Piada Nacional
Inspirado em títulos do quilate de Fargo (1996) e Snatch: Porcos e
Diamantes (2000), O Roubo da Taça é uma comédia de erros com um tempero
tipicamente tupiniquim. Sob a cômica batuta de Caito Ortiz, da divertida série
FDP, o longa estrelado pela dupla Paulo Tiefenthaler e Tais Araujo é sagaz ao
reproduzir os bastidores do vexatório roubo da taça Jules Rimet. Entre fatos e
ficção, o realizador mostra irreverência ao utilizar o caótico contexto
sócio-político da época em prol da trama, brincando com os nossos estereótipos
ao realçar a falta de organização, as bravatas dos políticos e o popular
"jeitinho" brasileiro. Embora perca força no momento em que decide
reinterpretar a história, O Roubo da Taça é um competente exemplar da comédia
nacional, um longa bem escrito, com um entrosado elenco e uma afiada veia
cômica genuinamente brasileira.
Com roteiro assinado pelo próprio Caio Ortiz, ao lado de Lusa Silvestre, O Roubo da Taça é acima de
tudo um cartunesco relato sobre um período complicado do nosso país. Diante da
ditadura, da inflação e de uma série de outros problemas sociais, o futebol era
considerado por muitos, incluindo os governantes, o principal instrumento de
orgulho nacional. Um produto capaz de desviar a atenção do povo dentro de uma
realidade marcada pela desigualdade e a crise econômica. Inserido neste
contexto, o longa é perspicaz ao utilizar este episódio para expor o quão
bizarra era a nossa situação política, voltando brevemente a sua mira para
instituições como a Confederação Brasileira de Futebol, a Policia Civil e o
próprio regime militar. Sem querer revelar muito, enquanto o hilário presidente
da CBF (Stephan Nercessian, impagável em cena) surge como o símbolo do desleixo
e da desorganização estatal, o policial linha dura interpretado pelo excelente
Milhem Cortaz traduz com ironia o lado mais hostil da ditadura.
Com personagens positivamente estereotipados em mãos, O Roubo da Taça
narra as desventuras do picareta Peralta (Paulo Tiefenthaler), um agente de
seguros falastrão que sonhava em se tornar um "cartola" de futebol.
Em dívida com um perigoso agiota, o afetado Bispo (Hamilton Vaz Pereira), ele
resolve se unir ao confiante Borracha (Danilo Grangheia) para roubar a réplica
da taça Jules Rimet. Uma "missão" fácil e aparentemente garantida.
Após o bem sucedido furto, porém, os dois são surpreendidos ao perceberem que
estavam em posse do troféu original. Na mira da policia e do governo, Peralta
decide se "livrar" da taça com urgência, contando com a ajuda da sua
querida esposa, a inteligente Dolores (Taís Araújo), para contornar os diversos
problemas em torno deste desastrado roubo.
Através de uma envolvente narrativa não linear, O Roubo da Taça é
inicialmente inspirado ao introduzir a realidade dos carismáticos protagonistas
e os motivos que os levaram a tal situação. Impulsionado pelas impagáveis
atuações de Paulo Tiefenthaler, convincente como um desajeitado oportunista, e Tais
Araújo, exuberante como o cérebro deste casal, Caito Ortiz esbanja categoria ao
realçar o humor por trás deste icônico caso, construindo uma comédia de erros
digna dos melhores elogios. Com um irresistível ar de deboche, o realizador
arranca sinceras risadas ao reproduzir os percalços dos atrapalhados bandidos,
preenchendo a trama com marcantes personagens secundários e uma série de
diálogos genuinamente engraçados. Sem apelar para soluções mirabolantes e os
populares clichês do gênero, Ortiz é criativo ao rir, por exemplo, da
particular interação entre Peralta e Dolores, da perigosa relação do picareta
com o exótico Bispo ou então das intransigentes atitudes do investigador
Cortez.
Além disso, Caito Ortiz entrega um filme esteticamente bem resolvido,
principalmente quando resolve traduzir o desespero do protagonista diante da
sua complicada situação. Com cenários caoticamente coloridos e uma atmosfera tipicamente suburbana, o realizador é sagaz ao não só construir o jogo de gato e rato
entre ladrão e policial, como também ao explorar o submundo do crime, elementos
capturados com vigor pela fotografia quente e avermelhada de Ralph Strelow
(Redentor). Na transição do segundo para o último ato, porém, O Roubo da Taça
perde grande parte da sua energia diante das opções do roteiro. Decidido a
jogar uma nova luz sobre os fatos, Ortiz investe superficialmente num triângulo
amoroso envolvendo Peralta, Dolorores e um vendedor de ouro argentino, uma
relação insossa que "briga" por espaço com o divertido arco em torno
do roubo propriamente dito. O resultado é um clímax apenas regular, um desfecho
que peca ao esnobar os ótimos coadjuvantes e a forte veia cômica presente na
investigação policial. Sem querer revelar muito, o sumiço do Bispo é
inexplicável.
Ainda assim, mesmo diante desta evidente queda de ritmo, O Roubo da Taça
desponta como uma espécie de retomada da comédia nacional. Por mais que não
tenha a força de títulos do porte de Mundo Cão e Que Horas ela Volta?, o longa
cativa ao abraçar um humor mais descompromissado e irreverente, uma pegada
"moleque" que remete diretamente à essência do futebol brasileiro.
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