segunda-feira, 18 de março de 2019

Crítica | Um Novo Mundo

O grito punk dos reprimidos

O frescor do cinema ‘indie’ as vezes faz muito bem. Mesmo, a rigor, sem trazer nada de muito original, Um Novo Mundo se revela um ‘coming of age movie’ sincero sobre dois solitários jovens unidos pela superproteção paterna. Escrito e dirigido pelo promissor Peter Livolsi, o longa reoxigena um arco atemporal ao investigar as agruras de uma dupla de adolescentes às avessas com a repressão e a falta de voz nos seus respectivos ambientes familiares, transformando a rebeldia do movimento punk na válvula de escape para a construção de uma história de amizade densa e comovente. Um filme leve e engraçado que, felizmente, não sucumbe aos clichês de algumas das últimas populares ‘dramédias’ juvenis. 

Com base no livro de Peter Bognanni, The House of Tomorrow (no original) instiga ao jogar uma nova luz sobre a velha rixa entre pais e filhos. Ao invés de concentrar em duas famílias “normais”, o argumento é sagaz ao extrair o máximo do inusitado da premissa. A começar pela rotina do caladão Sebastian (Asa Buterfield), um jovem órfão criado pela sua regrada avó (Ellen Burstyn) numa casa redoma “futurista”. Neste ambiente “alternativo”, ele era obrigado a seguir as naturistas crenças da sua tutora, a última seguidora fiel dos visionários conceitos do inventor\design\escritor Richard Buckminster Fuller. Quando ela sofre um repentino derrame, entretanto, Sebastian recebe auxílio do religioso Alan (Nick Offerman), um homem de crenças fortes que tentava educar os seus filhos, o rebelde Jared (Alex Wolff) e a independente Meredith (Maude Apatow), seguindo as suas conservadoras convicções. Cansados de conviver com a imposição dos seus mentores, Sebastian e Jared logo percebem que têm muito mais em comum do que eles pareciam crer, iniciando uma crescente relação de amizade e companheirismo capaz de alterar os seus respectivos ‘status quo’.


Cuidadoso ao estabelecer os conflitos mais íntimos dos jovens protagonistas, Um Novo Mundo evita simplificar as coisas ao tentar entender os dois lados desta equação. Indo de encontro a muitos filmes do gênero, daqueles que simplesmente optam por vilanizar as figuras paternas\maternas, Peter Livolsi dedica o tempo necessário para que possamos compreender os motivos por trás de tamanha superproteção. Sob uma perspectiva complexa e realista, o realizador é inteligente ao usar os ideais de Fuller como um contraponto a realidade dos grandes centros urbanos, dando voz aos dilemas de pai e avó ao acreditar nos seus medos, ao entender que o “mundo lá fora” pode sim ser agressivo e impiedoso. Embora o foco nunca esteja no aspecto macro, na violência urbana e no nosso frenético modo de vida, Livolsi é sagaz ao fazer da rebeldia autodestrutiva de Jared um esperto gancho com a realidade de muitos, justificando (em parte) a preocupação do zeloso Alan. Um ‘plot’ que, diga-se de passagem, ganha ainda mais peso quando descobrimos mais sobre a real situação do garoto e da sua turbulenta relação com o pai e a irmã. Sem querer revelar muito, é legal ver a astúcia do longa em abrir algumas bem-vindas brechas para a simpática figura paterna vivida por um intenso Nick Offerman, fazendo um competente uso da insinuação ao evitar se explicar muito quanto a raiz dos seus problemas. Até porque, de tão reconhecíveis, algumas respostas soariam até óbvias. Uma pena que, ao contrário de Alan, a avó vivida pela fantástica Ellen Burstyn não ganhe a mesma atenção do roteiro, ficando por vezes muito reduzida às suas crenças e convicções. Um ‘background’ familiar inexplorado pelo roteiro que, de fato, fica bem claro dentro do último ato.


A força revigorante de Um Novo Mundo, porém, reside obviamente no convicto grito de liberdade de Sebastian e Jarred. Impulsionado pelas expressivas performances dos talentosos Asa Buterfield e Alex Wolff, Peter Livolsi é cuidadoso ao imprimir em tela conflitos geracionais extremamente universais. Esqueça, portanto, o peculiar ‘status quo’ dos personagens. Excentricidades à parte, estamos diante de dois adolescentes com anseios comuns, dispostos a se arriscar, a se expor longe das asas dos seus respectivos tutores na busca por novas e libertadores experiências. Uma jornada de amadurecimento por si só sólida que, graças a perspicácia do argumento, ganha ainda mais energia quando o elemento ‘punk’ passa a se fazer mais presente. Fiel à aura indomável do movimento, Livolsi é astuto ao usar o rock como um agente catalisador da obra, como a válvula de escape da dupla para se fazer ouvir. Por mais que, a princípio, essa abordagem nem soe tão inovadora assim, à medida que a trama avança o roteiro é enfático ao defender o quão punk’s os dois eram, ao mostrar o que eles estavam dispostos a arriscar na busca pelo que é seu, culminando num clímax memorável. Um predicado, verdade seja dita, valorizado pelas enérgicas performances de Buterfield e Wolff, convincentes ao traduzir o misto de inocência, inconsequência e indignação dos seus personagens. O mesmo, aliás, podemos dizer da promissora Maude Apatow, filha do respeitado diretor Judd Apatow, responsável pela cena mais comovente da obra.


Conduzido com sensibilidade e um inegável bom gosto estético, um traço bem típico do reoxigenado cinema ‘indie’ norte-americano, Um Novo Mundo cativa ao oferecer um olhar humano sobre o quão difícil é ser um filho e um pai no mundo em que vivemos. Com um elenco de primeira linha em mãos, Peter Livolsi entrega um ‘coming of age movie’ com inúmeras virtudes e uma mensagem bem clara. A vida é feita de experiências, algumas duras, algumas arriscadas, algumas recompensadoras. E ninguém deve ser privado da possibilidade de aprender com seus erros e acertos até encontrar o seu ritmo próprio.


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