Sucesso de crítica por todo o Brasil, O Som ao Redor será o nosso representante na corrida para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014. A lista dos finalistas desta grande premiação ainda não foi divulgada, mas existe uma certa expectativa envolvendo esse longa, que também vem sendo elogiado mundo à fora, sendo inclusive eleito pelo New York Times como um dos melhores trabalhos de 2012. Dirigido por Kleber Mendonça Filho, o longa é um poderoso e atual retrato social, que, com um tom quase naturalista, destaca a rotina de uma rua de classe média\alta da zona sul do Recife. Como já vi e li muitas críticas, resolvi hoje mudar um pouco a minha abordagem sobre esse filme. Em função dele estar na disputa de um prêmio tão importante, ainda inédito para o Cinema Brasileiro, resolvi listar os motivos que podem aproximar, ou afastar, O Som ao Redor desta estatueta. E vamos, primeiramente, aos pontos positivos.
- Começo destacando a poderosa trama, assinada pelo próprio Kleber Mendonça Filho. Ao levar para as telonas a rotina de uma rua de classe média\alta, Kleber consegue nos apresentar um relato cru e universal sobre as relações humanas. Narrado no Recife, a história poderia se passar no Rio, em São Paulo, ou em qualquer lugar do mundo. O espectador vai enxergar semelhanças com a sua vida. Apostando nas banalidades, e no poder que elas podem ter, Kleber Mendonça Filho ressalta a rotina dos moradores de uma rua, após a chegada de um grupo de segurança particular. Apesar de girar em torno de um bairro de alto poder aquisitivo, a trama destaca bem essa relação entre as classes sociais, aqui sob o ponto de vista patrão\empregado, incluindo até mesmo uma interessante e sensorial comparação com o período dos engenhos. Além disso, a trama dá um brilho todo interessante à algumas situações de extrema banalidade, como uma reunião de condomínio, uma dona de casa "solitária" e até mesmo a relação de um patrão com a sua empregada. Sem se apoiar em esteriótipos, a trama comprova que o banal pode sim render uma grande história.
- Apesar de utilizar esta linguagem naturalista, que se apoia no simples comportamento humano, o roteiro apresenta uma interessante linha narrativa envolvendo a família que é dona de boa parte dos imóveis da rua. Além do misterioso Francisco (Waldemar José Solha), a trama aposta em personagens carismáticos, como João (Gustavo Jahn), um dos filhos de Francisco, o problemático jovem Dinho (Yuri Holanda) e o chefe dos seguranças Clodoaldo (Irandhir Santos). Ciente dos problemas envolvendo segurança pública que acontecem em todo o Brasil, Kleber Mendonça Filho une esses personagens para discutir essas questões. É interessante como a trama, mesmo sem dar qualquer pistas, alimenta sempre um tom pesado. Que algo pode acontecer a qualquer momento, que os seus personagens estão sempre em perigo. Não é por menos que todos os moradores parecem aprisionados em suas casas, e por diversas vezes grades são observadas. Essa sensação acaba sendo muito bem aplicada ao desenvolvimento dos personagens, o que acaba gerando um impactante clímax.
- Assim como o título já antecipa, O Som ao Redor é uma das mais impressionantes experiências sensoriais que o cinema brasileiro já produziu. Com um excelente trabalho técnico, é incrível a sensibilidade do diretor Kleber Mendonça Filho em criar essa atmosfera, e o consequente desenho de som do longa. Em alguns momentos, esse processo de imersão é tão grande, que parece que estamos ali, como um grande observador, acompanhando o desenrolar da rotina de cada um desses moradores. Desde um simples bater da bola na parede, passando pelos latidos de um cachorro, e chegando a sons mais particulares, essa habilidade em descrever auditivamente o cotidiano se torna um dos grandes méritos do longa. Aliás, acaba contribuindo diretamente para essa sensação de perigo iminente que acaba envolvendo as duas horas de filme. Um trabalho impar, que dá uma cara toda especial ao longa.
- Vale destacar também o ótimo desempenho de todo o elenco, que mescla atores profissionais e amadores. Como de costume, Irandhir Santos mostra porque é um dos melhores atores brasileiros em atividade. Com um personagem de aparência simples e forte, Irandhir acaba conseguindo uma interpretação complexa, que se torna o grande ponto de virada da trama. Em contrapartida temos a amável interpretação de Gustavo Jahn, um dos filhos de Francisco (ok, sem qualquer alusão a dupla Zezé de Camargo e Luciano). Apresentado como um homem afetuoso, João não deixa a sua atuação ir para o tom caricato, e equilibra momentos singelos à cenas de maior dureza, principalmente quando envolve o relacionamento dele com o seu primo Dinho. Surpreendente atuação do jovem Yuri Holanda, que, na minha opinião, rende os melhores diálogos do filme. Além desse trio, vale destacar o desempenho de Maeve Jinkings, uma dona de casa nada convencional, que ao longo do filme trava uma batalha com o cachorro do vizinho na busca pelo sossego.
- Apesar de estreante em filmes ficcionais, Kleber Mendonça mostra um grande talento na condução das cenas. Além de conseguir filmar com primor a rotina dos moradores, Kleber mostra estilo em algumas cenas, como por exemplo, quando usa as lampadas com sensor de movimento, para iluminar um dos personagens. Aliás, o diretor usa muito bem esses elementos rotineiros, o que acabam contribuindo para o resultado final do filme.
- Contras
- Não dá pra entender, como um filme tão estiloso tecnicamente, tenha pecado tanto na qualidade do som falado. Pode parecer paradoxal, mas enquanto os efeitos sonoros são absurdamente bem explorados, as falas em muitos momentos são incompreensíveis. Confesso ter assistido o filme com o som no máximo e mesmo assim em alguns momentos a dificuldade foi grande para a interpretação das cenas. Não sei se essa fato foi proposital, uma estratégia narrativa, mas de qualquer forma não funcionou. Um dos pontos mais fracos e questionáveis do filme.
- Se o longa funciona como uma interessante crítica social, a linha narrativa com certeza vai desagradar aos fãs mais acostumados com os filmes pipoca. Apesar de ter uma trama bem construída, o ritmo é realmente lento, o que acaba tirando um pouco do impacto de algumas cenas. A longa duração também, o filme tem mais de duas horas, acaba sendo mais um ponto negativo, principalmente para uma obra com essa iniciativa. Infelizmente, não existe a conciliação entre um cinema de entretenimento e o reflexivo. A reflexão e a crítica social, acabam funcionando em detrimento da diversão.
- Os dois últimos vencedores do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro apresentaram esta mesma abordagem naturalista, e é muito difícil que um terceiro filme venha a ganhar com essa temática. Os últimos vencedores foram o iraniano A Separação, que debate o litígio matrimonial em meio a uma família do Irã, e o austríaco Amour, que mostra o dia-a-dia de um casal de idosos. Além disso, com todo respeito aos realizadores de O Som ao Redor, o longa brasileiro não está no mesmo patamar dos trabalhos citados acima.
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