segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Trágica morte de Heath Ledger completa dez anos


Há dez anos os fãs da Sétima Arte foram pegos de surpresa com o anúncio da trágica morte de Heath Ledger, o astro que Hollywood não titubeou em consagrar. Belo, carismático e talentoso, o radiante ator australiano experimentou ao longo dos seus 28 anos o melhor e o pior do sucesso. Fazendo jus ao rótulo estrelar, Ledger precisou de poucos filmes para chegar ao topo. Inicialmente pintado como uma espécie de novo galã 'teen', ele logo se distanciou dos projetos mais "fáceis", buscou se provar entre os melhores, preenchendo a sua versátil filmografia com obras singulares, elogiadas pela crítica e adoradas pelo público. Por trás do sucesso, dos (inúmeros) romances e do glamour do 'showbiz', entretanto, existia um homem dedicado à arte, um jovem inquieto e frágil que sacrificou a sua própria saúde em prol do seu trabalho. Dos seus personagens. E pagou um preço altíssimo por isso.

Ledger em Sweat, o primeiro grande papel de sua carreira
Nascido na Austrália, mais precisamente na cidade de Perth, Heathcliff Andrew Ledger foi levado ao mundo das artes pela sua irmã mais velha, Katherine Ledger, ainda na infância. Aos dez anos, ele teve a sua primeira experiência como ator numa pequena montagem da peça Peter Pan. Nos anos seguintes, mesmo estudando numa escola militar, Ledger resolveu dirigir e coreografar um grupo de dança masculino, um projeto até então inédito. Disposto a dar voos mais altos, o então aspirante a ator, ao lado do amigo Trevor DiCarlo, resolveu partir rumo a Sidney em busca de novas oportunidades. Curiosamente, porém, após participar de alguns pequenos projetos, foi na sua volta a Perth que Ledger conseguiu o seu primeiro papel de destaque. Na série Sweat (1996), ele ganhou relevância internacional ao interpretar um ciclista gay. Nos anos seguintes, o jovem ator emplacou um novo seriado, o épico Roar (1997), além de ganhar espaço no cinema como coadjuvante no thriller dramático Assassinato em Blackrock (1997) e na comédia PC: Digitando Confusões (1997). Um início de carreira um tanto quanto morno, mas que já se mostrou o bastante para leva-lo ao primeiro grande filme da sua carreira. E que estreia em Hollywood!


Na pele de um 'bad-boy' que, após dez anos vivendo na Austrália, volta aos EUA e se apaixona pela garota menos romântica do colégio (foto acima), Heath Ledger arrancou suspiros no (já) clássico Dez Coisas que Eu Odeio em Você (1999). Num personagem que parece ter sido pensado para ele desde o início, Ledger conquistou o público e a crítica ao protagonizar esta comédia romântica levemente inspirada em A Megera Domada, de William Shakeaspeare. Ao lado de Julia Stilles, Joseph Gordon-Lewitt e Larisa Oleynik, o australiano não titubeou ao abraçar esta gigantesca oportunidade, criando um protagonista charmoso, carismático e indiscutivelmente popular. Impulsionado por sequências como o número musical ao som de Gloria Gaynor, o filme dirigido por Gil Junger se tornou um estrondoso sucesso de crítica. Embora não tenha dado o retorno esperado nas bilheterias, o longa rendeu pouco mais de US$ 53 milhões ao redor do mundo, Dez Coisas que Eu Odeio em Você triunfou no mercado 'home-vídeo', popularidade que ajudou a solidificar a carreira de Ledger em solo norte-americano. Impulsionado pelo seu marcante trabalho de estreia, o promissor ator não perdeu tempo e no ano seguinte ganhou a oportunidade de brilhar ao lado de Mel Gibson no drama de guerra O Patriota (2000). Com suas angelicais madeixas loiras, ele atraiu os holofotes ao interpretar o idealista Gabriel Martin, um jovem (e romântico) militar que decide ajudar o seu pai numa vingança contra aquele que matou o seu irmão. Sob a batuta de Rollland Emmerich (Independence Day), Ledger trouxe sensibilidade a esta competente película, mostrando os ingredientes necessários para brilhar no concorrido mercado hollywoodiano.


