sexta-feira, 26 de maio de 2017

Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar

O fim da magia


Lançado há quatorze anos, Piratas Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003) conquistou o público e a crítica ao resgatar uma aura mágica\aventureira que parecia perdida em Hollywood. Com personagens carismáticos, um elenco recheado de valores e uma imponência visual realmente impressionante, o longa dirigido por Gore Verbinski conseguiu extrair o máximo de diversão por trás de um universo inspirado numa atração de um parque temático, culminando numa continuação igualmente empolgante, o competente O Baú da Morte (2006), e um desfecho altamente rentável, o megalomaníaco No Fim do Mundo (2007). Como de costume dentro da indústria do cinema, porém, o caminhão de dinheiro conseguido pela Disney fez a trilogia virar franquia. Por mais que os sinais de esgotamento da saga fossem nítidos, o resultado foi o insosso Navegando em Águas Misteriosas (2011), uma sequência recheada de predicados estéticos, mas narrativamente frouxa e desinteressante. Para a surpresa de muitos, entretanto, o blockbuster dirigido por Rob Marshall se tornou um sucesso bilionário, atestando o status do então astro Johnny Depp e a força deste exótico produto junto aos grandes mercados cinematográficos. 



Confiando no bem sucedido histórico da quadrilogia, a Disney abriu os cofres novamente e mesmo após alguns grandes fiascos no gênero, vide o subestimado John Carter: Entre Dois Mundos (2012) e o frágil O Cavaleiro Solitário (2013), resolveu arrematar a jornada do excêntrico pirata Jack Sparrow. Embora não seja tão esquecível quanto o seu antecessor, Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar se revela uma continuação tecnicamente irretocável, mas sem um pingo de originalidade. Por mais que os novos personagens tragam um inegável frescor ao longa, a promissora dupla de diretores Joachim Rønning e Espen Sandberg (do ótimo A Aventura Kon Tiki) vê o seu trabalho prejudicado por um argumento requentado e recheado de conveniências, um material com nítidos problemas no humor que tenta se sustentar à qualquer custo no carisma de um desgastado Johnny Depp. E esse, aliás, talvez seja o principal obstáculo da película. Após uma série de fracassos comerciais e algumas polêmicas pessoais, o astro de Edward Mãos de Tesoura surge, aqui, com uma interpretação quase paródica, uma atuação forçada e caricata que só reduz o impacto deste oscilante quinto filme. 


Os evidentes excessos em torno da performance de Depp, no entanto, se devem muito a fragilidade do roteiro assinado por Jeff Nathanson. Trazendo no currículo filmes como Velocidade Máxima 2 (1997), Prenda-me Se For Capaz (2002) e Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal (2008), o realizador se sustenta numa estrutura narrativa bem similar aos demais títulos da franquia, reciclando uma série de saturadas soluções em prol de uma batida história de vingança. Por mais que o 'plot' inicial se mostre até promissor, principalmente por envolver o destino de Will Turner (Orlando Bloom) junto à tripulação do Holandês Voador, Nathanson é extremamente preguiçoso ao usar uma maldição como o agente catalisador da trama, repetindo uma fórmula que já havia sido utilizada em três dos quatro filmes da saga. Depois da tripulação zumbi liderada pelo Capitão Barbosa (Geofrey Rush) e dos marinheiros moluscos capitaneados por Dave Jones (Bill Nighy), a ameaça da vez é a embarcação fantasma comandada pelo Capitão Salazar (Javier Badem), um caçador de piratas em busca de vingança após ser destruído por um jovem Jack Sparrow. Sem sequer desconfiar dos perigos que o cercavam, o pirata bebum vê a sua decadente rotina mudar no momento em que conhece Henry Turner (Brenton Thwaites), um jovem corajoso e dedicado que precisa de Jack para encontrar um mitológico artefato. Seguindo o mapa decifrado pela inteligente Carina (Kaya Scodelario), os dois saem à procura de tal peça, mas logo vão perceber que precisarão de uma ajudinha extra para desafiar este obcecado vilão. 


