Weber, dos excelentes 500 Dias com Ela (2009) e O Maravilhoso Agora (2013), o roteiro adota certo distanciamento do original, conseguindo explorar com maior maturidade os reflexos desta relação na rotina de um grupo de adolescentes prestes a se formar. Cidades de Papel narra a jornada de Quentin (Nat Wolf), um jovem estudioso e nada popular que divide boa parte do seu tempo com os amigos Radar (Justice Smith) e Ben (Austin Abrams). Nutrindo um amor quase que platônico pela magnética e inacessível Margo (Cara Delevingne), uma ex-amiga de infância, Quentin vê a chance de reaproximação surgir quando ela invade o seu quarto pedindo ajuda para colocar em prática um mirabolante plano de vingança. Indo contra a sua própria personalidade pacata, o jovem acaba tendo a noite de sua vida ao lado da idealizada amada. O sonho, no entanto, se torna pesadelo quando no dia seguinte ela desaparece misteriosamente, deixando uma série de pistas sobre o seu novo paradeiro. Disposto a revelar o seu amor por ela, Quentin então decide seguir o rastro deixado por Margo, iniciando assim uma aventura que irá mudar o seu modo de enxergar a vida. 


Adaptado por dois especialistas no gênero, Cidades de Papel comove pela maneira singela com que trata a difícil transição da adolescência para a fase adulta. Utilizando o romance entre Quentin e Margo como uma espécie de estopim para a trama, Schreier é habilidoso ao unir os personagens em torno do sumiço da jovem, construindo um 'road movie' recheado de sequências ora naturalmente bem humoradas, ora sutilmente reflexivas. Seguindo um caminho aberto por clássicos como Clube dos Cinco (1985) e Conta Comigo (1986), o longa é preciso ao construir esta jornada de autoconhecimento, indo a fundo nas nuances de cada um dos personagens numa esperta e bem escrita discussão envolvendo não só a urgência do presente, como também as incertezas do futuro. Por mais que o discurso adotado por Margo soe pedante e egoísta, numa valorização exagerada do magnífico, chama a atenção a maneira como a sua personagem ganha corpo mesmo "desaparecida", culminando num inesperado e esclarecedor anti-clímax acerca das suas próprias expectativas. Sem querer revelar muito, é a partir do impacto do "furacão" Margo sobre Quentin que o argumento ressalta os perigos em torno do fantasma da idealização, renegando - sem julgamentos morais - o "milagre" que parecia ser a rotina da protagonista. Ainda assim, mesmo diante desta funcional história de amor platônica, a trama realmente encanta pela forma com que fala sobre a amizade, encontrando nas competentes atuações e na dinâmica entre os atores o seu principal trunfo.


Um dos grandes nomes de A Culpa é das Estrelas, Nat Wolff comprova o seu status de estrela ascendente em Hollywood com o adorável Quentin. Interpretando um jovem estudioso, cujo futuro já estava rigorosamente planejado, Wolff entrega uma performance autêntica, se distanciando do arquétipo nerd que o cinema popularizou. Muito bem conduzido por Jake Schreier, o jovem ator evolui com naturalidade em cena, se destacando não só na profunda relação com Margo, como também na descontraída interação com os seus amigos. Enquanto Wolff impressiona, Cara Delevingne se escora na sua expressiva beleza para construir a magnética Margo. Com um menor tempo em cena, a inexperiente ex-modelo inglesa convence como uma jovem impulsiva e indomável, mostrando uma invejável química com Wolff. Por mais que Margo seja intragável em alguns momentos, principalmente pelo seu vazio, mas justificável discurso superior, Delevingne se esforça para torna-la cativante, conseguindo se destacar no impecável primeiro ato. Mesmo separados em boa parte da película, os dois constroem uma sedutora relação, evidenciando o talento de Green para criar bons casais. Contando ainda com um qualificado elenco de apoio, recheado de caras novas, os "amigos" Austin Abrams e Justice Smith elevam consideravelmente o nível da projeção. Hilário como o extrovertido Ben, Abrams rouba completamente a cena, sendo o responsável por alguns dos momentos mais engraçados da trama. Assim como o beberrão e mulherengo amigo, Smith mostra simpatia ao interpretar o fiel e responsável Radar. Esbanjando naturalidade em cena, o trio constrói momentos divertidíssimos, com destaque para a incursão em um sombrio galpão ao som da trilha sonora de Pokemon. A cereja do bolo, porém, fica pela adorável presença de Halston Sage (Vizinhos), uma estonteante surpresa na pele da interessante patricinha Lacey.


Ousando ao apostar numa versão nitidamente mais madura do 'best-seller' assinado por John Green, o trio Jake Schreier, Scott Neustadter e Michael H. Weber promove um precioso trabalho ao lapidar os personagens, entregando um entretenimento digno dos principais clássicos oitentistas do gênero. Encarando a festa de formatura como um comovente rito de passagem, Cidades de Papel se distancia da previsibilidade ao colocar a amizade em primeiro lugar, equilibrando o mistério, a aventura, a comédia e o romance de maneira absolutamente agradável. Entre o revigorante e o melancólico, este leve e envolvente romance adolescente transmite uma encantadora mensagem de alerta para aqueles que, na ânsia de chegar à vida adulta, deixam de lado as pequenas experiências que só a juventude é capaz de proporcionar.

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