Disposto a romper gradativamente com o rótulo de galã teen, Heath Ledger passou a transitar entre os gêneros em busca de papéis mais audaciosos. Após retornar ao universo dos filmes de época no desconstruído Coração de Cavaleiro (2001), uma aventura medieval pop marcada pelas modernas referências musicais, pelos cativantes personagens e pelo envolvente romance central, o australiano entrou no radar das grandes premiações ao coestrelar o drama A Última Ceia (2001). Na pele do filho do preconceituoso protagonista vivido por Billy Bob Thorton, Ledger mostrou a sua veia dramática num longa denso e maduro, um papel menor, mas que o ajudou a preparar um novo terreno para a sua carreira. Em entrevista a Vanity Fair, na época do lançamento de Coração de Cavaleiro, ele já falava sobre esta mudança, ressaltando que preferiu seguir o caminho mais difícil após receber uma série de ofertas (e recusa-las) para papéis semelhantes dentro da comédia-romântica. "Eu quero manter isso toda a minha vida - a escolha de dizer não. Eu estou no controle da minha vida, ninguém em Hollywood. Só faço isso porque estou me divertindo. No dia em que deixo de me divertir, vou me afastar. Eu não ia me divertir fazendo um filme adolescente novamente. Eu não quero fazer isso pelo resto da minha vida. Eu não. Eu nem quero passar o resto da minha juventude fazendo isso nesta indústria. Há muito mais que eu quero descobrir.", afirmou um determinado ator que revelou ter ganhado menos de US$ 100 mil por seu trabalho em Dez Coisas. 


O mais interessante é que, antes de se destacar em títulos como O Patriota (foto acima), a situação financeira de Heath Ledger era delicadíssima. Após uma série de recusas, o dinheiro conseguido por seu trabalho em Dez Coisas que Eu Odeio em Você chegou ao fim. Em entrevista a VF, ele confidenciou que as suas escolhas o levaram a passar por dificuldades e que chegou a duvidar do seu próprio futuro em Hollywood. "Eu estava com fome às vezes. Foi minha última esperança. Se não conseguisse o papel, eu voltaria para casa. Eu não tinha nada. Sem dinheiro. Não há nada. Em um ponto, nem quis ler o script e entrar e encontrá-los. Eu cheguei tão perto de tantos grandes projetos que acabei perdendo a confiança em mim. Mas fui de qualquer jeito e leio para o diretor, Roland Emmerich, e o produtor, Dean Devlin, e outras pessoas. Eu tinha duas cenas para ler, e parei no meio da segunda cena. Eu disse: - Desculpe. Isso é uma merda. Estou perdendo o seu tempo. Mas, mais importante, estou desperdiçando o meu. Eu estava tão em baixa que simplesmente não me importava. Eu me levantei e saí. Mas eles devem ter sido um pouco curiosos sobre o meu comportamento, porque acabei por ser chamado de volta", contou Ledger falando sobre o processo de seleção para O Patriota. Na época, enquanto Mel Gibson o definiu como um ator com uma combinação improvável, "uma incrível presença de cena, aliada a uma madura despretensão", Emmerich lembrou do impacto que ele casou logo no seu primeiro teste, "no momento em que ele entrou na sala, era possível sentir todo mundo se endireitando nas cadeiras e perguntando: - Quem é esse cara?". O diretor, aliás, falou também sobre a sua "forte influência sobre as mulheres", um magnetismo que o ajudou nos seus inúmeros romances em Hollywood. Nos anos seguintes, Ledger namorou as atrizes Lisa Zane, Heather Graham, Naomi Watts e Michelle Williams, mãe da sua única filha, Mathilda Rose. 


Com a sua carreira num novo patamar, Heath Ledger seguiu em busca de personagens diversificados. Foi assim na esquecível aventura dramática Honra e Coragem (2002), no competente remake de ação Ned Kelly (2003) e no detonado thriller religioso Devorador do Pecados (2003). No momento em que o seu status parecia perder força, entretanto, Ledger recolocou a sua carreira nos trilhos no elogiado drama biográfico Os Reis de Dogtown (2005). De volta ao universo adolescente, só que desta vez dentro de um contexto bem mais realístico, o astro australiano arrancou elogios ao viver Skip, um dos membros Z-Boys, um grupo de amigos que decide usar os movimentos do surf dentro do skate, ajudando a popularizar esta prática esportiva. Sob a batuta de Catherine Hardwicke (Aos Treze), Ledger conseguiu levantar o nível da película, emprestando a sua reconhecida intensidade ao traduzir a profundidade e os conflitos do personagem. Num mesmo ano, aliás, o australiano experimentou as inúmeras faces do cinema americano. Após brilhar num filme considerado 'indie', ele voltou aos holofotes ao estrelar o blockbuster Os Irmãos Grimm (2005) e o multipremiado O Segredo de Brokeback Mountain (2005). No cinema pipoca, Ledger retornou ao universo da aventura ao protagonizar, ao lado de Matt Damon, uma divertida releitura dos contos dos Irmãos Grimm. Dirigido pelo cultuado Terry Gilliam, o longa não chegou a ser um grande sucesso de público, mas se revelou uma fantasia recheada de predicados. Uma obra narrativamente oscilante marcada pelo incrível visual e pelas excelentes atuações. 

O preço da fama



Foi com O Segredo de Brokeback Mountain, entretanto, que Heath Ledger chegou ao topo. De volta ao universo LGBT após quase uma década, o australiano se deparou com o papel mais desafiador da sua carreira, o homofóbico Ennis, um homem que, contrariando as expectativas, se apaixona pelo seu parceiro de trabalho, o vaqueiro Jack Twist, em plena década de 1960. Dividindo a tela com o igualmente talentoso Jake Gyllenhall, Ledger usou o seu prestígio um prol de um romance homossexual, um fato raríssimo até então, o que fez de O Segredo de Brokeback Mountain um dos primeiros filmes sobre um casal gay a alcançar o grande público. Com orçamento de US$ 15 milhões, o sensível longa dirigido por Ang Lee faturou US$ 178 milhões ao redor do mundo, além de três estatuetas do Oscar (Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora Original). Curiosamente, porém, por muito pouco Ledger ficou de fora do projeto. Segundo a roteirista Diana Ossana, em entrevista a SiriusXM Progress, o estúdio "não o achava "macho" o bastante para o papel". Ledo engano. Além da sua extraordinária performance, reconhecida com uma indicação ao Oscar e ao Globo de Ouro, o ator se entregou de corpo e alma ao projeto, enxergando a importância por trás do tema. “Ele estava muito preocupado com as questões políticas do filme quando foi lançado. Muitas vezes as pessoas brincavam sobre isso, e ele ficava extremamente sério, a ponto de não querer ouvir nenhuma piada que era feita.", admitiu Jake Gyllenhaal em entrevista a revista Out. Sem tempo a perder, Ledger seguiu enfileirando trabalhos, transitando entre os gêneros ao protagonizar o romance de época Casanova (2005), o drama 'indie' Candy (2006) e a biográfico Não estou Lá (2007), onde viveu o cantor Bob Dylan (foto abaixo) num dos segmentos desta pérola cult.


Com a fama, porém, vieram os problemas. O mesmo astro que iluminava as capa de revistas e colecionava críticas positivas, passou a ter problemas familiares e distúrbios de sono. Uma fase negativa potencializada pelo rompimento da sua relação com Michele Williams, em 2007, uma separação amistosa, mas que teria potencializado os conflitos de Ledger. Ao contrário da sua carreira, a vida pessoal do jovem ator se tornava cada vez mais nebulosa. Em entrevista recente a Revista People, a cantora e amiga Mia Doi Todd falou sobre o impacto do "divórcio" na rotina de Ledger. “Ele ficou arrasado com a separação e ficou muito abalado por não poder ser o pai perfeito e o companheiro ideal que gostaria de ser”, declarou Todd à revista. “Sentia falta da filha e da família e estava desesperadamente infeliz. Não dormia bem e tomava remédios de sono que já não funcionavam. Ele sabia que precisava parar.", frisou a musicista. Nesse meio tempo, porém, o australiano não "abandonou" a sua arte. Sempre dedicado mesmo diante dos problemas, Ledger aceitou interpretar um dos vilões mais populares da cultura pop, o sombrio Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008). E entregou uma das performances mais memoráveis da história recente do cinema. Num daqueles trabalhos capazes de transpor as barreiras do cinema, ele causou espanto ao interiorizar a insanidade do vilão, ao traduzir a essência anárquica e a sua imponência, dando ao diretor Christopher Nolan a oportunidade de criar um dos melhores filmes de super-herói da história da Sétima Arte. Em entrevista recente ao ComicBook, o diretor falou sobre o processo criação do personagem e sobre a dedicação de Ledger na composição do antagonista. "Muito do que Heath fez ele discutiu comigo. Ele dava algumas dicas do que ele pensava em fazer e eu tentava ser o público para ele, uma espécie de indicador sobre o que ele estava fazendo, mas muitas coisas eram imprevisíveis. Ele revelava gradualmente para mim a voz e o jeito que faria as coisas, não de uma vez só, 'olha, esse é o Coringa'. Meio que assistimos ele desenvolver o personagem com o figurino, a maquiagem e tudo mais. (...) A voz dele era sempre muito imprevisível". Reverente ao talento de Heath Ledger, Nolan foi além, o classificou como "extraordinário" e admitiu que o reconhecimento do seu trabalho foi totalmente justo. "Acredito que é muito significativo para a família dele e para a história do cinema, para o qual ele contribuiu de diferentes formas, que ele tenha sido reconhecido desta maneira. Tenho muito orgulho por ter me envolvido de algum modo com esse grande ator e seu legado.", finalizou Nolan.


