terça-feira, 17 de março de 2015

Para Sempre Alice

Sobriedade da trama e Julianne Moore dão o tom a este impecável drama 

Evidenciando toda a condição cruel imposta pelo Mal de Alzheimer, Para Sempre Alice opta pelo caminho mais difícil ao mostrar de forma dilacerante as mazelas desta condição. Dirigido pelo saudoso Richard Glatzer, que faleceu na última semana vítima das complicações impostas por uma doença igualmente degenerativa, o longa se distancia da atmosfera agridoce ao narrar o esforço de uma renomada professora para manter as suas memórias. Explorando com rara inspiração a paradoxal situação desta mulher, que pouco a pouco é forçada a abrir mão dos seus bens mais preciosos, Glatzer, ao lado do parceiro de direção Wash Westmoreland, encontra na estupenda atuação de Julianne Moore a intensidade necessária para compor esta complexa personagem.

Impulsionado pela (merecida) vitória de Moore no Oscar 2015, Para Sempre Alice nem de longe se resume a impressionante performance desta talentosa atriz. Ainda que ela demonstre enorme maturidade ao construir esta radiante personagem, se tornando a força motora do drama pela forma digna com que reproduz as sequelas desta mazela, os dois diretores têm também grande participação dentro do comovente resultado final. Apostando numa sobriedade cada vez mais rara dentro do gênero, Glatzer e Westmoreland fogem do clima lacrimoso ao evidenciar através de uma desconcertante dose de sensibilidade o impacto desta doença na rotina da independente Dr. Alice Howland (Moore). Sempre dedicada aos estudos linguísticos, a respeitada acadêmica vê a sua vida ruir quando descobre ser portadora de um raro caso de Alzheimer. Contando com o apoio incondicional do marido John (Alec Baldwin), Alice inicia assim uma ingrata batalha para não só se manter em atividade, mas também para não perder as memórias de um bem sucedido passado e o tão cultivado conhecimento adquirido nos seus cinquenta anos de vida.


Inspirado no livro homônimo de Lisa Genova, o argumento assinado pelos dois diretores é certeiro ao explorar as nuances em torno da condição de Alice. Empurrado pela avassaladora entrega de Julianne Moore, que em muitos momentos expressa a angústia somente com o olhar, o argumento se aprofunda não só na influência da doença na relação dela com a família, como também nos conflitos internos da personagem ao conviver com a inevitável corrosão intelectual. A partir de uma narrativa extremamente ágil, o roteiro acompanha bem de perto o agravamento da situação de Alice, encontrando em gradativos saltos temporais uma forma esperta de enfatizar os lapsos ocasionados pelo Mal de Alzheimer. Na verdade, é interessante ver como Glatzer e Westmoreland deixam para a primeira metade do longa as discussões mais densas e existenciais, já que à medida que as falhas de memória vão se acentuando, Alice passa a se ver presa à questões mais rasas e inerentes a sua condição. Utilizando a própria rotina familiar como um guia temporal para o espectador, o roteiro é igualmente sutil ao desenvolver o esfacelamento intelectual da professora, se equilibrando com energia em sequências ora desoladoras, ora comoventes. Com destaque para a desesperadora cena em que Alice sente os efeitos da doença durante uma caminhada, num daqueles takes potencializados pela originalidade técnica da dupla de diretores.


Somado a isso, a trama é igualmente habilidosa ao construir a relação de Alice com o marido e os filhos. Por mais que o roteiro peque ao não se aprofundar em algumas questões interessantes, como os dilemas envolvendo a hereditariedade genética do Alzheimer, a trama é precisa ao abrir espaço para o reflexo da patologia no dia a dia desta família. A começar pela presença do sempre competente Alec Baldwin, genuinamente contido e abalado como John, o marido de Alice. Num personagem de nítida força, Baldwin é preciso ao construir este homem contido dividido entre o trabalho e os cuidados da esposa. Desenvolvendo uma ótima química com Moore, o ator mostra o seu talento nas sequências em que se entrega às fragilidades de John, rendendo momentos realmente emocionantes. Quem acaba roubando muitas das cenas, no entanto, é Kristen Stewart (Acima das Nuvens). Dando vida à Lydia, a filha atriz de Alice, Stewart se sai muito bem como a "ovelha negra" da família, neste bem vindo novo rumo à sua carreira. Numa das personagens mais complexas do longa, com direito a uma pequena dose de metalinguagem, Stewart impressiona ao interpretar a única que parece encarar de frente as sequelas da mãe, deixando para trás a nítida incompatibilidade de pensamentos entre as duas. Em meio a tocantes diálogos, a jovem atriz não se intimida com o desempenho de Julianne Moore, demonstrando grande naturalidade em cena. Um desempenho que, verdade seja dita, praticamente ofusca as atuações de Kate Bosworth (Quebrando a Banca) e Hunter Parrish (17 outra Vez), apenas corretos como os dois outros irmãos de Lydia.


Optando por não se render aos melodramas baratos, Para Sempre Alice emociona pela forma comedida com que narra a batalha de uma mulher independente para manter a sua própria identidade. Procurando se distanciar da maioria dos clichês do gênero, a exceção fica pelo desnecessário uso dos flashbacks, os diretores Richard Glatzer e Wash Westmoreland não se escondem atrás da atmosfera de aparente amenidade sugerida pela iluminada fotografia, chocando o espectador ao mostrar a implacável decadência mental imposta pelo Mal de Alzheimer. Uma lição de vida que - logicamente - acaba potencializada pela brilhante e laureada interpretação de Julianne Moore, num daqueles desempenhos que dificilmente serão esquecidos.

2 comentários:

Luana Morena disse...

Fiquei curiosa em ver a tal cena dela correndo. Aliás, Julianne Moore é sempre imperdível, ganhando o Oscar então... Vou assistir em breve.

thicarvalho disse...

Veja Luana, é uma cena realmente angustiante. Grande abs e obrigado pela visita.