Cemitério Maldito é a obra mais
pesada do vasto número de livros\contos do aclamado escritor Stephen King. O
próprio já assumiu isso. Em diversas entrevistas ele admitiu detestar o teor da
sua própria obra, tanto que ela ficou engavetada durante algum tempo. A sua
publicação, por exemplo, veio a contragosto, graças a um contrato mal feito e a
ameaça de um processo milionário. Curiosamente, no entanto, Pat Sematary (no
original) se tornou um dos seus mais bem-sucedidos ‘best-sellers’ e ainda hoje
habita no imaginário dos fãs do gênero Horror e na cultura pop como um todo. Disposto
a capturar o clima soturno do material fonte, o novo Cemitério Maldito faz jus
a repulsa do escritor ao imprimir em tela o aspecto mais perverso do original.
Dirigido pela promissora dupla Kevin Kolsch e Dennis Widmeyer, o angustiante
remake supera a cultuada adaptação oitentista ao tornar (quase) tudo ainda mais
sinistro e visceral. Sem qualquer tipo de atenuantes ou facilitações para o
público.
Sem a intenção de reinventar a
roda quanto ao teor da adaptação, o argumento assinado por Matt Greenberg e
Jeff Buhler é objetivo ao se distanciar bem pouco da reconhecido ‘plot’. Uma
pacata família de Boston se muda para uma fazenda na tentativa de fugir do
frisson dos grandes centros urbanos. Lá, após uma inesperada perda, Louis
(Jason Clark) decide enterrar o gato da sua querida filha Ellie (Jeté Laurence)
num estranho cemitério indígena na região da sua nova casa. O que ele não sabia
era que neste solo os mortos ganhavam uma “segunda chance”, iniciando assim um
efeito em cadeia capaz colocar todos em risco. No papel aparentemente é isso.
Um remake muito fiel tanto ao livro, quanto a cultuada (mas nem tão qualificada)
adaptação oitentista dirigida por Mary Lambert. Não demora muito, porém, para
percebemos o esmero desta versão em trazer alguns promissores novos elementos a
trama. Os personagens soam mais complexos. A visão de mundo deles é trabalhada
com maior esmero. O contexto é estabelecido de forma ainda mais soturna. O ‘background’
dos protagonistas soa mais sólido aqui.
Embora nem todas as novas soluções
funcionem bem, o drama familiar envolvendo o passado de Rachel (Amy Smeitz),
por exemplo, é estabelecido\desenvolvido com indiscutível superficialidade, é
interessante ver o cuidado do argumento em explorar o choque de filosofias
entre pai e mãe. Algo que faz todo o sentido. Enquanto ela, obrigada a conviver
com o luto desde cedo, enxergava na ideia de vida após a morte um atenuante,
ele, um médico pragmático, enxergava o fim como um ponto final na existência
humana. Uma lógica que logo é posta em cheque quando ele descobre a existência
deste misterioso lugar. Por mais que o roteiro não dedique o tempo necessário
para a solidificação desta rixa, Kevin Kolsch e Dennis Widmeyer são espertos o
bastante ao extrair o máximo dela na construção do drama dos protagonistas. Em
especial no arco de Louis. Com um desenvolvimento de personagem muito mais
profundo do que no antecessor, a dupla de realizadores consegue traduzir a
deterioração emocional dele de forma gradativa. O misterioso cenário o
influencia. Os fatos o influenciam. A sua obsessão nasce do desconhecido. Um
sentimento potencializado pela tragédia que cerca a sua rotina. Sem a intenção
de contemporizar, o remake é categórico ao explorar os dilemas morais de Louis,
o seu apego pela vida, a sua crescente obsessão e a sua inconsequência. Sem
querer revelar muito, o tom perverso faz todo o sentido, principalmente em
virtude das decisões do protagonista e da maneira com que ele renega as suas
próprias crenças.
Neste aspecto, tal qual a
adaptação oitentista, Cemitério Maldito castiga os seus personagens sem dó nem
piedade. Por mais que o desfecho do antecessor seja mais “marcante”, a nova
versão amplifica o sentimento de punição ao tornar tudo ainda mais pesado e
visceral. Numa sacada inteligente, Kevin Kolsch e Dennis Widmeyer corrigem um
dos principais problemas do longa anterior ao criar uma ameaça ainda mais
violenta e raivosa, extraindo o máximo da assombrosa Jeté Laurence na
construção de sequências inesperadamente gráficas. A dupla de realizadores,
aliás, capricha no que diz respeito a construção da atmosfera do Horror, valorizando
o cenário em questão ao investir numa atmosfera naturalmente soturna. O
cemitério indígena, em especial, é bem assustador. O que falar, por exemplo, do
sinistro gato Church, de longe uma das marcas deste remake. Por mais que a palheta
sombria proposta pela fotografia de Laurie Rose não soe tão original assim, o
resultado é bem mais atmosférico\imersivo do que o original. O mesmo, aliás,
podemos dizer do novamente controverso Jud (John Lithgow, peculiar como de
costume). Por mais que, tal qual no original, as decisões do personagem não sejam
tão coerentes assim, Kolsch e Widmeyer compensam ao adicionar novos elementos
ao texto. A mitologia em torno do cemitério e do efeito causado por ele é
trabalhada com esperteza neste remake, dando contornos mais plausíveis ao
solitário e bem-intencionado vizinho.
Na transição para o último ato,
porém, Cemitério Maldito perde pontos ao se render a algumas facilitações
narrativas. Por mais que o intenso Jason Clark injete um elogiável peso ao seu
Louis, o argumento subaproveita o misto de dor e inconsequência do seu
personagem. Na ânsia de abraça o Horror pelo Horror, Kevin Kolsch e Dennis
Widmeyer banalizam os conflitos do personagem em prol da ação gráfica,
impedindo que o longa como um todo alcance um patamar mais elevado. Somado a
isso, perto do clímax, algumas das soluções encontradas são mal resolvidas, quebrando
um pouco do impacto da sequência final. Se um homem adulto carregando um corpo
infantil teve dificuldades para escalar a armadilha que impedia o acesso para o
cemitério indígena, imagina uma criança (ou algo perto disso) em posse de um
adulto. O tipo de conveniência que incomoda. No momento em que relevamos estes
tolos deslizes, no entanto, Cemitério Maldito cumpre as suas expectativas ao
capturar o clima pessimista do clássico de Stephen King num remake tenso e
horripilante. É preciso ter coragem para trabalhar com crianças num cenário tão
brutal, algo que Kolsch e Widmeyer fazem com indiscutível habilidade.
Cuidadosos ao trazer novos elementos ao texto sem descaracterizar a aura deste ‘best-seller’,
a dupla de cineastas sai em defesa do desapego e das leis biológicas numa obra que
não reluta em punir os seus personagens. Algumas leis, definitivamente,
precisam ser respeitadas.
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