Tecer elogios sobre Hayao Miyazaki é uma missão praticamente desnecessária. Seus trabalhos, ou melhor, as suas obras de arte animadas falam mais do que qualquer palavra, evidenciando a originalidade e a expressividade por trás das criações do "pai" do estúdio Ghibli. Responsável por nos apresentar a uma série de mágicas e exuberantes viagens, com destaque para os fantásticos A Princesa Mononoke (1997), A Viagem de Chiriro (2001) e Ponyo (2008), Miyazaki opta por seguir um caminho bem mais realista em Vidas ao Vento. Acompanhando o crescimento do genial projetista Jiro Horikoshi, que durante a 2ª Guerra Mundial surpreendeu o mundo ao desenvolver o mais avançado e letal avião de combate, o experiente realizador encontra na história deste engenheiro uma forma de passar uma mensagem humana e extremamente pacifista envolvendo os devastadores ecos de um conflito.
Procurando atribuir a Jiro uma aura de artista, o que gerou uma série de (injustas) críticas envolvendo uma possível exaltação dos feitos deste inventor, Miyazaki faz questão de deixar claro que um advento tecnológico pode também se tornar um perigo para a humanidade. Através de um visual absolutamente encantador, os cenários pintados a mão ganham ainda mais vigor quando combinados com os efeitos do vento, a animação nos conduz por uma jornada envolvendo um período muito duro para o povo japonês. Com argumento assinado pelo próprio diretor, conhecemos então o jovem Jiro, um garoto inteligente que durante a primeira guerra sonhava em ser um piloto de avião. Sua miopia, no entanto, logo se tornou o seu principal pesadelo, o obrigando a seguir um caminho diferente. Ao invés de se tornar um piloto, Jiro decide então criar aviões, se mantendo assim bem próximo do seu sonho de voar. Obstinado a alcançar o seu objetivo, Jiro cresce e passa a integrar a equipe de construtores aéreos da Mitsubishi. Deixando sempre a sua genialidade a mostra, ele logo se torna um homem de confiança da empresa, e apesar do atraso tecnológico de seu país decide construir o mais rápido e avançado avião. Nesse meio tempo, porém, Jiro se apaixona pela cativante Naoko, num daqueles amores que nem uma nova guerra seria capaz de impedir.
Ainda que Vidas ao Vento não flerte com a fantasia da maioria dos projetos de Miyazaki, que - diga-se de passagem - mesmo num universo fantástico sempre lidaram com questionamentos e críticas coerentes, o diretor japonês opta novamente por encontrar na esfera sonhadora uma forma sutil e comovente de dialogar diretamente com a realidade. Para isso, de forma absurdamente orgânica, o argumento acompanha não só a história de Jiro ao longo de quase três décadas, mas também abre espaço para os sonhos deste inventor como um apaixonado pela aviação. Na verdade, enquanto a vida e os trabalhos de Jiro ganham uma abordagem quase onírica, abreviada pelos momentos em que Miyazaki promove um interessante relato social sobre o povo japonês, acometido naquele período por duas guerras e por um gigantesco terremoto, é neste mundo dos sonhos que Jiro busca respostas para os seus medos, dúvidas ou frustrações. Nos momentos em que conversa com o herói de sua infância, o projetista italiano Giovanni Caproni, Jiro reflete sobre as consequências de suas criações, tendo um contato direto com o melhor e o pior do ser humano. Ao lado dos extraordinários takes aéreos e dos incríveis e coloridos cenários, essa se torna uma das grandes sacadas do roteiro, que complementa com extremo bom gosto o impecável visual composto por este gênio da animação.
Embalado pela tocante trilha sonora de Joe Hisaishi (A Viagem de Chiriro), Vidas ao Vento é um desfecho altamente digno para a carreira de um dos maiores e mais criativos mestres do cinema animado. Ainda que muitos critiquem o romance ficcional adicionado por Miyazaki, já que toda a relação entre Jiro e Naoko não existiu na realidade, o experiente realizador nipônico encontra numa poética narrativa uma alternativa poderosa para destacar a veia destrutiva do ser humano. E para aqueles que questionam a aposentadoria de Hayao Miyazaki, fico feliz em saber que a "década" de criatividade do diretor durou mais de trinta anos. Quem ganhou fomos nós os espectadores, que conseguimos nos fartar com o ponto de vista sempre original e com a estética caprichosamente artesanal deste diretor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário