terça-feira, 30 de setembro de 2014

Festival do Rio (Mr. Turner)


Grandes atuações e impressionante fotografia compensam a excessiva duração


Aclamado no Festival de Cannes 2014, Mr. Turner se apoia numa atmosfera extremamente artística ao narrar as últimas décadas de vida de um dos maiores pintores da Era Romântica: o inglês J.M.W. Turner. Dirigido pelo experiente Mike Leigh (O Segredo de Vera Lake), o longa se mostra muito mais do que um simples drama autobiográfico, promovendo um relato expressivo sobre a obra deste grande realizador. Embalado pela magnífica fotografia, digna das grandes obras de artes expostas em cena, o diretor encontra no talento de Timothy Spall um grande trunfo para compensar o ritmo lento e as excessivas 2 h e 25 min de projeção.

Contando com uma narrativa bem particular, o também roteirista Mike Leigh aposta no rigor estético para levar às telonas a fase descendente deste pintor inglês. Apostando numa trama quase naturalista, que mostra de forma bem específica o processo criativo e produtivo de suas obras de arte, o experiente realizador opta por se concentrar na vida profissional de William Turner. Acompanhando as muitas viagens do pintor, que buscava se aproximar dos seus cenários para conseguir a inspiração ideal, o argumento é preciso ao mostrar a grande técnica do estudioso pintor inglês. Ao mesmo tempo em que se dedicava a paixão pelas luzes e cores de seus quadros, fato muito bem explorado pelo diretor, Turner demonstrava grande carinho pelo seu zeloso pai (Paul Jesson), e um notório apreço pela sua posição de destaque dentro da Academia de Artes Britânicas. Vendo a fragilidade da saúde de seu pai, e o questionamento de suas novas e mais vanguardistas pinturas, Turner encontra na simpática Srª Booth (Marion Bailey) a última grande motivação dentro de sua vida. 


Embasado pela estupenda fotografia de Dick Pope (Simplesmente Feliz), seu antigo parceiro, Mike Leigh é rigoroso esteticamente ao promover uma série de "quadros filmados", que em muitos momentos mais parecem verdadeiras obras de arte. Apostando em cenas posadas e enquadramentos mais amplos, o experiente realizador impressiona ao explorar os belos cenários que inspiraram as pinturas de Turner, em especial graças a fixação do artista pelo mar e o sol. Outro destaque fica pela relação entre o autor e as suas próprias obras, que ganham papel importante dentro desta narrativa crua envolvendo a concepção dos quadros. Com uma grande direção de arte, que reproduz de forma extremamente fiel o modo de vida do século XIX, Leigh se aproveita da beleza visual para conduzir os contrastes e os dilemas envolvendo a vida artística de Turner. Méritos que, é verdade, precisam ser divididos com o intenso Timothy Spall.


Encarnando com naturalidade a elaborada personalidade sisuda do pintor, o ator é preciso ao dar vida a este homem turrão, que praticamente se expressa através de grunhidos, mas que esconde uma sensibilidade capaz de conceber grandes obras de arte. Capturando com genialidade essa dualidade, o melhor ator no Festival de Cannes vai do cativante ao grosseiro com uma grande perícia, mostrando pleno domínio de suas cenas. Seu desempenho, porém, é acompanhado de perto pela impecável Dorothy Atkinson. Responsável por dar vida a submissa serviçal Hannah, a atriz demonstra uma estupenda entrega física, rendendo algumas das cenas mais avassaladoras do longa.


A relação de Turner com as mulheres, aliás, é um dos pontos mais interessantes do roteiro. Destacando com habilidade a atmosfera patriarcal da época, onde a mulheres ainda se mostravam subservientes em relação aos homens, Leigh mostra o quão complexo era o envolvimento do pintor com o sexo oposto. Principalmente na relação pouco zelosa com a mãe de suas filhas (Ruth Sheen), no contato quase dominador com a fiel empregada vivida por Atkinson, que exalta o lado mais opressor do pintor, e na cativante parceria com a simpática Srª Both, num adorável desempenho de Marion Bailey. Três distintas relações que, nas mãos de Leigh, só ressaltam o lado mais frágil da personalidade do celebre pintor inglês, e acabam suprindo, até mesmo, a falta de profundidade em muitas das passagens de sua vida pessoal.


Filmando a decadência de Turner com grande intensidade, chegando ao ápice na genial associação com o advento da fotografia, Mike Leigh vai pouco a pouco degradando o seu próprio trabalho. A luminosidade vai ser perdendo, os cenários vão ficando mais sujos, mais destruídos e os personagens mais acabados, mais encurvados, mais tristes. As obras de Mr. Turner, porém, seguiram intactas, valorizadas e ainda hoje mostram como o pintor inglês era um realizador à frente do seu tempo. Sem dúvidas, um trabalho feito para as grandes premiações, que peca ao não tentar tornar mais universal a história desse grande nome da Era Romântica.

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