É fácil entender porque It - Capítulo 2 passou longe de repetir o êxito do
seu antecessor. Enquanto a revigorante parte um conseguiu capturar a essência
do texto de Stephen King com um frescor juvenil oitenista e sólidas raízes
dramáticas, a superlativa parte dois optou por simplificar as coisas ao emular
o senso de nostalgia imaturo que marcou o original num ambiente que desta vez
deveria ser mais adulto e complexo. “Ninguém quer brincar mais comigo”, diz um
cabisbaixo Pennywise na tentativa de comover uma ressabiada garotinha. O mundo
mudou. Em 2019, a cidade de Derry se tornou um lugar ainda mais inóspito. E não
por culpa do sinistro palhaço. Logo na impactante sequência de abertura, o
diretor Andy Muschietti é enfático ao usar um ato de homofobia como um
inteligente elemento contextualizador. A violência urbana enfraqueceu o alcance
da entidade. O medo assumiu uma forma mais real na sua ausência. Apesar do
início promissor, o realizador argentino frustra ao subaproveitar a perversidade
urbana em prol de uma construção de mundo presa ao passado dos protagonistas. Derry
é um mero coadjuvante aqui. Um problema potencializado pelo
contraditório argumento assinado por Gary Dauberman. Se por um lado o longa
merece pontos extras por tentar tornar tudo mais gráfico e impactante
visualmente, por outro o roteiro frustra ao sacrificar o potencial intimista da
obra. Os garotos de outrora cresceram. Os seus traumas ganharam novas formas. Mas
a abordagem não poderia ser mais simplificada.
À medida que eles retornam para
Derry, os seus sólidos conflitos pessoais são esvaziados. Na ânsia de estreitar o laço
com o longa anterior, Andy Muschietti decepciona ao esnobar temas espinhosos
como violência doméstica, depressão, repressão sexual, crise de autoestima... Elementos
que, nas mãos de um sedento Pennywise, poderiam atualizar o teor da obra. Torná-la
mais adulta. Outra vez, no entanto, os medos assumem uma forma bem infantil e
porque não repetitiva. Embora o cineasta consiga extrair o horror deste contato
com os anos 1980, os traumas do primeiro filme, por sinal, ganham corpo desta
vez em enervantes flashbacks, It: A Coisa 2 sacrifica muito na tentativa de
dialogar com o antecessor. As conveniências narrativas são inúmeras. O
argumento recicla situações com exagero. O retorno de um personagem em especial
beira o risível. O núcleo adulto tem bem menos voz que o ideal. Incomoda, por
exemplo, a falta de convicção do roteiro no desenvolvimento dos personagens
após o hiato de vinte e sete anos. Ao invés de focar na reconstrução do elo
entre eles, Andy Muschietti, com base numa justificativa frágil, investe em uma
série de pequenas ‘sidequests’, os separando com um intuito bastante
redundante. Ao contrário do primeiro
filme, quando estes momentos de isolamento eram plausíveis, nesta segunda parte
tudo soa muito aleatório. Falta naturalidade. Faltam motivações sólidas. Falta
independência em relação ao livro. Ao ponto de um dos personagens alertar para
o perigo disso. Ao não se desapegar do núcleo jovem, a impressão que fica é que
o novo It se esforça para funcionar também como um filme solo, o que ajuda a explicar
as absurdas duas horas e quarenta de projeção.
Diante deste baita problema, por sinal, ninguém “sofre” tanto quanto o adulto Mike (Isaiah Mustafa). Um personagem
altruísta, alçado à protagonista no imersivo primeiro ato, mas que é
sumariamente esquecido por mais de uma hora de película. Em contrapartida, nos
momentos em que decide (finalmente) focar no Clube dos Perdedores, It 2 se
revela uma obra tão empolgante e angustiante quanto o original. Escolhido a
dedo, o talentoso elenco adulto capitaneado por Jessica Chastain, Bill Hader e James McAvoy mantém o nível ao interiorizar os traumas das
suas versões infantis com afinco. Mais do que o combustível do palhaço
Pennywise, o medo, aqui, é por si só perigoso. Os personagens nunca foram tão
vulneráveis isoladamente. Um sentimento que, graças a sagacidade do roteiro,
aquece uma amizade esfriada pelo tempo. As microdinâmicas entre os personagens
da primeira parte são novamente exploradas com sutileza e bom humor. Os
diálogos são fluídos. O humor pontua a trama com leveza. O triângulo amoroso
entre Bev, Ben e Bill é trabalhado com delicadeza. As trocas de farpas entre
Bill e Richie seguem impagáveis. O esforço deles para parar a criatura é
convincente. O medo idem. O clímax é criativo. A cereja no bolo, porém,
segue sendo o sinistro Pennywise e a inventividade de Andy Muschietti em
traduzir o horror causado por ele. Sem amarras, a parte dois pira nas
possibilidades ao explorar o elemento metamorfo da entidade. O resultado é
expressivo, incrementado pelo CGI impactante, pelo virtuoso ‘mise en scene’ e
pela marcante performance de Bill Skarsgard.
Num momento em que a interferência
dos grandes estúdios surge como um freio para alguns criadores, It: A Coisa 2
merece o crédito por, ao contrário do seu pavoroso antagonista, se assumir como é. Uma
continuação com pretensões grandiosas disposta a resgatar o melhor da marcante
parte um ao buscar o terror nos medos mais íntimos dos seus (ainda infantilizados)
personagens. No fim, porém, nada de muito novo em Derry.
Um comentário:
Thiago gostaria, se possível ver sua análise sobre o filme cats, abominável por todos os críticos q o assistiram.
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