sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Trash - A Esperança vem do Lixo

Exagerado tom político reduz o impacto desta interessante aventura

Impulsionado pela repercussão mundial das manifestações do ano passado, cujo resultado pareceu não se refletir diretamente nas urnas, Trash - A Esperança vem do Lixo promove a invasão de Hollywood ao consagrado "favela movie" brasileiro. Inspirado no livro de Andy Mulligan, essa aventura só não é mais curiosa do que a escolha dos realizadores responsáveis por tocar esse projeto: o respeitado diretor Stephen Daldry, reconhecido mundialmente por dramas como O Leitor (2008), As Horas (2001) e Billy Elliot (1999), e o roteirista Richard Curtis, popular por suas comédias românticas Quatro Casamentos e um Funeral (1994) e O Diário de Bridget Jones (2001). Vibrante, envolvente e inegavelmente exagerado,  o que tinha potencial para ser uma espécie de "Os Goonies tupiniquim", acaba perdendo parte do seu impacto devido ao utópico discurso político defendido. 



Evitando se prender aos clichês do ponto de vista estrangeiro, o roteiro aposta numa reprodução fiel da cultura e dos problemas sociais do nosso país. Explorando a pluralidade da cidade do Rio de Janeiro, com uma óbvia concentração no aspecto mais miserável, Trash narra a história dos jovens Raphael, Gardo e Rato, um trio de amigos que vê a sua rotina mudar após achar uma misteriosa carteira no lixão. Em meio a euforia pelo dinheiro, Raphael se mostra intrigado com os códigos também encontrados dentro do objeto. Inquietação que só aumenta com a aparição do delegado Frederico (Selton Melo), um cruel policial que chega à comunidade oferecendo uma alta recompensa pelo objeto. Percebendo o grande interesse policial, o trio decide investigar o passado de José Angelo (Wagner Moura), dono da carteira e responsável por um grande desfalque nas contas de um influente político. Percebendo que as suas vidas estavam em risco, Raphael, Gardo e Rato recorrem ao Padre americano Juillard (Martin Sheen) e a sua auxiliar Olivia (Rooney Mara), dois missionários que prestavam serviços a carente comunidade. Dispostos a por um ponto final nesta situação, os garotos iniciam uma caça ao tesouro pela cidade, sem saber do tamanho do problema em que estavam se metendo.


Com um impecável trabalho de direção de arte, as cenas do lixão são expressivamente belas e sujas, Trash é preciso ao manter o cenário universal da obra literária, que se passa em um país fictício marcado pela desigualdade social, a corrupção e a violência policial. Qualquer semelhança com o RJ é mera coincidência. O problema, no entanto, é que essa atmosfera crítica se revela extremamente rasa e maniqueísta, chegando a incomodar pela visão unidimensional ao retratar a policia, odiável ao longo de 1 h e 50 min de projeção. Sem querer defender a ou b, numa época em que a conduta policial vem sendo tão contestada, esta opinião extremista pode soar até irresponsável. Em compensação, Daldry é hábil ao explorar o talento natural e a química do trio formado por Rickson Tevez (Raphael), Eduardo Luis (Gardo) e Gabriel Weinstein (Rato). Passando por um treinamento semelhante ao utilizado em Cidade de Deus, os três jovens e inexperientes atores se tornam a alma desta competente aventura, acrescentando não só uma comovente humanidade ao longa, mas também suavizando os excessos envolvendo este discurso.


Optando aparentemente pelo distanciamento do aspecto lúdico da história, o realizador não se faz de rogado ao colocar os jovens diante das piores situações possíveis. Entre torturas e ameaças, Daldry deixa claro que os jovens estão no mundo real, sujeitos as mais terríveis consequências pelos seus atos. Ao longo da película, no entanto, soluções inverossímeis, como o esdrúxulo destino da filha de José Ângelo e a incrível capacidade de fuga dos jovens dão uma amenizada nesta pegada mais realista, evidenciando os problemas com relação ao tom da obra. Em meio a uma série escolhas decepcionantes, temos que destacar o contido antagonista construído por Selton Mello (O Palhaço). No seu primeiro longa internacional, o ator convence como um policial inescrupuloso, mas de aspecto afável. Por mais que seja capaz das atitudes mais cruéis, Frederico carrega um traço humano no olhar, que representa um alívio em meio a unidimensionalidade da película. Assim como Mello, aliás, a competente Rooney Mara (O Homem que não Amavam as Mulheres) também entrega um desempenho diferenciado, principalmente na dinâmica relação da missionária com os jovens, que com um inglês macarrônico tentam se comunicar através de diálogos ágeis e pequenos cartões utilizados em cursos.


Entre se concentrar na empolgante aventura do trio, muito bem embalada pela trilha sonora, ou despertar uma reflexão politica no espectador, Trash - A Esperança vem do Lixo opta por pesar a mão neste segundo ponto, levando excessivamente a sério as peripécias de Raphael, Gardo e Rato. Por mais que o inocente discurso político seja muito bem intencionado, os ideais por trás dele remetem a uma inevitável sensação de utopia, que parece não combinar com a tentativa de Stephen Daldry em dar uma pegada mais realística a este envolvente argumento. Ao menos os jovens e carismáticos protagonistas, através de atuações radiantes, conseguem tornar convincente essa curiosa e idealista jornada em busca de uma esperança.

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