terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Crítica | Sensível e acolhedor, "Sempre em Frente" busca na verdade infantil a esperança de um novo futuro


"Quando pensa no futuro, como você imagina que vai ser?". Em "Sempre em Frente", o sensível diretor Mike Mills parte desta pergunta para mergulhar no caótico mundo em que vivemos sob a perspectiva infantil de uma nova geração prestes a ser engolida pela realidade. O cineasta enxerga a esperança na pureza destas crianças. O cineasta, ao mesmo tempo, repercute o nosso processo de formação/deformação ao usar o presente como um melancólico contraponto.

O que fascina em "Sempre em Frente" é notar como o roteiro assinado pelo próprio diretor rompe com os clichês dos 'coming of age movies' ao tratar adultos e crianças em condição de igualdade. Na verdade, Mills usa a cativante relação entre tio (Joaquin Phoenix) e sobrinho (Woody Norman) como uma espécie de espelho. O presente se reconhece na angústia do futuro. O futuro se entristece ao enxergar o presente como um possível destino.

Sob a óptica adulta, "Sempre em Frente" pode ser considerado uma obra sobre o difícil processo de reconexão com o "eu" infantil. Com um texto/direção pautado pelo intimismo, Mills desenvolve a troca de experiências entre Johnny e Jesse a partir das dúvidas. Estamos diante de um filme que busca respostas para perguntas que não temos como controlar. Ou temos? O documentarista Johnny viaja pelos EUA disposto a ouvir a verdade das crianças. Seus questionamentos revelam a esperança de um futuro melhor. Mills enxerga a maturidade de uma nova geração atenta à realidade do mundo. As crianças falam em igualdade, em justiça social, em respeito às diferenças.

Boa parte destes depoimentos, contudo, são ilustrados com imagens da rotina das grandes metrópoles. Engarrafamentos. Grandes arranha-céus. Caos urbano. Planos abertos de metrópoles desumanizantes. Um paralelo revelador. Será que a pureza dos entrevistados sobreviverá ao ritmo do mundo em que vivemos? Será essa a nova geração que irá fazer a diferença? Mike Mills não tem esta resposta. "Sempre em Frente", contudo, prefere acreditar.

Para isso, o cineasta funde o documental/macro ao ficcional/micro determinado a estudar o efeito transformador na relação entre o presente e o futuro a partir da intimista jornada de conexão entre os protagonistas. Guiado pela serena performance de um caloroso Joaquin Phoenix e pela complexa presença do pequeno Woody Norman, Mills se encanta pela natureza reflexiva desta troca de experiências. Embora em posições obviamente diferentes, Johnny e Jesse esbarram em questões comuns a crianças e adultos. Ambos experimentam a solidão. Ambos enfrentam o abandono. Ambos temem o futuro. Ambos estão dispostos a mudar o presente.

Quando Johnny encara Jesse ele encontra as dúvidas que um dia já foram suas. Mills, entretanto, enxerga um novo rumo na precocidade destas crianças. Na honestidade no trato das emoções. Por trás das birras infantis se esconde a verdade de um menino comunicativo que teme a ausência da mãe e a doença do pai. Por trás da melancolia adulta existe a verdade de um homem silencioso que sofre diante da ausência da mãe e da falta de raízes.

"Você acha que eu vou ser igual ao meu pai", pergunta um temeroso Jesse. "Não! Você sabe lidar melhor com os seus sentimentos", responde um convicto tio com a certeza que ali estava a criança que a sua geração não lhe permitiu ser. A luminosa fotografia em preto e branco de Robbie Ryan reforça os leves contrastes entre os dois, sempre prezando pelo espaço dos personagens. A câmera de Mills muitas vezes fica à espreita. O cineasta se distancia para enxergar o todo e se aproxima para realçar a beleza de uma relação regida pela verdade.

Em "Sempre em Frente", o novo futuro é construído a partir do presente num filme belíssimo sobre o crescer, o viver e o amadurecer na caótica estrutura social em que vivemos. Mills isola os protagonistas deste mundo reconhecível ao mergulhar na intimidade dos personagens. Nos laços solidificados ao longo do percurso. Nas memórias criadas ao longo do caminho. São elas que fazem o presente seguir acreditando num futuro melhor.

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