Longa italiano transforma ode ao tempo perdido em uma experiência sensorial, marcada por belas imagens de uma Roma decadente
Com devoção total ao elemento visual, Sorrentino trata a cidade de Roma como a verdadeira protagonista desta história. Com fotografia assinada por Luca Bigazzi, A Grande Beleza instiga através do olhar. Reproduzindo com habilidade as expressivas paisagens e as grandes construções de um passado nobre e glorioso, o diretor italiano utiliza a imagem não só como um complemento para a sua narrativa, mas também como uma peça chave para a compreensão das cenas. Ele filma o velho e o histórico com uma cara nova, desfilando o seu talento através de inventivos enquadramentos, cortes rápidos e diferentes pontos de vista. Com um texto repleto de metáforas e simbolismos, as imagens acabam sendo muito mais diretas e objetivas do que os próprios diálogos, enfatizando o grande paradoxo do longa. O contraste do velho com o novo, do belo com o corriqueiro, do fútil com o essencial, do mundano com o religioso.
Apoiado por esse ótimo argumento, repleto de momentos impactantes - as cenas do velório, da grande festa e a discussão entre amigos são geniais - o longa é mesmo centrado em torno de Toni Servillo, uma espécie de símbolo dessa geração mundana. Felizmente, diga-se de passagem, porque o ator tem um dos grandes desempenhos de 2013. Conseguindo atribuir um incrível ar blasé ao seu personagem, Servillo constrói um brilhante e carismático Jep. Apesar de toda a cultura do seu protagonista, o que nas mãos erradas poderia se tornar enfadonho e pretensioso, o ator transborda acidez e energia em cena, não decepcionando também nos momentos mais dramáticos e\ou vibrantes. Além dele, vale destacar também a presença da bela Sabrina Ferilli, muito bem como um tardio interesse romântico de Jep, de Carlo Verdone, em um personagem que só evolui dentro do longa, e a participação especial de Fanny Ardant, que surge em uma só cena como uma espécie de fantasma dos tempos passados.
Se apoiando neste belo e complexo trabalho artístico, a trama escrita pelo próprio Sorrentino, ao lado de Umberto Contarello, ganha um impacto ainda maior nas telonas. Em cima desse dilema existencial exposto visualmente, e também musicalmente, já que a trilha sonora assinada por Lele Marchitellivai vai do canto gregoriano ao pop italiano de maneira fascinante, A Grande Beleza narra a história de Jep Gambardella (Toni Servillo), um escritor de passado glorioso, responsável pelo romance "O Aparelho Humano", considerado um dos principais trabalhos da literatura italiana. Desde então, Jep viveu deste sucesso, não escreveu mais nenhuma obra e passou a levar uma rotina de "bon-vivant", curtindo festas e os prazeres da alta sociedade italiana. Ao completar 65 anos, no entanto, Jep tem talvez a sua primeira grande crise de existência. Sem encontrar objetivos para sua vida, e se mostrando incomodado com a decadência artística e moral da sociedade romana, Jep passa a cogitar a ideia de escrever uma nova obra. Ele então parte atrás de motivos, e da grande inspiração, para voltar a publicar um livro.
Muito mais do que uma simples jornada pessoal, A Grande Beleza se revela um poderoso retrato social. Com uma narrativa afiada e que se desenvolve bem, apesar das excessivas duas horas e vinte de projeção, o longa suga a atenção através da complexidade dos seus personagens. Criativo e original, Sorrentino se esquiva dos clichês que rondam a terceira idade, os colocando sempre em contraste com o novo, com o lindo. Beleza encontrada não só nos monumentos romanos, mas também nas curvas das estonteantes mulheres e nos exóticos animais que surgem em cena. Toda essa critica a atual sociedade romana, e porque não mundial, no entanto, funciona muito mais como uma ferramenta de alerta, do que propriamente uma tentativa de se exaltar uma geração. Por mais que o longa tente imprimir uma certa aura superior a Jep, potencializado pelos ótimos enquadramentos de Paolo Sorrentino, ele se mostra um homem inquieto e de aparência frustrada. Um daqueles tipos que parece não se importar muito mais com belas mulheres, com as festas ou a fortuna. Na verdade, o que o afastando deste ar contemplador são alguns simples fatos da vida, como uma criança correndo, um vizinho enigmático, um casal apaixonado ou um belo entardecer romano. Dando ênfase a essa busca por algo que o motive, que o inspire, a narrativa é ironicamente reflexiva, mantendo o espectador ávido para entender os motivos que levaram um personagem rico, saudável e carismático a tal desilusão e melancolia. Sem querer revelar muito, graças a forma simples como o diretor italiano conduz o seu longa, logo temos a exata compreensão dos mistérios por trás de Jep.
Longe de ser um filme comercial, se é que esse rótulo deveria existir, A Grande Beleza é um longa provocante. Um trabalho que não merece ser apenas visto, mas apreciado e sentido tamanha é a qualidade artística e a sensibilidade do material apresentado. Filmando como poucos a decadência e a desilusão, seja financeira, seja pessoal, seja religiosa, o diretor italiano Paolo Sorrentino prova que, pelo menos no cinema, o velho e o novo vão sempre coexistir muito bem.
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