segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Vitória de Birdman no Oscar 2015 mostra o lado mais espirituoso dos membros da Academia


Numa cerimônia insossa e previsível, marcada por piadas forçadas e poucos momentos realmente inspirados, a 87ª edição do Oscar mostrou - ao menos - que os membros da Academia sabem rir de si mesmos. Grande vencedor da noite com quatro estatuetas, Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) ressaltou o lado mais espirituoso dos votantes, que visivelmente se empolgaram com a ácida autocrítica sobre os bastidores de Hollywood. Ainda que eu tenha me identificado mais com Boyhood - Da Infância à Juventude e Whiplash - Em Busca da Perfeição, este último com importantes três estatuetas, é interessante ver que a Academia preferiu fugir do lugar comum. Se a vitória de Birdman não foi nenhuma surpresa, principalmente pela avassaladora campanha do longa nos prêmios do sindicato, chama a atenção o fato desta sátira não ter o que geralmente chamamos de "cara de Oscar". Na verdade, se analisarmos friamente, poucos indicados ao prêmio de Melhor Filme em 2015 realmente atendiam a este rótulo. A exceção talvez tenha ficado por A Teoria de Tudo, uma cinebiografia que seguiu à risca a cartilha da premiação, e Sniper Americano, o nacionalista representante do "cinemão" hollywoodiano. Neste cenário de produções tão particulares, venceu o longa que se propôs a apresentar uma abordagem original sobre a indústria do cinema, dialogando diretamente com boa parte dos votantes. Fato que, diga-se de passagem, não vem se tornando tão raro, vide as vitórias recentes de O Artista (2012) e Argo (2013).


Embalado pela proposta apresentada por Alejandro G. Iñarritu, que derrotou Richard Linklater e Wes Anderson e levou o competitivo prêmio de Melhor Diretor, os próprios produtores do Oscar resolveram promover um 'mea culpa' na cerimônia de 2015. A começar pelo irreverente musical de abertura, onde o apresentador Neil Patrick Harris, a atriz Anna Kendrick (Caminhos da Floresta) e o ator Jack Black (Escola de Rock) resolveram cantar sobre o passado glorioso do Cinema. Num dos pontos altos da cerimônia, o trio divertiu ao não só lembrar de clássicos filmes, mas também ao questionar a falta de criatividade do cinema enquanto indústria, cada vez mais preocupado em produzir "remakes, sequências e filmes de super-herói". Apesar do restante da cerimônia não ter conseguido acompanhar esta ótima de abertura, ao longo do evento o discurso autocrítico seguiu forte entre as premiações. Com destaque para as menções ao drama racial Selma, que levou o merecido Oscar de Melhor Canção Original com "Glory". Procurando amenizar as críticas envolvendo um possível preconceito racial da Academia, o que sinceramente acho uma grande bobagem, Harris fez questão de - por diversas vezes - lembrar do esnobado longa sobre Martin Luther King Jr. Num dos momentos mais inspirados, ao perceber os efusivos aplausos para o protagonista David Oyelowo, o apresentador lembrou que agora era tarde demais para aplaudi-lo. "Ah, claro! Agora vocês gostam dele", disse Neil Patrick Harris arrancando risadas envergonhadas dos votantes.




Ainda sobre as questões raciais, o apresentador também fez questão de fazer piada com o fato de nenhum ator(a) negro ter sido indicado nas categorias individuais. "Hoje à noite nós honramos os melhores e mais brancos, desculpem, mais brilhantes, de Hollywood", brincou Harris, em seu discurso de abertura. Num ano em que os prêmios foram bastante diluídos, todos os indicados ao Oscar de Melhor Filme saíram ao menos com uma estatueta, os produtores resolveram também "lembrar" de alguns dos esquecidos nas principais categorias. Enquanto Jennifer Aniston e David Oyelowo, elogiados por suas atuações em Cake e Selma, apresentaram o prêmio de Melhor Documentário, a canção Everything is Awseome, da ótima animação Uma Aventura Lego, ganhou um número musical 'non-sense' e gigantesco. O momento mais engraçado da noite, no entanto, ficou pela reencontro de John Travolta com a atriz e cantora Idina Menzel. Depois de ter sido anunciada como "Adele Dazeem" por John Travolta no Oscar 2014, Menzel teve a chance de se "vingar" durante a apresentação do prêmio de Canção Original. Visivelmente constrangida com a situação, a cantora chamou Travolta de "Glom Gazingo", arrancando genuínas risadas da platéia. 



Se a premiação seguiu um rumo bem previsível, com destaque para a esperada vitória do entusiasmado Eddie Redmayne sobre Michael Keaton, o Oscar 2015 foi salvo pela espontaneidade das palavras dos vencedores. A começar pelo engajado discurso de Patricia Arquette, vencedora do prêmio de Melhor Atriz por Boyhood. Elogiada por não se prender as vaidades típicas de Hollywood, vide a sua presença no longa dirigido por Richard Linklater, Arquette roubou a cena através de uma manifestação feminista. "Já lutamos pelos direitos de todo mundo. Está na hora de termos salários iguais de uma vez por todas e direitos iguais para as mulheres nos Estados Unidos", ressaltou a atriz arrancando aplausos de Meryl Streep e Jennifer Lopez. Assim como Arquette, o diretor Alejandro G. Iñarritu também se mostrou bastante engajado. Numa categoria em que pelo segundo ano consecutivo um mexicano se sagrou o vencedor, Alfonso Cuarón ganhou em 2014, Iñarritu pediu igualdade para os seus conterrâneos. "Aos que vivem no México, espero que possamos encontrar e construir o governo que merecemos. À nova geração de mexicanos que vive nesse país (os EUA), rezo para que vocês sejam tratados com a mesma dignidade dos que vieram antes e ajudaram a construir essa incrível e imigrante nação.", completou o responsável por Birdman.


O momento mais emocionante da noite, no entanto, ficou para um daqueles prêmios que geralmente passam despercebidos. Vencedor na categoria Melhor Roteiro Adaptado por O Jogo da Imitação, o roteirista Graham Moore comoveu a todos num necessário e franco discurso em prol da diversidade. "Quando eu tinha 16 anos, eu tentei me matar porque eu me sentia esquisito e me sentia diferente e sentia que não pertencia a lugar nenhum. E agora que eu estou aqui eu gostaria de dedicar esse momento aos jovens por aí que sentem que são estranhos ou diferentes ou que não se encaixam – sim, vocês se encaixam. Eu prometo. Permaneçam estranhos, permaneçam diferentes, e quando chegar a sua vez, e vocês estiverem nesse palco, transmitam essa mensagem para as pessoas que virão depois de vocês.", lembrou Moore, que teve de lutar para conseguir levar para os cinemas a história de injustiça envolvendo a vida do matemático e herói da Segunda Guerra Allan Turing. Um belo trabalho deste realizador, que acabou ganhando contornos expressivos nas mãos do talentoso ator Benedict Cumberbatch.

Apresentador fez literalmente de tudo para conseguir agradar (Foto: AP Images/Invision)
O "calcanhar de aquiles" da cerimônia, porém, ficou pela oscilante apresentação do carismático Neil Patrick Harris. Impulsionado pelo bom trabalho feito nas cerimônias do Emmy e do Tony, Harris não conseguiu repetir o bom desempenho no Oscar 2015. Apesar de ter brilhado em alguns momentos, com destaque para a sequência em que ficou de cueca em pleno palco, numa nítida alusão a uma das cenas de Birdman, Harris cometeu algumas desnecessárias gafes. Em uma delas, após Dana Perry lembrar do suicídio do filho no seu discurso de agradecimento, o apresentador soltou uma infeliz brincadeira com o vestido da vencedora na categoria Melhor Documentário em Curta-Metragem. Num ano que em uma sátira sobre os bastidores de Hollwyood se sagrou a grande vencedora da noite, Neil Patrick Harris parece não ter encontrado o mesmo "timing" de comédia e a sagacidade de Iñarritu e o seu ácido Birdman. Vide a queda de audiência da cerimônia que, segundo o TVLine, foi a pior desde o ano de 2008, quando Jon Stewart conduziu a premiação. 

3 comentários:

Anônimo disse...

Foi uma noite interessante e justa. Se 'Boyhood' tivesse ganho, ia ter sido mais um Oscar previsível. 'Birdman' era o melhor filme, e o fato de ter ganhou os principais premios (filme, diretor e roteiro) deixou esta cerimônia muito mais interessante.

http://filme-do-dia.blogspot.com.br/

thicarvalho disse...

Eu já penso o contrário. Por tudo o que aconteceu nas outras premiações, Boyhood era o segundo na corrida. Por isso a vitória de Birdman era a mais previsível. Agora, concordo que o resultado seja justo, até porque se tratam de dois ótimos filmes. Abs Kahlil, valeu pela visita.

thicarvalho disse...

Eu já penso o contrário. Por tudo o que aconteceu nas outras premiações, Boyhood era o segundo na corrida. Por isso a vitória de Birdman era a mais previsível. Agora, concordo que o resultado seja justo, até porque se tratam de dois ótimos filmes. Abs Kahlil, valeu pela visita.