sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Estrela de Easy Rider, Peter Fonda morre aos 79 anos


Responsável por interpretar um dos personagens mais marcantes da história recente do cinema norte-americano, o motoqueiro Wyatt do clássico Easy Rider (1969), Peter Fonda faleceu neste sexta-feira (16), aos 79 anos, em decorrências de problemas respiratórios causados por um câncer. Filho do legendário ator Henry Fonda (12 Homens e Uma Sentença, Era uma Vez no Oeste), irmão da icônica atriz Jane Fonda (Barbarella, Num Lago Dourado) e pai da também atriz Bridget Fonda (O Poderoso Chefão 3, Jackie Brown), Peter fez jus ao DNA artístico da sua família ao ajudar a mudar a ordem das coisas no cinema norte-americano. Enquanto o seu pai fez parte da Era de Ouro de Hollywood, com personagens clássicos e imponentes, o filho seguiu um rumo alternativo ao se tornar um símbolo do movimento contracultural que tomou conta dos EUA (e da indústria do entretenimento) nos anos 1960 e 1970. Com o seu pesado sobrenome e um particular estilo de vida, Peter conseguiu chamar a atenção antes mesmo de ver a sua carreira triunfar. Na primeira metade dos anos sessenta, ele já fazia parte da roda de amizade de integrantes de bandas do porte de Byrds e The Beatles, servindo, reza a lenda, como inspiração para a canção "She Said, She Said". Em meio a lisergia da época, Peter Fonda viu a sua carreira deslanchar ao iniciar uma proveitosa parceria com o popular produtor de filmes B Roger Corman. Um dos realizadores mais influentes deste período, ele deu ao então inexpressivo ator a chance de protagonizar duas das suas singulares obras, o thriller de ação Anjos Selvagens (1966) e o drama Viagem ao Mundo da Alucinação (1967). O primeiro, um road-movie sobre uma gangue de rebeldes motoqueiros, o segundo, uma película sobre o efeito do LSD na vida de um homem recém-divorciado. Dois temas que, coincidentemente ou não, viriam a definir o grande trabalho da filmografia de Peter Fonda.  


Com Easy Rider (Sem Destino, no Brasil), Peter, ao lado do seu parceiro de empreitada Dennis Hopper, ajudou a revolucionar o 'status quo' do cinema norte-americano. Dispostos a dar voz a uma parcela da população tão má representada, a dupla tirou despretensiosamente do papel uma das produções mais importantes da Sétima Arte nas últimas cinco décadas. Mais do que um filme, Easy Rider se tornou um fenômeno cultural. Uma manifestação artística independente e revigorante. Roteirista do influente longa, que, aliás, completa 50 anos em 2019, Peter invadiu o crescente movimento contra-cultural ao narrar a jornada de dois motoqueiros desapegados numa viagem sem rumo pelo coração da América. Brincando com símbolos tipicamente norte-americanos, a moto e o capacete de Willie estampam a bandeira dos EUA, o dramático 'road-movie' dirigido por Hopper mostrou uma realidade que o cinema da época insistia em ocultar. A realidade da intolerância, da violência, do preconceito, da lisergia. Um Estados Unidos retrógrado, ultrapassado, sendo confrontado pela presença de dois homens dispostos a tudo para viver o tão pregado conceito de liberdade. Easy Rider, para os padrões da época, se revelou uma produção anárquica. Tanto narrativamente, quanto tematicamente. Se por um lado o roteiro de Peter Fonda era incisivo ao questionar as contradições do 'american way of life', os efeitos do capitalismo predatório da identidade do indivíduo e a rotina de imposições enfrentadas por muitos, por outro abraçava a falta de destino dos seus personagens sem grande preocupação. Esqueça a estrutura de atos. Esqueça o formato. Ao som de Born To Be Wild, da banda Steppenwolf, Hooper e Fonda entregaram uma experiência única, realística, mundana. Easy Rider, de fato, moldou de certa forma a década de 1970. Tanto que, anos mais tarde, o longa foi considerado uma peça chave na gênese da Nova Hollywood, um movimento cinematográfico de vanguarda que redefiniu a forma de se pensar cinema nos EUA, revelando nomes do quilate de Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Michael Cimino, Peter Bogdanovich, Steven Spielberg, George Lucas e Brian de Palma. 


