terça-feira, 2 de agosto de 2016

Jason Bourne

Agora a parada é familiar

Inserido num contexto bem mais atual, Jason Bourne volta a ativa numa continuação segura e novamente tensa. Mesmo fiel à estrutura narrativa dos dois últimos longas da série, o que reduz o senso de ineditismo em torno da película, o diretor Paul Greengrass é perspicaz ao adicionar novos ingredientes a esta sequência, a maioria deles envolvendo o pano de fundo cibernético e a discussão sobre os limites da vigilância virtual. Além disso, o realizador é cuidadoso ao inserir o letal ex-agente numa conspiração mais familiar, reciclando algumas peças do quebra-cabeça original ao construir uma trama mais intimista e reveladora. E isso, obviamente, sem abdicar das nervosas cenas de ação, do ritmo praticamente incessante e da intensidade física\emocional do astro Matt Damon.



Longe de ser ousado e\ou inovador, o novo Jason Bourne ao menos se integra organicamente à trilogia original. Apesar do impecável senso de conclusão do apoteótico O Ultimato Bourne (2007), Paul Greengrass é habilidoso ao reativar alguns dos mais inquietantes conflitos do personagem, o colocando novamente no centro da ação de maneira inteligente e inegavelmente justificada. Mais do que introduzir diferentes perguntas, o argumento assinado pelo próprio diretor, ao lado de Christopher Rouse, joga uma nova luz sobre questões aparentemente já respondidas, permitindo que o ex-agente (finalmente!) consiga enxergar a sua situação sob um prisma mais completo e esclarecedor. Para isso, Greengrass costura o passado e o presente da franquia com enorme elegância, se esquivando das redundâncias narrativas ao preparar o terreno para a nova missão de JB e ao expugnar os seus mais enraizados fantasmas.


Na trama, ainda atormentado pelo seu passado, Jason Bourne (Matt Damon) decidiu fugir de uma vez por todas do radar da CIA. Nove anos após desmascarar os membros da operação Blackbriar, o ex-agente se tornou uma espécie de lutador de rua, um homem amargurado escondido nos confins da Grécia. Durante um destes combates clandestinos, no entanto, ele é pego de surpresa ao receber a visita da sua ex-colaboradora Nicky Parsons (Julia Stiles). Agora como hacker, ela conseguiu acesso à informações importantes sobre o extinto projeto Treadstone, detalhes reveladores sobre o passado de Bourne. Com a intenção de tira-lo das sombras, Nicky resolve buscar uma perigosa reaproximação, sem saber que a invasão aos servidores ligou o sinal de alerta do novo diretor da agência Robert Dewey (Tommy Lee Jones) e da ambiciosa analista Heather Lee (Alicia Vikander). Temendo que os nefastos futuros planos da agência fossem divulgados, os dois acionam o executor Asset (Vincent Cassel), um assassino vingativo que inicia uma violenta caçada ao redor do mundo atrás de Bourne e Nick.


Narrativamente, o novo Jason Bourne segue à risca a estrutura da trilogia original. Assim como nos longas anteriores, temos novamente um ex-agente em busca de respostas, um diretor com intenções suspeitas, uma figura feminina independente e uma conspiração em torno dos projetos da CIA. Com base nestas fórmulas exageradamente seguras, Paul Greengrass constrói um argumento sólido e naturalmente intenso, uma continuação marcada pelo resgate de alguns dos mais populares elementos da franquia, entre eles o ritmo acelerado, a incessante atmosfera de tensão e o constante senso de perigo. Não se engane, porém, com a aparente previsibilidade da trama. Nas entrelinhas, o realizador é sagaz ao adicionar alguns ingredientes próprios a esta sequência, a começar pela própria postura de Jason Bourne. Por mais que os 'insights' do seu personagem, como de costume na série, soem um tanto quanto convenientes, o ex-agente surge em cena mais convicto e invulnerável, um homem amargurado preso a uma conspiração que (aqui) não envolve os seus problemas de memória. Além disso, numa sacada interessante, Greengrass atrela as descobertas de Bourne à questões familiares, surpreendendo ao dar um teor ainda mais pessoal ao filme.


O grande trunfo do novo Jason Bourne, no entanto, reside no contexto em que a continuação está inserida. Fazendo um excelente uso do cenário pós-Wikileaks, Paul Greengrass eleva o nível da película ao abordar as polêmicas em torno da invasão de privacidade e do vazamento de informações sigilosas, criando uma ameaça mais atual e realística. A nebulosa relação entre a CIA e o CEO de uma plataforma social, por exemplo, é perspicaz e escancara os perigos por trás deste ambiente virtualizado. Além disso, o realizador mostra um afiado senso crítico ao potencializar a sensação de vigilância absoluta sobre os protagonistas, transformando ferramentas integradas a nossa sociedade, como celulares, notebooks e redes sociais, em instrumentos de ultra-espionagem. Neste sentido, aliás, quem rouba a cena é a agente de crimes cibernéticos Heather Lee. Impulsionada pela primorosa atuação de Alicia Vikander, a ambiciosa analista se torna a única personagem realmente surpreendente da película, com sobras uma das peças mais interessantes desta continuação. Ora impetuosa, ora intimidada, a atriz sueca cria um tipo dúbio e intrigante, um elemento fundamental dentro vigoroso último ato. No mesmo nível da sua companheira de set, Matt Damon absorve com rara intensidade o esgotamento emocional do agora memoriado Bourne, o transformando numa figura mais raivosa e monossilábica. Um ex-agente cansado de ser enganado. Ainda sobre o elenco, enquanto o veterano Tommy Lee Jones adiciona um invejável peso ao ardiloso Dewey, o talentoso Vincent Cassel nos brinda com o executor mais marcante da franquia.


Por fim, como não podia deixar de ser, Jason Bourne sobra na turma no que diz respeito as cenas de ação. Responsável por revolucionar este concorrido gênero, Paul Greengrass mostra a sua reconhecida versatilidade técnica ao entregar algumas das mais memoráveis sequências da franquia. Com a sua câmera nervosa sempre em mãos, o realizador abraça a sensação de caos controlado, do perigo iminente, principalmente nos cenários mais amplos, nos brindando com cenas realísticas e completamente sufocantes. Sem querer revelar muito, além de empolgante, a explosiva sequência noturna durante um protesto na Grécia é uma aula de cinema. Nela, Greengrass mostra o seu vasto repertório ao longo de quase vinte minutos, indo dos takes aéreos às cenas em primeira pessoa com absoluta fluidez. O mesmo, aliás, se repete nas espetaculares sequências automobilísticas, uma mais original que a outra. E como se não bastasse isso, os combates físicos são novamente viscerais e aceleradíssimos, valorizados pelos cortes ágeis, pela afiada montagem e pela entrega física do inesgotável Matt Damon.


Contando ainda com a elegante fotografia de Barry Ackroyd, nítida mesmo nas angustiantes sequências noturnas, Jason Bourne eleva a adrenalina do espectador ao resgatar o melhor que a franquia já ofereceu. Ainda que em alguns momentos a fórmula defendida por Paul Greengrass apresente sinais de cansaço, principalmente quando se volta para a recorrente busca do protagonista por respostas, o realizador cumpre a sua missão ao entregar uma continuação coesa, legítima e extremamente familiar aos olhos dos fãs da trilogia original.

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