Num daqueles trágicos golpes do destino, entretanto, Heath Ledger, o homem que sempre procurou viver ao lado dos seus amigos mais próximos, foi encontrado morto no seu apartamento em Nova Iorque, sozinho, no dia 22 de Janeiro de 2008, poucos meses após o término das filmagens de O Cavaleiro das Trevas. Na época, após uma série de especulações e notícias sensacionalistas, os exames comprovaram que o ator faleceu vítima de uma intoxicação acidental de remédios prescritos para dormir. Alguns meses antes, em Novembro de 2007, Ledger havia tornando público este problema em entrevista ao New York Times. "Na última semana eu provavelmente dormi uma média de duas horas por noite. Não pude parar de pensar. Meu corpo estava exausto e minha mente ainda estava funcionando.", revelou o saudoso ator logo após a conclusão de Não Estou Lá e O Cavaleiro das Trevas. Nos meses seguintes, após o choque, tabloides ao redor do mundo começaram a especular sobre os motivos da morte. Diante de informações desencontradas, começou a circular na mídia o boato que Ledger teria "sucumbido" ao desgastante processo de concepção do seu Coringa, um trabalho minucioso que - merecidamente - lhe rendeu o Oscar póstumo de Melhor Ator Coadjuvante. Nos últimos anos, porém, esta informação perdeu força, principalmente após o lançamento do documentário I am Heath Ledger (2017), uma produção recheada de imagens de arquivo e depoimentos sobre os últimos anos de vida do ator. Em entrevista ao site WHO, Kate Ledger, irmã de Heath, revelou que ele se divertiu bastante no set e que os dois sempre mantinham contato. “Eu costumava dizer que eu e Heath éramos almas gêmeas. Nós conversávamos todos os dias, mesmo quando ele estava longe filmando algum projeto. Falávamos do que ele estava filmando, ou do que eu estava preparando para o jantar. (...) Ele se divertiu muito no set de O Cavaleiro das Trevas. Quando me ligava, reencenava pedaços dos diálogos para mim e se mostrava muito animado com o que estava conseguindo fazer com o personagem do Coringa.", frisou Kate. 


Já Kim Ledger, pai de Heath, foi contundente ao falar sobre a morte do filho. Em entrevista ao Daily Mail Austrália, no início do ano passado, ele não poupou o ator e o seu descuido quanto a sua própria saúde. "Foi totalmente culpa dele e de ninguém mais. Ele procurou por isso. (...) É difícil de aceitar porque eu o amava muito e tinha muito orgulho dele.", afirmou Kim para logo em seguida lembrar da resposta de Heath para Kate após ela alerta-lo sobre a mistura de medicamentos. "Katie, Katie, estou bem. Eu sei o que estou fazendo.", teria dito Ledger na noite anterior a sua morte. Consciente da obstinação do seu filho quando o assunto era a sua arte, Kim se insurgiu contra a indústria e o alto preço cobrado pelo showbiz. "Heath viajava muito e não conseguia ir ao médico. (...) É tanta pressão para fazer as coisas que o próprio corpo diz: tome esses comprimidos para dor e vá em frente. (...) Foi o que aconteceu com Heath. Ele filmava de noite e tinha de voltar ao set no dia seguinte. Estava tossindo, mas achava que estava melhor porque queria terminar o filme.”, finalizou Kim fazendo referência ao O Imaginário Mundo do Drº Parnassus, último trabalho de Ledger. Em entrevista ao documentário I Am Heath Ledger, Matt Amato, amigo pessoal de Heath, também falou sobre complicada relação entre o ator e a fama. "Ele queria a fama. E então, quando conseguiu, ele não queria mais. Ele ficou mortificado, se sentiu dominado.", admitiu o produtor do doc. Um diagnóstico que diz muito sobre a figura de Heath Ledger, uma reluzente estrela de Hollywood que, ao contrário dos seus destemidos personagens, expôs a sua fragilidade e viu a sua luz se esvair diante das desilusões\pressões do mundo real. Restam então as memórias de um jovem enérgico e talentoso que, ao longo da sua versátil carreira, escreveu uma bela, dramática e realística história no mundo da Sétima Arte.

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