Impulsionado pelo sucesso de Easy Rider, que, além das duas indicações ao Oscar, rendeu US$ 40 milhões nas bilheterias norte-americanas, Peter Fonda decidiu tentar a sorte na direção no western Pistoleiro sem Destino (1971). Uma estreia com pé direito. Quer dizer, pelo menos no aspecto artístico. Recebido na época com críticas mistas, o longa foi um fracasso de público, mas, como muitos hits 'cult', foi redescoberto décadas mais tarde e teve os seus predicados reconhecidos. O que vimos nos anos seguintes, porém, foi um ator "tipificado" pelo seu principal personagem. Sem conseguir se desprender a figura do rebelde Willie, Peter enfileirou uma série de papéis semelhantes em 'road-movies' de ação. Ele pilotou alguma coisa em títulos como Fuga Alucinada (1974), Corrida com o Diabo (1975), Pelos Meus Direitos (1976) e A Estrada do Medo (1978). Neste meio tempo, ele estrelou a sequência do 'cult' Westworld (1973) chamada Futureworld (1976), voltou a direção ajudando a lançar a jovem Brooke Shields em Wanda Nevada (1979), viu Burt Reynolds interpretar um arquétipo que se acostumou a viver como coadjuvante do transloucado Quem Não Corre, Voa (1981), interpretou o charmoso líder de um perigoso culto no thriller Seita de Fanáticos (1982). Aos poucos, Peter Fonda viu a sua imagem perder força. Ainda assim, graças ao seu pesado nome, seguiu atuando. No drama de guerra O Jardim das Rosas (1989) dividiu a tela com a musa de Ingmar Bergman Liv Ullmann. Em Corpos em Movimento (1993) voltou a interpretar um motoqueiro desta vez ao lado de sua filha Bridget Fonda. Sob a batuta do mestre John Carpenter coestrelou a sequência Fuga de Los Angeles (1996). Foi indicado ao Oscar de Melhor Ator por sua tocante performance no drama O Ouro de Ulisses (1997). Voltou a ser elogiado pela crítica ao trabalhar com o talentoso Steven Soderbergh no thriller O Estranho (1999). 


E assim Peter Fonda deu sequência a sua carreira. Mesmo sem o status dos anos 1970, ele seguiu presente no imaginário do público. Em 2002, por exemplo, o ator foi indicado ao Motocycle Hall of Fame. Em 2004, ainda colhendo os frutos de Easy Rider, foi convidado e fez um elogiado trabalho ao dublar o personagem The Truth na violenta franquia de games GTA. Já em 2007, Peter retornou ao mainstream em grande estilo ao coestrelar o aclamado western Os Indomáveis, ao fazer uma participação na comédia Motoqueiros Selvagens e ao antagonizar o filme de super-herói Motoqueiro Fantasma. Ele, aliás, é uma das melhores coisas na "asséptica" adaptação deste popular anti-herói dos quadrinhos. Nos últimos anos, mesmo convivendo com o peso da idade e posteriormente com o câncer de pulmão, Peter Fonda seguiu em plena atividade, transitando entre aparições em telefilmes e papéis de destaque em títulos como A Ameaça (2013) e A Balada de Lefty Brown (2017). Entre os seus últimos projetos estão aos ainda inéditos The Magic Hours e The Last Full Measure. Com voz ativa nas redes sociais, Peter Fonda se envolveu numa polêmica com o presidente Donald Trump no ano passado. Indignado com a política de imigração dos EUA, em especial com os casos de crianças separadas do seus pais e trancafiadas em celas, ele usou palavras pesadas contra o mandatário e a sua família. A sua posição crítica, no entanto, custou caro. Ele viu o seu filme Limites (2018) sofrer um pesado boicote por parte dos entusiastas da administração Trump e cair no esquecimento. Esse, porém, foi Peter Fonda. Um cineasta de opiniões fortes. Um realizador disposto a desafiar o sistema. Um artista da contracultura. Um homem que nasceu para ser selvagem. RIP. Veja abaixo a manifestação de carinho de alguns outros grandes nomes da Sétima Arte.

- Guillermo Del Toro (A Forma da Água, O Labirinto do Fauno)
"Peter Fonda, ator, diretor, um homem querido. Gentil, generoso, espirituoso. Veja Easy Rider, sim, mas veja também Um Pistoleiro sem Destino. Ele ajudou a mudar o cinema, mas também viveu uma vida repleta de amor e fez este mundo melhor."

- James Carpenter (Halloween, O Enigma de Outro Mundo)

"Peter Fonda foi um amigo e um ator subestimado. Brilhante, engraçado, caloroso. Peter foi uma estrela do cinema com brilho nos olhos. Ele foi Crazy Larry e Pipeline e eu sentirei a sua falta".

- Rob Reiner (A Princesa Prometida, Conta Comigo)
"Meus sentimentos para Jane (Fonda) quanto a morte do seu irmão. Peter Fonda foi um cineasta revolucionário durante um tempo revolucionário. Nascido na casa que eu moro hoje, seu espírito fará falta."

- Edgar Wright (Baby Driver, Todo Mundo Quase Morto)
"Descanse em paz Peter Fonda, lenda da contracultura, um ator inovador e um herói da vida real. Sua amostra de voz na faixa da banda Primal Scream 'Loaded' (ouça aqui) irá ecoar para sempre: "Apenas faça aquilo que você gostaria de fazer..."

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