A Guerra e os seus fantasmas
Alicia Vikander é uma verdadeira força da natureza. Antes mesmo de levar o Oscar pelo intimista A Garota Dinamarquesa e brilhar no magnífico Ex-Machina: Instinto Artificial, a atriz sueca já dava indícios que estaria entre os grandes nomes de Hollywood no drama de guerra Juventudes Roubadas (2014). Inspirado na aclamada autobiografia da escritora inglesa Vera Brittain, o longa drigido por James Kent se revela um relato precioso sobre o efeito devastador de um evento do porte da 1ª Guerra Mundial. Através de uma abordagem sutil e extremamente intimista, o realizador é cuidadoso ao explorar os contrastes por trás deste nefasto período, encontrando nas desventuras de uma aspirante à escritora a profundidade necessária para evidenciar a dor de uma geração atormentada pelos fantasmas deste violento conflito. E isso, diga-se de passagem, sob um ponto de vista humanitário e necessariamente pacifista.
Lançado pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, em 1933, o livro 'Testament of Youth' se tornou uma das obras definitivas sobre o tema. Ciente deste fato, a roteirista Juliette Towhidi mostra categoria ao manter a abrangência da obra original e a mensagem anti-guerra defendida pela escritora. Ainda que se concentre nas memórias de uma das "sobreviventes", o longa não se contenta em narrar apenas o drama da protagonista, permitindo que o espectador enxergue a partir dos seus olhos as mazelas e o sofrimento experimentado durante o conflito. Na trama, que se inicia pouco antes da guerra, conhecemos a independente Vera (Alicia Vikander), uma jovem de família nobre que sonhava em cursar a universidade de Oxford. Com o apoio do seu irmão Edward (Taron Egerton), ela consegue convencer o seu tradicionalista pai (Dominic West) a participar do teste para esta importante instituição. Neste meio tempo ela conhece o poético Roland (Kit Harington), um jovem carismático e inteligente que logo fisga o coração da jovem. Quando tudo parecia caminhar bem, no entanto, Vera se depara com o estouro da 1ª Guerra Mundial, iniciando assim uma jornada marcada por devastadoras perdas, por decisões extremas e pelo seu louvável altruísmo.
Impulsionado pela expressiva fotografia de Rob Hardy (Ex-Machina), o diretor James Kent é habilidoso ao explorar os contrastes em torno deste período. Inicialmente reluzente e bucólico, o longa é delicado ao introduzir a indomável Vera e a sua relação com amigos e família. De maneira simples e profunda, o realizador nos faz enxergar não só a cumplicidade entre os personagens, como também o temperamento da obstinada aspirante à escritora, permitindo que o espectador crie um sincero vinculo com os protagonistas. À medida que o conflito ganha corpo, porém, a película ganha uma aura mais sombria e densa. Apesar do foco estar no drama daqueles que não foram à guerra, Kent é contundente ao reproduzir a nocividade do confronto, principalmente ao longo da intensa segunda metade da trama. Sob o ponto de vista da agora enfermeira Vera, o realizador choca ao mostrar as sequelas da guerra, criando cenas viscerais e naturalmente memoráveis. Méritos que precisam ser divididos com o detalhista trabalho da direção de arte, impecável ao traduzir a atmosfera suja e desoladora das trincheiras. É neste cenário mais hostil, aliás, que o diretor resgata a sensível mensagem pacifista defendida pela obra original, evitando escolher lados ao evidenciar a dor experimentada pelos agentes deste conflito.
A força de Juventudes Roubadas, no entanto, reside no arco dramático da jovem Vera Brittain. Num magnífico estudo de personagem, James Kent é magistral ao desenvolver as nuances desta independente figura feminina, se esquivando dos melodramas ao capturar o misto de emoções enfrentado pela protagonista. Ora destemida, ora fragilizada, a escritora se revela uma figura vigorosa, um tipo repleto de sentimentos genuinamente humanos. A personagem é colocada no centro da ação com absoluta naturalidade, permitindo que o longa apresente um olhar diferenciado sobre um tema frequentemente explorado dentro da sétima arte. Melhor ainda, porém, é a estupenda atuação de Alicia Vikander. Numa performance aguda e intimista, a atriz torna crível a deterioração emocional da sua Vera, adicionando luz própria à personagem mesmo nos momentos mais soturnos. Por diversas vezes, inclusive, Vikander troca o choro compulsivo pela lágrima solitária, o grito de desespero pelo silêncio desconcertante, comprovando também a sutileza do diretor ao compor as sequências mais dramáticas. Além disso, a singela relação entre os irmãos Vera e Edward se revela um dos pontos altos da trama, potencializada pela ternura do ator Taron Egerton.
Profundo e moderado, Juventudes Roubadas é um retrato poderoso sobre o efeito devastador da 1ª Guerra Mundial. Ainda que o ritmo gradativo do suave primeiro ato possa parecer incomodo aos olhos do espectador mais desavisado, James Kent abraça os contrastes ao escancarar as memórias de uma altruísta "sobrevivente", uma jovem determinada que enxergou na dor, na perda e na violência o estopim para uma mensagem pacifista e anti revanchista.
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