Como é bom poder ter acesso à diferentes culturas, a filmes realizados
do outro lado do mundo, com apenas um clique no mouse. Sentar no meu sofá numa
noite de sábado aparentemente insossa e me surpreender com uma singela e
cativante produção de "Bollywood", a Hollywood da Índia. Doce,
sincero e absolutamente fraterno, Dhanak é um sopro de luz no concorrido e
globalizado mercado cinematográfico atual. No embalo do adorável casal de
protagonistas mirim, o longa dirigido por Nagesh Kukunoor (Laços) se revela um 'road
trip' leve e otimista, uma película marcada pela estupenda fotografia, pela
inebriante trilha sonora e pela explosão de cores com que descortina os singulares costumes indianos.
Com simplicidade, ternura e um afiado senso de humor, o argumento
assinado pelo próprio Nagesh Kukunoor é encantador ao acompanhar a obstinada
jornada dos órfãos Chotu (Krrish Chhabria) e Pari (Hetal Gada). Sob os cuidados
dos tios após a morte dos seus pais, a responsável irmã mais velha se viu com a
obrigação de cuidar do espevitado caçula, principalmente após a repentina
cegueira dele. Apaixonados pelo mundo do cinema, os dois enfrentavam as
barreiras impostas pela deficiência com alto astral e companheirismo. Tudo
muda, porém, quando a ranzinza tia resolve colocar Pari para trabalhar na
lavoura, a distanciando da rotina escolar e por consequência do seu querido
irmão. Disposta a mudar este panorama e cumprir uma velha promessa de infância,
ela decide fugir de casa ao lado de Chotu para encontrar o astro Shah Rukh
Khan, uma engajada estrela de ‘Bollywood’ que tinha condições de custear o
tratamento do menino. Movidos pela coragem e pela esperança, os dois colocam o
pé na estrada e iniciam uma desgastante viagem pelo deserto indiano à procura
da ajuda que mudar as suas respectivas vidas de uma vez por todas.
Mais do que uma otimista comédia musical, Dhanak fascina ao se revelar uma
sensível e verdadeira ode ao amor. Sem nunca parecer piegas, o diretor Nagesh
Kukunoor abraça a atmosfera 'feel good' ao realçar não só a comovente relação
fraternal entre os irmãos, como também o amor dos órfãos pelo cinema, pelas
amizades construídas ao longo da viagem e pelos próprios costumes indianos.
Fazendo um excelente uso dos elementos mais culturais, entre eles a explosão de
cores, a apetitosa culinária e os ricos figurinos, o realizador é habilidoso ao
utilizar este cenário lúdico em prol do desenvolvimento dos dois protagonistas,
permitindo que o público crie uma sincera conexão com eles ao desvendar os seus
mais íntimos medos e frustrações. Bastam duas ou três cenas para o espectador
enxergar o forte companheirismo entre os dois personagens, o que se torna
decisivo para o excelente andamento da película. Não se engane, porém, com a
aparência melosa do longa. Impulsionado pela naturalidade do texto, Kukunoor
arranca sinceras risadas ao reproduzir as tradicionais birras entre os irmãos,
se esquivando do coitadismo ao brincar, até mesmo, com deficiência visual de
Chotu e com o seu divertido temperamento irritadiço.
Além disso, o realizador é igualmente cuidadoso ao introduzir o
carismático elenco de apoio. No melhor estilo 'road movie', os marcantes
personagens secundários surgem em cena para adicionar mais ritmo e substância à
trama, cruzando o caminho dos irmãos de forma harmoniosa e totalmente coerente
com a proposta do argumento. Sem querer revelar muito, o nível de afeto
mostrado numa vibrante festa de casamento é contagiante, assim como na
silenciosa passagem envolvendo um motorista nada convencional. Melhor ainda,
aliás, é a criatividade de Nagesh Kukunoor ao enfatizar a ameaça em torno dos
jovens. Numa sacada perspicaz, o diretor indiano opta por associar o perigo a
elementos mais urbanos, se distanciando da estética fabulesca ao mostrar os riscos
da vida moderna. O que mais me chamou a atenção, porém, é o elevado nível
técnico desta produção 'bollywoodiana'. Como se não bastasse a fascinante
trilha sonora, que embala a trajetória dos irmãos com energia e sensibilidade,
o longa nos brinda com uma radiante fotografia desértica, um trabalho virtuoso
capaz de absorver os contrastes, as cores e a grandiosidade das paisagens com
extremo refinamento. Por diversas vezes, inclusive, me peguei impressionado
pelos expressivos enquadramentos de Kukunoor, um exercício estético digno de
qualquer grande película hollywoodiana.
Guiado com destreza pelos cativantes Krrish Chhabria e Hetal Gada, que,
em duas performances genuinamente infantis, traduzem com naturalidade o misto de
ingenuidade, empolgação e receio dos seus personagens, Dhanak é uma pérola
singela que merece ser descoberta. Um filme apaixonante que, numa análise
primária, conquista ao tecer um cativante relato sobre o amor entre dois
irmãos. Quando analisado sob um prisma mais amplo, porém, é possível perceber também
que o longa promove uma preciosa exaltação ao mundo mágico do cinema,
reverenciado em sua mais pura essência a partir da fértil imaginação infantil.
Gostou? Leia mais dicas de cinema clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário