terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Crítica | Em "A Mulher que Fugiu", Hong-Sang Soo invade a aconchegante rotina de uma mulher à procura de respostas para perguntas nunca verbalizadas



Existe uma aura aconchegante em "A Mulher que Fugiu" que nos mantém estranhamente conectados com uma obra em que - à rigor - pouca coisa acontece. O cultuado diretor Hong Sang-soo nos seduz com um cinema pautado pelo rotineiro enquanto segue os passos de uma mulher à procura de algo escondido nos detalhes. O que ela quer encontrar?


Com o possessivo marido numa viagem de negócios, a simpática Gam-Hee (Kim-Min Hee) embarca para o interior disposta a recuperar o vínculo com três amigas do passado. O que nós vemos a partir daí são diálogos banais sobre o dia a dia, sobre projetos para o futuro, sobre desilusões amorosas, sobre o passado. O tipo de papo que qualquer amigo de longa data teria após um período de separação.


Uma abordagem rotineira que tende a dividir o público. Uns vão achar o filme lento. Outros vão contestar o propósito. Ninguém, porém, poderá dizer que "A Mulher que Fugiu" não é um longa convidativo. Com uma câmera estática que captura as expressões dos personagens com um peculiar uso do zoom, Sang-soo se encanta pela natureza universal/reconhecível das suas personagens. É confortável ver a serenidade destas mulheres. Ver a funcionalidade 'clean' criada por elas. Experimentar o acolhimento. A empatia. O suporte. O cineasta se recusa a alimentar expectativas. "O que você esconde no terceiro andar", pergunta Gam-hee para a sua primeira amiga visitada. Por um segundo achei que existia um mistério escondido na aparente aleatoriedade da trama. A resposta não poderia ser mais anti-climática...


Existem, contudo, segredos escondidos em "A Mulher que Fugiu''. E eles estão nas entrelinhas. Na maneira com que a protagonista parece buscar respostas na rotina das suas amigas. A independência delas chama a atenção. O vazio também. Assim como os conflitos sentimentais, as imposições e a falta de voz numa estrutura desigual. Gam-hee quer dizer algo. Aquelas mulheres também. O não dito, entretanto, é mais elucidativo que as palavras verbalizadas. "A Mulher que Fugiu'' revela muito sem dizer nada através de imagens que abraçam o espectador. À procura de respostas, Gam-hee encontra a paz de um cinema vazio. Tem dias que é isso o que precisamos… 

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