quinta-feira, 20 de março de 2014

Alemão

Enquanto suspense psicológico, longa é empolgante. 

Desde o sucesso internacional de Cidade de Deus (2002), o subgênero "favela-movie" passou a se tornar recorrente dentro do cinema nacional. Vieram então os igualmente excelentes Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é outro (2010), o impactante Ônibus 174 (2008) e o interessante 5x Favela (2009). Como tudo que é bom dura pouco, não demorou muito para que essa vertente fosse explorada a exaustão. Trabalhos como Cidade dos Homens (2007), Era uma Vez (2008) e o terrível Totalmente Inocentes (2012) fizeram com que o público deixasse de lado essa vertente cinematográfica que projetou internacionalmente nomes como os de Fernando Meirelles, José Padilha e Wagner Moura. Buscando mudar esse panorama, o diretor José Eduardo Belmonte (Billi Pig) nos apresenta Alemão, um dos mais interessantes trabalhos - dentro deste subgênero - desde o segundo Tropa. Se apoiando num eficiente roteiro assinado por Gabriel Martins, o longa explora com habilidade o suspense psicológico por trás dos seus personagens, encontrando novas alternativas para essa desgastada fórmula. 


Na verdade, Belmonte merece elogios pela maneira como enfatiza o desenvolvimento da trama, apostando muito mais nas nuances de personalidade dos seus personagens do que na ação propriamente dita. Explorando o processo de pacificação do Complexo do Alemão, no ano de 2010, o longa apresenta uma história ficcional que se passa em meio aos fatos. Desta forma, o roteirista Gabriel Martins apresenta as desventuras de cinco policiais infiltrados no Morro do Alemão: Samuel (Caio Blat), Branco (Milhem Cortaz), Doca (Otavio Muller), Danilo (Gabriel Braga Nunes) e Carlinhos (Marcelo Melo Jr.). Um grupo de inteligência da policia do Rio de Janeiro, que, mesmo sem o apoio necessário, pretendia mapear toda a área do complexo comandado pelo traficante Playboy (Cauã Raymond) e o seu braço direito Senegal (Jefferson Brasil). No entanto, uma ordem superior abrevia todo esse planejamento. Contra a vontade do líder da operação, o delegado Valadares (Antônio Fagundes), o Governo Federal iniciou uma invasão maciça ao Morro. Ciente que os cinco policias ainda estavam no morro, Playboy inicia a sua derradeira caçada, obrigando o grupo a se esconder em uma pizzaria da comunidade. Lá, o quinteto resolve tentar encontrar uma saída para esta situação, mas a suspeita da existência de um X-9 acaba colocando uns contra os outros.


Apesar de não ser tão visceral e questionador quanto Tropa de Elite, Alemão nos possibilita uma nova roupagem a usual crítica social presente nestes longas. Afinal, o que seria melhor para os moradores de uma comunidade: a ação do tráfico ou a da policia? Buscando respostas extremamente pertinentes, o roteiro se volta contra a desrespeitosa e violenta ação oficial dentro das comunidades, sem deixar de lado a nocividade do poder do tráfico. Abrindo espaço para o desenvolvimento do quinteto de protagonistas, e para relação entre eles, o grande mérito do roteiro fica pela forma como se concentra no aspecto psicológico acerca da relação entre os policiais. Ao ressaltar os conflitos entre eles, a maioria ligada a fatos do passado, o diretor José Eduardo Belmonte é zeloso ao costurar as subtramas. Explorando com rigor técnico a sensação de clausura e de perigo iminente, o realizador foge do lugar comum ao permitir que os seus personagens não se revelem unidimensionais e previsíveis. Ainda que algumas situações não sejam tão críveis - em que mundo um lança míssil derruba apenas uma porta de ferro - e que as cenas de ação não acompanhem o bom roteiro, o diretor mostra segurança na condução dos diálogos e tenta tirar o máximo do desnivelado elenco.


Misturando rostos desconhecidos, como os surpreendentes Jefferson Brasil e Mariana Nunes, à atores globais, como Antônio Fagundes e Gabriel Braga Nunes, Belmonte e a equipe de produção parece ter cometido alguns erros na escalação do elenco. Ainda que se esforce em cena, o galã Global Cauã Reymond não convence como o traficante Playboy. Com um personagem extremamente estereotipado, Reymond capricha nas expressões "bandidas", mas não incorpora a personalidade criminosa. Já o paulista Gabriel Braga Nunes consegue criar um interessante personagem, um policial ex-corrupto de passado nebuloso, mas também não se mostra a escolha perfeita para o papel. Por outro lado, o também paulista Caio Blat supera com destreza as barreiras do regionalismo. Interpretando um dos mais interessantes personagens da trama, o ator mostra segurança ao viver um "certinho" policial. Vale destacar, no entanto, que são os rostos menos conhecidos os grandes destaques do longa. A começar pelo sempre competente Milhem Cortaz, que nessa volta ao gênero constrói um personagem intenso, completamente diferente do divertido Capitão Fábio de Tropa de Elite. Quem também rouba a cena é o jovem Marcelo Jr, intenso ao viver um policial que se apaixona por uma moradora. A principal surpresa do longa, porém, fica pelo grande desempenho de Jefferson Brasil. Vivendo o braço direito de Cauã Reymond, Jefferson se torna o antagonista que o filme merecia ter. Não podemos esquecer também das boas atuações de Otavio Muller e do experiente Antônio Fagundes, que, aliás, conduz com elegância o impactante desfecho do longa.


Pecando pelos pequenos detalhes, Alemão é - ainda assim - uma das mais eficientes obras recentes dentro deste subgênero. Apostando em competentes atuações, na funcional escolha musical assinada por Guilherme e Gustavo Garbato e no bem resolvido argumento, José Eduardo Belmonte consegue se recuperar do fraco trabalho apresentado em Billi Pig. Optando por deixar a ação em segundo plano, o diretor surpreende ao se apoiar no bem vindo clima de suspense e num perspicaz ponto de vista sobre a falha segurança pública do Rio de Janeiro, construindo um entretenimento de qualidade que não abdica da sua função social.


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