quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Crítica | "Viajantes: Instinto e Desejo" confunde inconsequência juvenil com idiotização num filme incapaz de sujar as mãos para provocar


“Ninguém escolhe em que circunstâncias nasce”. Em uma só frase, Viajantes: Instinto e Desejo revela o potencial de um plot instigante. Conceitualmente, o longa dirigido por Neil Burger ensaia tocar em temas complexos. Entre eles o determinismo, a polarização social e o livre arbítrio. O contexto era fértil. Criados ‘in vitro’ para serem os tripulantes de uma viagem espacial colonizadora de 100 anos, um grupo de jovens se vê obrigado a lidar com impulsos desconhecidos à medida que é tentado a furar a bolha que sempre o protegeu. As questões éticas em torno da premissa são provocantes. Nós somos mesmos reféns do meio em que em que nascemos? Ou temos controle sobre o nosso destino?

A ideia de usar a imersão no espaço para discutir temas complexos era promissora. Ainda mais quando descobrimos que no centro da reflexão está a descoberta sexual. Burger se alimenta da inquietude dos isolados jovens para expor o perigo da manipulação dos sentimentos. As boas intenções da missão liderada pelo racional Richard (Colin Farrell, perdido) esbarram numa egoísta visão desiludida. As neuroses dos jovens revelam a deformação gerada pela superproteção. Existe um paradoxo em Viajantes que tinha tudo para nortear a narrativa. Qual o direito que nós temos de aprisionar o presente em prol de uma promessa de futuro melhor? Um olhar provocante sobre a liberdade juvenil consumido por um texto descuidado e superficial. 

Viajantes é uma Malhação no espaço. Os dilemas propostos são abordados com um senso de didatismo que emburrece a obra. Burger confunde inconsequência com idiotização. Na ânsia de catalisar a trama, o cineasta adota o maniqueísmo ao tratar temas como a desigualdade de gênero, o frisson sexual, o choque geracional e a luta pelo poder na espaçonave. Nada justifica a falta de ousadia do diretor ao abordar as sequelas deste experimento. Apesar das promessas no trailer, o longa nunca trata o sexo como um agente do caos. Burger nunca suja as mãos. Ele se recusa a estimular a trama a partir do descontrole dos protagonistas. O desnível no elenco capitaneado por Tye Sheridan, Lily Rose-Depp e Fionn Whitehead enfraquece a promessa de choque de forças sugerido. Com uma visão adolescente para um plot reflexivo, Viajantes é um Sci-Fi tolo e carente de te(n)são que desperdiça um material promissor numa viagem rumo a lugar nenhum.

Nenhum comentário: