terça-feira, 8 de maio de 2018

Doentes de Amor

Em defesa dos clichês

Não entendo porque os clichês são tão vilanizados dentro da Sétima Arte. Óbvio que, em muitos casos, a falta de originalidade incomoda. Concordo. A falta de boas ideias também. Mas não consigo condenar uma obra pelo simples fato de se sustentar em clichês. A vida é cheia de clichês. Por que as histórias não podem ser? Em alguns casos, vou além, o clichê é a alma do negócio. O que fica bem claro no adorável Doentes de Amor, uma envolvente comédia romântica que, embora não traga nada de realmente novo, comprova que até as mais requentadas conveniências narrativas podem funcionar quando exploradas com inteligência, ironia e uma comovente dose de sinceridade. Inspirado nas experiências sentimentais de uma estrela em ascensão da comédia nos EUA, o sarcástico Kumail Nanjiani (Silicon Valley), o longa cativa ao expor a realidade de um paquistanês dividido entre os elos familiares e o modo de vida ocidental, indo além do humor de estereótipos ao não confundir despretensão com deboche. Mesmo sem se levar a sério por um segundo sequer, Nanjiani é habilidoso ao “florear” a sua história de vida sem prejudicar a força da sua mensagem, encontrando um perspicaz (eu diria cinematográfico) meio termo entre a realidade e a ficção numa obra que não se envergonha em abraçar os clichês da vida real. 



Com roteiro assinado pelo próprio Kumail Nanjiani, ao lado da sua esposa, a “verdadeira” Emilly V. Gordon, Doentes de Amor é astuto ao ficcionalizar boa parte deste particular romance. Sim meus amigos, muitos dos fatos narrados em cena não aconteceram na vida real. E isto está longe de ser um problema. Na verdade, o casal é cuidadoso ao se debruçar sobre o cerne da questão, o choque das culturas paquistanesa e norte-americana, usando este conflito central como o ponto de partida para uma história bem mais universal e atraente aos olhos do público. Até porque, cá entre nós, qual seria a graça de Uma Linda Mulher (1990), por exemplo, se Julia Roberts fosse uma dentista (nada contra as donas de casas) e Richard Gere um contador (nada contra os contadores)? Ou então de Quatro Casamentos e um Funeral (1994) se Hugh Grant fosse um crítico de cinema (nada contra os críticos de cinema) e Andy MacDowell uma atarefada mulher de negócios (nada contra as mulheres negócios)? Lá atrás, influenciado pelo midas da comédia americana atual, Judd Apatow, Kumail entendeu que a história por trás do seu casamento poderia sim dar um filme, mas que precisaria de alguns “toques” cinematográficos. “Durante o desenvolvimento, nós definitivamente dissemos: - Bem, foi o que aconteceu, mas é meio chato. Então, talvez pudéssemos apimentar isso um pouco.”, confidenciou o protagonista\roteirista em entrevista ao ETonline. E isso, obviamente, sem sacrificar a essência da obra, o sentimento do casal, o que fica impresso em tela do primeiro ao último minuto de projeção.


Com a ironia de um realizador que sabe rir de si próprio, Doentes de Amor segue os passos de Kumail (Kumail Nanjiani), um comediante paquistanês que fez da sua nacionalidade o ‘plot’ para os seus elogiados números de stand-up comedy. Incomodado com a possibilidade do temido casamento arranjado, ele não titubeava em “iludir” a sua tradicionalista família, ganhando o tempo necessário para se estabelecer enquanto humorista e revelar os seus verdadeiros anseios. Tudo muda, no entanto, quando ele conhece a carismática Emilly (Zoe Kazan), uma jovem terapeuta que também não parecia interessada em um relacionamento sério. Após alguns (muitos) encontros, entretanto, ela é pega de surpresa ao descobrir que Kumail não estava interessado em oficializar o seu romance. Relutante quanto ao repentino término, ele decide tentar seguir a sua vida novamente, sem sequer desconfiar que um telefonema na madrugada e uma misteriosa doença o faria finalmente refletir sobre as suas prioridades. Com Emily em coma, Kumail é obrigado a enfrentar o peso das suas “protetoras” mentiras, principalmente no momento em que precisa conviver com os pais da sua futura\ex-namorada, o compreensível Terry (Ray Romano) e a explosiva Beth (Holly Hunter).


Curiosamente, porém, preciso confessar que, em Doentes de Amor, um dos maiores clichês das comédias-românticas não funcionou comigo. O longa dirigido por Michael Showalter não me fisgou como num caso de “amor à primeira vista”. Numa proposta – digamos – mais naturalista do que o de costume no gênero, o roteiro se esforça para tentar situar o espectador quanto a posição do protagonista, mas se alonga exageradamente ao tentar estabelecer simultaneamente os seus conflitos pessoais, profissionais e familiares. Não que isso interfira na construção\desenvolvimento da realística relação entre Kumail e Emilly. Como se não bastasse a evidente química entre Najiani e Kazan, o roteiro é particularmente engraçado ao traduzir o misto de desconforto e entusiasmo no começo de uma relação, nos brindando com momentos genuínos e naturalmente cômicos. Vide a sequência do café na madrugada. O problema é que, apesar das boas intenções, ao longo do inchado primeiro ato Showalter se prende demais, em especial, ao universo do stand-up comedy, investindo em tipos nem tão divertidos assim e num arco que talvez explique o grande senão do longa: as excessivas duas horas de projeção. Menos mal que, neste meio tempo, o argumento é cuidadoso ao estabelecer os simpáticos coadjuvantes, principalmente o clã dos Najiani, preparando o terreno para a grande virada na trama.


Embora fiel aos fatos, Emilly na vida real realmente ficou doente e precisou enfrentar o coma, Naijiani e Gordon apimenta as coisas ao trazer novos elementos para esta equação, elevando o patamar do longa ao abrir espaço para os pais da protagonista. Sob um prisma original, Michael Showalter encanta ao se debruçar com afinco sobre a improvável relação entre Kumail, Terry e Beth, refletindo, através deles, sobre o amor, paternidade e a complexa missão que é a vida a dois. Sem nunca pesar a mão, o casal de roteiristas é sagaz ao transitar por temas tão recorrentes com leveza e ironia, preenchendo a trama com diálogos irreverentes e situações impagáveis que têm muito a dizer sobre os três personagens. Embora as piadas funcionem de maneira equilibrada ao longo de toda a película, os três reforçam o potencial cômico da película, principalmente quando explora o desconforto do ex-namorado diante dos seus ex-sogros. Além disso, é interessante ver como Naijiani usa o seu sarcasmo como uma espécie de antídoto para o melodrama, impedindo que o longa recaia no terreno do sentimentalismo ao usar o humor como uma compreensível estratégia de defesa dos seus personagens. Um predicado valorizado pelas impagáveis performances do pacato Ray Romano e da expansiva Holly Hunt, positivamente comuns como um casal em constante rota de colisão precisando se unir diante do bem-estar da sua querida filha. Quando necessário, entretanto, o argumento é delicado ao traduzir tanto a troca de experiências do trio, quanto o crescente elo entre Kumail e a sua enferma ex-namorada, mantendo a aura romântica mesmo diante da forçada separação. Somado a isso, nas entrelinhas, apesar do evidente descompromisso com que trata o tradicionalismo da sua religião, Naijiani é astuto ao questionar a rotina de casamentos forçados e a imposição cultural familiar. Por mais que ele não esteja no centro desta crítica, é interessante ver como o roteiro abre uma pequena brecha para uma coadjuvante aparentemente irrelevante, revelando que, o que para muitos é motivo de piada, para alguns poucos é motivo de frustração e tristeza.


Sem medo de recorrer aos clichês, que invadem a tela com energia e verdade dentro do refrescante último ato, Doentes de Amor resgata o prestígio das populares comédias-românticas numa obra que sai em defesa das conveniências da vida real. Com personagens carismáticos, um roteiro inteligente e uma generosa dose de sarcasmo, o casal Kumail Naijiani e Emilly Gordon usa a sua própria história de amor como exemplo para mostrar que de alguns clichês podem nascer bons frutos. Seja no Cinema, seja na vida real. 

Um comentário:

Unknown disse...

É uma linda história de amor, o filme que eu amei. Kumail Nanjiani tem muito talento como escritor. Ele é um ótimo ator e muito talentoso para fazer dublagem. Em Lego Ninja Go, ele fez um ótimo trabalho. Sempre fui fã do filmes para crianças, eu gosto por que em cada produção procuram incluir uma mensagem e não somente para os pequenos, pois podemos aprender muito destas produções e nos divertir ao mesmo tempo. Juro que vale muito a pena ver, por que apesar de que é uma historia feita completamente para crianças, sente que esta muito bem adequada para que qualquer membro da família possa ver e ficar encantado com a história. Eu recomendo totalmente.