O que falar de uma franquia de
ação em que, para imprimir o máximo de verossimilhança, o seu consagrado
protagonista decide parar as filmagens para aprender a pilotar um helicóptero.
Que o mesmo, contrariando o bom senso, decide dispensar os dublês e realizar um
salto de paraquedas de mais de 7 mil metros. E que, devido a um dessas
“estripulias”, fratura a perna ao pular entre dois prédios numa cena de
perseguição. Só pelo esforço de Tom Cruise em entregar algo genuinamente
inacreditável a cada novo título da saga, a “marca” Missão: Impossível segue se
mantendo como um produto indispensável dentro do “digitalizado” universo
blockbuster. Afinal de contas, por melhores que sejam os efeitos visuais, nada
é capaz de superar o grau de realismo quando um diretor tem a oportunidade de
filmar o seu destemido protagonista entrar numa aeronave, em pleno voo, usando
apenas um discreto equipamento de proteção. Reduzir a série M:I às insanas
peripécias de Cruise, entretanto, é um erro retumbante. Como se não bastasse a
dedicação desta inesgotável estrela de Hollywood, o que vemos é uma marca se
reinventando a cada lançamento, prezando pela tensão, pelo entretenimento e
(acima de tudo) pela qualidade das suas histórias. O que fica bem claro, outra
vez, no mais recente capítulo da saga Ethan Hunt, o alucinante Missão:
Impossível – Efeito Fallout. Embora narrativamente mais simples e descomplicado
que o seu antecessor, o extraordinário Nação Secreta, o longa novamente
dirigido e roteirizado por Christopher McQuarrie tira o máximo proveito do
complexo ‘background’ introduzido previamente na construção de um ‘plot’ implacável.
Uma aventura alucinante recheada de adrenalina que empolga e surpreende com facilidade
incomparável dentro do gênero.
Enquanto o filme anterior esbanjou
elegância ao explorar a face mais falha\incoerente de Ethan (Tom Cruise), em
Efeito Fallout Christopher McQuarrie é astuto ao não se sentir seduzido por
conflitos requentados. Após entender que na vulnerabilidade do protagonista
residia o grande diferencial da IMF, o realizador pisa no acelerador ao
dispensar um novo estudo de personagem, ao entender que estamos diante de uma
continuação direta do quinto longa. Ou seja, mais do que introduzir novos
elementos, entre eles o ‘bad-ass’ agente da CIA August Walker (Henry Cavill),
McQuarrie é inteligente ao trabalhar as sequelas dos episódios anteriores, ao
colocar Ethan outra vez frente a frente de uma (ainda mais) ferina Isla Faust
(Rebecca Fergunson) e do anárquico Solomon Lane (Sean Harris). Usando o roubo
de três esferas de plutônio como o gatilho da trama, o realizador não se faz de
rogado a abraçar a ação com mais entusiasmo aqui. Indo de encontro ao
insinuante suspense de Nação Secreta, McQuarrie não se vê obrigado a perder
tempo demais com as espertas reviravoltas, confiando na força do seu texto e no
poder de compreensão do público ao narrar a frenética jornada de Ethan Hunt no
rastro de um enigmático agente do caos. Numa obra quase sem brechas narrativas,
impressiona a capacidade de McQuarrie em conseguir desenvolver os personagens - e
a trama como um todo - mesmo durante o corre-corre que toma conta das fluídas
duas horas e meia de projeção. Um poder de síntese precioso e que ajuda a
proteger os mistérios em torno da real identidade do antagonista.
Seguindo uma linha
bem reconhecível dentro da franquia, Christopher McQuarrie é igualmente habilidoso
ao trabalhar a dinâmica entre os novos e os velhos personagens. Enquanto Simon
Pegg e Ving Rhimes seguem roubando a cena como os fieis ‘sidekicks’ do protagonista,
a magnética Rebecca Fergunson e o enérgico Henry Cavill ajudam a
reoxigenar a saga ao preencher brechas que pareciam já ter sido “superadas”.
Uma das personagens femininas mais interessantes do gênero nos últimos anos,
Isla Faust é brilhantemente explorada pelo roteiro, um tipo ora confiável, ora
dúbio que vê o seu arco ganhar ainda mais substância nesta sequência. Já o
agressivo Walker, contrariando as minhas expectativas, se revela bem mais do
que a nova “cavalaria” desta continuação, indo além do arquétipo da força bruta ao surgir como um
contraponto ao humano agente Hunt, ao mostrar ser capaz de tudo para alcançar
os seus objetivos. Uma relação instável, diga-se de passagem, incrementada pelo
retorno do frio Solomon Lane que, graças a soberba performance de Sean Harris,
surge como uma espécie de fantasma para assombrar esta parceria.
Esqueça, porém, os predicados
narrativos. O sincero elo entre os velhos personagens. As sempre imprevisíveis
reviravoltas. O show, mais do que nunca, é de Tom Cruise e da sua assombrosa
entrega física nas memoráveis sequências de ação. Do alto dos seus 56 anos, o
astro se supera mais uma vez ao traduzir o frenesi em torno da última missão do
seu Ethan Hunt, esbanjando carisma, energia e fôlego de sobra para aprontar de
tudo um pouco nesta continuação. No olho do furacão praticamente do primeiro ao
último minuto, Cruise corre como um louco, salta, luta, escala, pilota, voa do
lado de fora de um helicóptero. Consciente disso, Christopher McQuarrie extrai
o máximo da insanidade do seu protagonista, entregando, outra vez, algumas das
mais antológicas cenas de ação da franquia. Valorizando os efeitos práticos e o
potencial de imersão da sua obra, o diretor nos brinca com um ‘mise en scene’
inacreditável, pulando de cenário em cenário com perseguição alucinantes,
embates físicos ferozmente realísticos, espantosos takes aéreos e muita
adrenalina. Sem querer revelar muito, as sequências da luta no banheiro, do voo
de paraquedas e a tão comentada cena do helicóptero são completamente únicas
dentro da série, mostrando a capacidade da marca M:I em se reinventar. O mais
legal nisso tudo, porém, é que McQuarrie não se contenta em apenas empolgar o
público. Apesar do viés “inconsequente” chamar a atenção, o realizador preza
pelo refinamento de enquadramentos, pelo estilo em detrimento da banalização do
caos, criando planos ao mesmo tempo ferozes, belos e requintados.
Definitivamente, Missão Impossível estão em ótimas mãos.
No embalo da marcante trilha
sonora de Lorne Balfe (Megamente), inventivo ao criar em cima dos clássicos acordes
de Lalo Schifrin, Missão: Impossível – Efeito Fallout não é o melhor filme da
série, mas está, indiscutivelmente, entre os mais empolgantes. Por mais que o
gatilho que origina a trama se revele talvez o mais frágil de toda a série,
Christopher McQuarrie corrige o curso da sua obra com um argumento leve e
dinâmico, valorizando como poucos o potencial de entretenimento ao confiar
sabiamente no carisma inconsequente de Tom Cruise. O resultado é um thriller de
ação enervante do começo ao fim. Uma continuação elétrica que atinge o seu
ápice num inimaginável clímax, um desfecho que nos faz crer no impossível.
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