quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Missão Impossível: Efeito Fallout

O impossível não existe para Tom Cruise

O que falar de uma franquia de ação em que, para imprimir o máximo de verossimilhança, o seu consagrado protagonista decide parar as filmagens para aprender a pilotar um helicóptero. Que o mesmo, contrariando o bom senso, decide dispensar os dublês e realizar um salto de paraquedas de mais de 7 mil metros. E que, devido a um dessas “estripulias”, fratura a perna ao pular entre dois prédios numa cena de perseguição. Só pelo esforço de Tom Cruise em entregar algo genuinamente inacreditável a cada novo título da saga, a “marca” Missão: Impossível segue se mantendo como um produto indispensável dentro do “digitalizado” universo blockbuster. Afinal de contas, por melhores que sejam os efeitos visuais, nada é capaz de superar o grau de realismo quando um diretor tem a oportunidade de filmar o seu destemido protagonista entrar numa aeronave, em pleno voo, usando apenas um discreto equipamento de proteção. Reduzir a série M:I às insanas peripécias de Cruise, entretanto, é um erro retumbante. Como se não bastasse a dedicação desta inesgotável estrela de Hollywood, o que vemos é uma marca se reinventando a cada lançamento, prezando pela tensão, pelo entretenimento e (acima de tudo) pela qualidade das suas histórias. O que fica bem claro, outra vez, no mais recente capítulo da saga Ethan Hunt, o alucinante Missão: Impossível – Efeito Fallout. Embora narrativamente mais simples e descomplicado que o seu antecessor, o extraordinário Nação Secreta, o longa novamente dirigido e roteirizado por Christopher McQuarrie tira o máximo proveito do complexo ‘background’ introduzido previamente na construção de um ‘plot’ implacável. Uma aventura alucinante recheada de adrenalina que empolga e surpreende com facilidade incomparável dentro do gênero.



Enquanto o filme anterior esbanjou elegância ao explorar a face mais falha\incoerente de Ethan (Tom Cruise), em Efeito Fallout Christopher McQuarrie é astuto ao não se sentir seduzido por conflitos requentados. Após entender que na vulnerabilidade do protagonista residia o grande diferencial da IMF, o realizador pisa no acelerador ao dispensar um novo estudo de personagem, ao entender que estamos diante de uma continuação direta do quinto longa. Ou seja, mais do que introduzir novos elementos, entre eles o ‘bad-ass’ agente da CIA August Walker (Henry Cavill), McQuarrie é inteligente ao trabalhar as sequelas dos episódios anteriores, ao colocar Ethan outra vez frente a frente de uma (ainda mais) ferina Isla Faust (Rebecca Fergunson) e do anárquico Solomon Lane (Sean Harris). Usando o roubo de três esferas de plutônio como o gatilho da trama, o realizador não se faz de rogado a abraçar a ação com mais entusiasmo aqui. Indo de encontro ao insinuante suspense de Nação Secreta, McQuarrie não se vê obrigado a perder tempo demais com as espertas reviravoltas, confiando na força do seu texto e no poder de compreensão do público ao narrar a frenética jornada de Ethan Hunt no rastro de um enigmático agente do caos. Numa obra quase sem brechas narrativas, impressiona a capacidade de McQuarrie em conseguir desenvolver os personagens - e a trama como um todo - mesmo durante o corre-corre que toma conta das fluídas duas horas e meia de projeção. Um poder de síntese precioso e que ajuda a proteger os mistérios em torno da real identidade do antagonista.


Seguindo uma linha bem reconhecível dentro da franquia, Christopher McQuarrie é igualmente habilidoso ao trabalhar a dinâmica entre os novos e os velhos personagens. Enquanto Simon Pegg e Ving Rhimes seguem roubando a cena como os fieis ‘sidekicks’ do protagonista, a magnética Rebecca Fergunson e o enérgico Henry Cavill ajudam a reoxigenar a saga ao preencher brechas que pareciam já ter sido “superadas”. Uma das personagens femininas mais interessantes do gênero nos últimos anos, Isla Faust é brilhantemente explorada pelo roteiro, um tipo ora confiável, ora dúbio que vê o seu arco ganhar ainda mais substância nesta sequência. Já o agressivo Walker, contrariando as minhas expectativas, se revela bem mais do que a nova “cavalaria” desta continuação, indo além do arquétipo da força bruta ao surgir como um contraponto ao humano agente Hunt, ao mostrar ser capaz de tudo para alcançar os seus objetivos. Uma relação instável, diga-se de passagem, incrementada pelo retorno do frio Solomon Lane que, graças a soberba performance de Sean Harris, surge como uma espécie de fantasma para assombrar esta parceria.


Esqueça, porém, os predicados narrativos. O sincero elo entre os velhos personagens. As sempre imprevisíveis reviravoltas. O show, mais do que nunca, é de Tom Cruise e da sua assombrosa entrega física nas memoráveis sequências de ação. Do alto dos seus 56 anos, o astro se supera mais uma vez ao traduzir o frenesi em torno da última missão do seu Ethan Hunt, esbanjando carisma, energia e fôlego de sobra para aprontar de tudo um pouco nesta continuação. No olho do furacão praticamente do primeiro ao último minuto, Cruise corre como um louco, salta, luta, escala, pilota, voa do lado de fora de um helicóptero. Consciente disso, Christopher McQuarrie extrai o máximo da insanidade do seu protagonista, entregando, outra vez, algumas das mais antológicas cenas de ação da franquia. Valorizando os efeitos práticos e o potencial de imersão da sua obra, o diretor nos brinca com um ‘mise en scene’ inacreditável, pulando de cenário em cenário com perseguição alucinantes, embates físicos ferozmente realísticos, espantosos takes aéreos e muita adrenalina. Sem querer revelar muito, as sequências da luta no banheiro, do voo de paraquedas e a tão comentada cena do helicóptero são completamente únicas dentro da série, mostrando a capacidade da marca M:I em se reinventar. O mais legal nisso tudo, porém, é que McQuarrie não se contenta em apenas empolgar o público. Apesar do viés “inconsequente” chamar a atenção, o realizador preza pelo refinamento de enquadramentos, pelo estilo em detrimento da banalização do caos, criando planos ao mesmo tempo ferozes, belos e requintados. Definitivamente, Missão Impossível estão em ótimas mãos.


No embalo da marcante trilha sonora de Lorne Balfe (Megamente), inventivo ao criar em cima dos clássicos acordes de Lalo Schifrin, Missão: Impossível – Efeito Fallout não é o melhor filme da série, mas está, indiscutivelmente, entre os mais empolgantes. Por mais que o gatilho que origina a trama se revele talvez o mais frágil de toda a série, Christopher McQuarrie corrige o curso da sua obra com um argumento leve e dinâmico, valorizando como poucos o potencial de entretenimento ao confiar sabiamente no carisma inconsequente de Tom Cruise. O resultado é um thriller de ação enervante do começo ao fim. Uma continuação elétrica que atinge o seu ápice num inimaginável clímax, um desfecho que nos faz crer no impossível.

Nenhum comentário: