terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Ida

Ecos de uma Guerra

Representante polonês entre os indicados ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, Ida narra com elegância e rigor técnico as desventuras de uma inocente noviça na busca por sua verdadeira identidade após a Segunda Guerra Mundial. Explorando com destreza os reflexos deste conflito dentro da comunidade judaico-polonesa, o diretor Pawel Pawlikowski aposta no gênero "road movie" para ressaltar a crise de identidade de um pais que, após se livrar do domínio nazista, teve que se submeter ao comunismo soviético. Apostando na impecável fotografia em preto e branco de Lukasz Zal, um dos pontos mais altos do longa, e nas intensas atuações de Agata Kulesza e Agata Trzebuchowska, brilhantes ao construírem duas personagens completamente distintas, Ida acaba esbarrando no ritmo lento, no rebuscado senso estético e na falta de profundidade do último ato. 

Utilizando a expressividade corporal das atrizes como um contraponto ao silêncio recatado da noviça Anna (Trzebuchowska), Pawel Pawlikowski faz de Ida um relato artístico sobre essa volta às origens. Com roteiro assinado pelo próprio diretor, ao lado de Rebecca Lenkiewicz, o longa narra a história da jovem Anna, uma noviça de passado obscuro que foi criada em um convento da Polônia. Prestes a fazer os seus votos para se tornar uma freira, ela descobre a existência de sua tia Wanda (Kulesza), uma ex-juíza comunista que conseguiu sobreviver à invasão alemã ao território polonês durante a Segunda Guerra. Disposta a buscar informações sobre o passado de seus pais, Anna resolve fazer uma visita surpresa a tia, mas é recebida de forma fria e pouco solicita. A chegada de Anna, no entanto, desperta um sentimento que parecia adormecido em Wanda, a levando a desvendar de uma vez por todas o destino de seus parentes mais próximos. Apesar dos nítidos problemas com a bebida, Wanda decide ajudar Anna a encontrar pistas sobre o paradeiro da família, iniciando assim, sem calcular as consequências destes atos, uma perigosa jornada de volta a um trágico e ainda recente passado.


Enquanto se concentra na relação destas duas figuras completamente opostas, Ida funciona de forma extremamente original. Apesar do ritmo lento da narrativa, sempre pontuado pelo já citado silêncio, Agata Kulesza e Agata Trzebuchowska dão a esta relação uma atmosfera repleta de frescor. Muito bem conduzidas por Pawel Pawlikowski, que se aproveita com habilidade da latente química entre as duas, o argumento nos apresenta com habilidade estes dois arquétipos, construindo uma relação honesta e sensível. Se a personagem de Anna exala rigidez e inocência através de seu expressivo olhar, já que as palavras não são o seu forte, Wanda se mostra uma mulher a frente de seu tempo, independente, determinada, mas com um passado igualmente assombroso. E é nesse ponto em comum, um passado marcado por uma tragédia, que o argumento acaba realmente acertando, construindo dois envolventes e contundentes primeiros atos. Com destaque para a desconstrução comportamental de Anna perante as suas descobertas, pouco a pouco ela vai se despindo do ar recatado e assumindo uma natural e ligeira dose de sensualidade, e os precisos embates ideológicos entre as duas, quase sempre envolvendo a fé da noviça e a sua reclusão para com a vida.


E esses méritos, diga-se de passagem, precisam ser divididos com a brilhante fotografia, completamente condizente a realidade da personalidade central. Usando o preto e branco de forma quase sempre austera e sombria, este recurso acaba destacando não só a inicial rigidez emocional de Anna, como também a atmosfera opressora de uma Polônia que ainda não havia conseguido exterminar os fantasmas da Segunda Guerra. Com estilosos enquadramentos e um sufocante formato 4:3, Pawell arrisca ao dar destaque aos objetos e as figuras ao fundo, evidenciando através dos cenários simples e pobres os reflexos deste grande conflito. Em muitos momentos, aliás, os protagonistas parecem espremidos em relação ao vazio deste enquadramento, num ponto de vista que ora incomoda, ora surpreende. Por outro lado, apesar das modestas 1 h e 22 min de projeção, o diretor polonês parece perder a mão no corrido último ato, quando se concentra no impacto das descobertas nas vidas destas mulheres. Apostando em cortes abruptos e sequências desconexas, o roteiro não se aprofunda nas consequências desta busca pelas suas respectivas identidades, incluindo ai o apressado interesse romântico da jovem, se resumindo muito mais em mostrar o desfecho das protagonistas de forma nua e crua, do que em desenvolvê-los. Uma opção que só não atrapalha o resultado final devido aos dois primeiros atos, que nos oferecem uma boa dose de informações para que possamos compreender as motivações de Anna e Wanda. 


Visualmente requintado, Ida é um daqueles longas que optam pelo caminho mais difícil. Apesar da trama se mostrar extremamente universal, facilmente adaptável para qualquer drama de guerra hollywoodiano, o diretor polonês Pawel Pawlikowski procura apostar em soluções mais artísticas, encontrando na fotografia e na expressividade das protagonistas uma maneira respeitosa de narrar a dolorosa jornada de sacrifícios e descobertas envolvendo os fantasmas de um passado não muito distante. Por mais que alguns pequenos problemas e a estética anticomercial distanciem o longa do grande público, ele deixa o seu recado ao mostrar, em seu recortado clímax, um vislumbre de paz para uma vida abreviada pelos ecos do holocausto.

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