Missão no Mar Vermelho é o tipo de obra que merecia ser “salva” por uma distribuidora do porte da Netflix. Num momento em que a crise dos refugiados é uma mazela global, é duro ver uma película deste porte, inspirada em fatos, com Chris Evans como protagonista, ser praticamente engavetada por dois anos. Produzido, escrito e dirigido por Gideon Raff (Homeland) em 2017, o longa simplesmente não encontrou quem o lançasse. Um filme de resgate que precisou ser “resgatado”. O que, de fato, diz muito não só sobre o momento da indústria, sedenta pelo lucro certo, mas principalmente sobre a falta de interesse do ocidente sobre o tema. Dito isso, não quero dizer que Missão Mar Vermelho seja uma obra prima. Longe disso. Estamos diante de um drama tenso, com falhas e virtudes, que peca ao mais uma vez focar demais na perspectiva do homem branco libertador. Um vício comum em produções do gênero.
Inspirado numa operação real do
governo israelense, que, no início da década de 1980, usou um hotel na enseada
do Sudão como o ponto de extração de judeus etíopes refugiados no país
africano, Missão no Mar Vermelho perde uma grande oportunidade de ir além ao não
extrair o máximo do reconhecível contexto em questão. Enquanto se concentra
naquilo que se propõe, a enervante jornada de um grupo de militares do Mossad
numa peculiar missão em território estrangeiro, Gideon Raff entrega uma obra
competente, enervante e indiscutivelmente dinâmica. O senso de ameaça é
natural. O drama humano é comovente. Os protagonistas são carismáticos. O pulso
narrativo é claro. A sensação de perigo iminente é gradativa e bem explorada
pelo roteiro. A trama se move com objetividade impulsionada pela esperta
montagem, pelos vibrantes acordes da trilha sonora Mychael Danna (As Aventuras
de Pi) e pelo entrosamento do talentoso elenco. As referências ao hit vencedor
do Oscar Argo (2012) me pareceram bem claras. E, embora perca alguns pontos no
quesito originalidade por isso, Raff emula com destreza o estilo impresso por Ben
Affleck ao conferir certo charme a produção, ao prezar pela direção de arte, pelo
esmero na reconstrução dos cenários, da complicada atmosfera da época em solo
africano. O que fica bem claro, em especial, nas emocionantes imagens de
arquivo das cenas pós-crédito.
Se sob a perspectiva dos “libertadores”
Missão Mar Vermelho funciona até bem, principalmente por conferir uma genuína
aura humana aos integrantes do grupo, o mesmo não podemos dizer da
representação dos refugiados. Ao optar por focar na intrépida missão do
impulsivo Ari Levinson (Chris Evans) e dos seus parceiros, Gideon Raff reduz o
impacto da obra ao colocar os judeus africanos em segundo plano. Eles ajudam a
mover a história. A reforçar o drama humano. A escancarar a violência dos
perseguidores. Sempre que precisa o diretor é enfático ao imprimir em tela o
sofrimento imposto a eles em território sudanês. Mas não vai muito além disso. Eles
possuem pouca (ou nenhuma) voz dentro do filme. Faltou a Raff entender a
importância do tema na atualidade. Uma realidade dura, reconhecível, ainda hoje
enfrentada por muitos ao redor do mundo. Um deslize narrativo que só não é mais
sentido graças a perspicácia do argumento em sintetizar a dor daqueles que eram
perseguidos na figura do corajoso e resiliente líder comunitário Kabede Bimro.
Por mais que, volto a frisar, o roteiro perca a oportunidade de capturar com verdadeiro afinco o desespero dos refugiados a partir dos seus olhos, o intenso
personagem confere peso a história, muito em função da maiúscula performance de
Michael Kenneth Williams. Que ator expressivo! O seu Kabede, aliás, merecia ter
ganho um tratamento de protagonista dentro do script. Neste aspecto, faltou ser
mais Hotel Ruanda (2004) e menos Argo.
Embora sofra pontualmente com os problemas de tom, nem sempre o dinamismo proposto por Gideon Raff combina a dramaticidade dos fatos, Missão no Mar Vermelho se revela um drama bem-intencionado elevado pelo seu ‘star power’. Por mais que a segura direção consiga extrair o máximo no quesito tensão, o clímax, por sinal, é muito bem construído, Chris Evans convence como um cativante herói errático. O seu Ari é intrépido, é astuto e também egocêntrico. O mesmo podemos dizer dos talentosos Alessandro Nivola, Halley Bennet, Chris Chalk, Greg Kinnear e Ben Kingsley, todos servindo muitíssimo bem a trama. Um elenco gabaritado que ajuda a conferir o senso de responsabilidade humanitária que o argumento não soube explorar com o peso esperado.
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