O
espectador menos atento pode até se confundir, mas a comédia Amante a Domicílio não é assinada pelo cultuado diretor Woody Allen. Na verdade, o
filme tem a cara dele, o estilo dele, o humor dele, mas trata-se do
quinto trabalho da carreira do ator e diretor John Turturro. Essa comparação, no entanto, não representa qualquer demérito
para Turturro. Até porque além de buscar inspiração nos trabalhos
certos do experiente diretor, ele mostra também o seu estilo, conseguindo
construir uma trama original, divertida, e em muitos momentos até
inusitada. Ainda assim, é a presença de Woody Allen o grande diferencial do
filme.
E
todo este destaque é bem simples de explicar. Turturro concebeu um
personagem moldado para Woody Allen. O típico homem que o consagrou.
Isso mesmo, aquele norte-americano falador, cheio de ideias
mirabolantes, que sempre usa de sua lábia para convencer as pessoas de
suas atitudes. A mesma fórmula que parece não envelhecer quando
utilizada pelo ator. Essa, aliás, deve ser a grande explicação para Woody Allen interromper uma lacuna de quase 14 anos sem estrelar um longa que não fosse de sua autoria, o último foi Juntando os Pedaços (2000). Sem nenhuma enrolação, a trama não demora muito para
apresentar a dupla de amigos Murray (Allen) e Fioravante (Turturro). Na
verdade, Fioravante trabalhava para Murray em uma livraria de obras
raras, mas a falta de clientes acabou fechando o estabelecimento. Sem
grandes oportunidades, Murray acaba tendo uma ideia maluca, ao saber que
sua médica (Sharon Stone) estava interessada em fazer um "sexo a três"
com uma amiga e precisava de um homem de confiança. Acreditando que
Fioravante tinha esse "sex appeal", Murray sugere que o amigo aceite o
convite em troca de dinheiro. Apesar de relutar no início, ele acaba
aceitando e o que era para ser um negócio de uma noite acaba ganhando
grande proporção. Num desses "trabalhos" promovidos por Murray, ele
acaba conhecendo Avigal (Vanessa Paradis), uma viúva judia com sérios
problemas de relacionamento. No entanto, a aproximação entre os três
acaba gerando certa polêmica na vizinhança pouco ortodoxa,
principalmente no agente de segurança Dovi (Liev Schreiber), que nutre
uma paixão platônica por Avigal.
Nas
mãos erradas essa curiosa trama poderia virar mais uma comédia pastelão
barata, mas Turturro mostra estilo ao conduzir o filme. Principalmente
com relação ao seu próprio personagem, um tipo solitário, fechado e
culto, que acaba despertando um certo frisson junto às suas clientes.
Utilizando enquadramentos que sempre destacam as curvas de suas
"pretendentes", o diretor ressalta a atmosfera sexual que envolve o
gigolô de forma sútil e bem humorada, sem apelar para a vulgaridade, ou cenas
desnecessárias. Se engana, porém, quem acredita que o filme é sobre
sexo. Na verdade, Turturro cria essa espécie de conto - repleto de ironia - para tocar em
outros temas importantes, como a decadência, a solidão e a infelicidade. Apesar do ritmo do longa oscilar em alguns momentos, justamente nas questões mais densas, o roteiro é
equilibrado. Com um perspicaz texto, marcado por divertidos diálogos, Turturro consegue aliar muito bem comédia e drama. Se no humor o filme
funciona a contento, o mesmo não pode se dizer da escorregadia parte romântica. Por mais que toda a abordagem envolvendo a personagem de
Vanessa Paradis soe interessante, e que a química entre ela e John Turturro seja eficiente, a trama não consegue desenvolver com a mesma originalidade a relaçâo entre os dois. Nada que - felizmente - atrapalhe o
resultado final, já que a presença do personagem Dovi
(Liev Schreiber) acaba
gerando um clímax impagável, envolvendo Woody Allen e judeus ortodoxos.
O
grande acerto de Turturro, porém, acaba sendo a escolha e condução do
elenco. A começar por Woody Allen, que apesar de novamente representar o
seu típico personagem, funciona graças aos bons diálogos e
a sua capacidade em trabalhar com o humor de forma leve. Turturro
também tem um interessante desempenho, num personagem mais fechado, com
ares de misterioso, completamente diferente de Allen. Além da dupla, as
presenças de Sharon Stone, Sofia Vergara e Vanessa Paradis, acrescentam
beleza e qualidade ao longa, preenchendo muito bem as brechas do
roteiro. Aliás, esperto esse Turturro hein, resolveu dirigir um filme
sobre um gigolô, se escalou para o papel e ainda escolheu para o elenco
Stone e Vergara. Brincadeiras à parte, vale destacar ainda as
participações de Jill Scott e de Bob Balaban, muito bem como o advogado
de Murray.
Conseguindo
repetir o nível das últimas comédias de Woody Allen, Fading Gigolo
acaba sendo uma diversão, no mínimo, inusitada. Um trabalho que não se
prende a clichês, se tornando extremamente original e sensível. Uma
comédia redonda, que independente de alguns pequenos eqívocos, acaba
representando um certo amadurecimento de John Turturro atrás das
câmeras. O êxito maior, no entanto, fica para Allen, impagável na pele
de um inusitado cafetão.
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