segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Dheepan: O Refúgio

Audiard promove um relato atual e vigoroso sobre a imigração

O mundo tem se chocado dia após dia com os dolorosos relatos envolvendo o drama dos refugiados sírios. Numa crise sem precedentes, marcada pela guerra civil e pela pobreza, milhões de habitantes resolveram se arriscar em perigosas viagens rumo à Europa, mesmo sem saber se encontrarão abrigo em países como a Grécia, a Hungria, a Áustria e principalmente a Alemanha. Inserido neste cenário desolador, Dheepan: O Refúgio se revela um relato precioso sobre o processo de integração dos imigrantes em um novo país. Conduzido com extrema categoria por Jaques Audiard (do ótimo Ferrugem e Osso), o longa promove uma abordagem naturalista ao acompanhar a dinâmica relação de uma "família" do Sri-Lanka em solo francês. Estrelado por três rostos desconhecidos, este intenso drama é competente ao construir um argumento recheado de personagens multidimensionais em dilemas totalmente humanos.


Colocando em cheque a reconhecida xenofobia do povo francês, o argumento assinado pelo próprio Audiard, ao lado de Thomas Bidegain e Noé Debré, é inspirado ao criar uma atmosfera veladamente explosiva. Com astucia e contundência, o realizador francês demonstra objetividade ao evidenciar a posição de inferioridade do imigrante em uma nova e naturalmente hostil sociedade. Barreira do idioma, desemprego, preconceito, violência, esses e alguns outros desafios pontuam a trama de maneira honesta, incrementando a jornada de Dheepan (Jesuthasan Antonythasan). Sobrevivente da guerra civil no Sri-Lanka, ele precisou assumir uma família falsa para conseguir o seu passaporte para a França. Ao lado da impetuosa Yalini (Kalieaswari Srinivasan) e da pequena órfã Illayaal (Claudine Vinasithamby), Deephan consegue um emprego como o zelador de um perigoso condomínio do subúrbio francês. Tendo que conviver com gangues e com o crime organizado, ele precisará não só assumir as rédeas da sua família de fachada, como também lidar com velhos fantasmas de um passado não muito distante. 



Tirando um enorme proveito da crueza do trio de protagonistas, novatos em grandes produções, Jaques Audiard faz da interação desta "família" o maior trunfo de sua película. Como se não bastassem as afiadas atuações e a opressiva fotografia de Éponine Momenceau, o experiente realizador francês é elegante ao reproduzir com naturalidade o dia a dia destes três estranhos obrigados a dividir a mesma casa. Em meio a situações banais, Audiard adota um tom crítico ao ressaltar os dilemas experimentados por um imigrante, criando um cenário tenso que pouco a pouco se reflete na dinâmica desta família de fachada. Principalmente no que diz respeito a temperamental relação entre Dheepan e Yalini, dois tipos completamente diferentes unidos pela expectativa de encontrar um lugar melhor para viver. Além disso, Audiard evita as soluções fáceis ao dar voz a tipos humanos, como o expressivo traficante Brahim (Vincent Rottiers), ressaltando através deles as dificuldades em torno da ascensão social em solo estrangeiro. À medida que a trama passa a se concentrar no passado de Deephan, no entanto, o longa esbarra em algumas soluções menos inspirada. Se por um lado a transformação do protagonista diante da violência do seu bairro é habilmente trabalhada, remetendo aos seus traumas de guerra de maneira original, por outro a sua "explosão" acontece num ritmo nitidamente acelerado. 


Ainda que o talentoso Jaques Audiard adicione uma pegada autoral ao violento último ato, com direito a um plano sequência fantástico, o repentino clímax flerta excessivamente com o escapismo do cinema mais comercial, se rendendo a uma sequência final otimista e inesperadamente terna. Uma opção que se não reduz o impacto desta contundente crítica social, ao menos vai de encontro com a verossimilhança adotada pelo realizador francês ao longo dos envolventes dois primeiros atos. Nada que atrapalhe a mensagem social de Dheepan: O Refúgio, um relato intenso e atual sobre o drama imigratório na Europa. Se distanciando dos clichês, o longa vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes propõe um olhar humano, engajado e relevante ao investigar a árdua condição de um estrangeiro em uma pátria reconhecidamente hostil.

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