Com diálogos fracos e sérios problemas quanto ao humor, a gag envolvendo um repentino casamento é de mau gosto e totalmente fora de tom, Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar falha ao entregar uma espécie de rascunho do que foi o pirata Jack Sparrow. De longe um dos protagonistas mais populares da cultura pop, o beberrão capitão do Pérola Negra se torna aqui um mero peão, um elemento pouco funcional que só está na trama para justificar a existência de um novo vilão. Na tentativa de explorar a faceta mais cômica\decadente do anti-herói, Joachim Rønning e Espen Sandberg confundem malandragem com impertinência, sorte com desleixo, reduzindo a sua empatia ao entregar um personagem que não parece ter qualquer tipo de motivação. Com um material bem raso em mãos e sob a batuta de dois jovens realizadores, Johnny Depp tenta justificar a sua presença à força, mas o resultado fica bem aquém do esperado. Embora brilhe em alguns momentos, a cena da guilhotina é o ponto alto da película, o astro pesa a mão ao traduzir a derrocada de Sparrow e entrega uma performance mais afetada e cartunesca do que o de costume. Não foi desta vez que Depp "fez as pazes" com a sua carreira. Igualmente problemático, o arco envolvendo o corajoso Will Turner também é desastradamente subaproveitado ao longo da trama. Indo de encontro à promissora sequência inicial, o argumento simplesmente trata o herói da trilogia original como uma espécie de participação especial, o que se torna injustificável dentro de uma trama em que todos os personagens se cruzam de maneira extremamente conveniente. O universo Piratas do Caribe, aliás, nunca foi tão "enxuto" quanto nesta continuação. 


Nem só de baixos, porém, vive A Vingança de Salazar. Embora sigam arquétipos explorados a exaustão dentro da franquia, os novos personagens funcionam bem dentro deste quinto filme. Com um misto de carisma e inocência, o jovem Brenton Thwaites enche a tela de energia na pele do determinado Henry, sendo premiado com um arco familiar levemente interessante e com algumas cenas divertidas. Assim como o herói, aliás, o vilanesco Salazar se revela um antagonista à altura de uma produção de US$ 230 milhões. Impulsionado pela raivosa atuação do talentoso Javier Badem, o antagonista ganha um arco genérico, é verdade, mas um visual realmente ameaçador, uma aura cruel que deveria ter sido melhor explorada pelo roteiro. A fonte de frescor desta continuação, entretanto, reside na cerebral Carina Smyth. Longe de ser uma donzela indefesa, a protagonista assume as rédeas da trama com naturalidade, potencializada pela magnética performance da inglesa Kaya Scodelario. Ainda que o argumento force ao tentar criar um 'plot twist' acerca do passado dela, a heroína rouba a cena ao adicionar um viés (superficialmente) científico ao longa, ao se revelar a única capaz de decifrar o "mapa que nenhum homem conseguia ler" e ao protagonizar alguns dos momentos mais engraçados da película. Por outro lado, embora ela se revele uma figura moderna e atuante, é chato ainda ver uma personagem feminina ganhar um visual inegavelmente sexualizado, com direito a um generoso decote, uma vestimenta tradicional nas produções de época, mas que não parece combinar com a essência "nerd" da heroína. 


Outro ponto que agrada é o aspecto visual da obra. Por mais que as populares batalhas entre as embarcações sejam menos frequente, Joachim Rønning e Espen Sandberg compensam a falta de originalidade do roteiro com um visual genuinamente inventivo. Equilibrando CGI e recursos práticos com desenvoltura, a dupla consegue construir sequências à altura da trilogia original, realçando o viés aventureiro ao longo das cansativas duas horas e dez minutos de projeção. Numa espécie de homenagem ao filme Velozes e Furiosos 5: Operação Rio, por exemplo, Rønning e Sandberg elevam o nível da brincadeira ao arquitetar uma improvável cena de fuga, uma sequência estupidamente divertida que dita o tom do envolvente primeiro ato. Um triunfo estético que, diga-se de passagem, se repete na composição da fantasmagórica tripulação do Capitão Salazar e dos sombrios embates marítimos. Ainda que não sejam propriamente assustadores, os antagonistas ganham uma roupagem de respeito, um visual esfumaçante realmente impactante. Já as cenas de ação sofrem de um "mal" recorrente dentro dos títulos do gênero, a falta de luz, o que deve se tornar um problema mais perceptível nas sessões em 3-D. Por falar nas sequências mais "combativas", é no clímax que a continuação se torna realmente relevante, principalmente pelo cuidado dos diretores no arremate do arco do mais regular personagem da saga, o sempre ótimo Capitão Barbosa. Ponto para a equilibrada atuação de Geoffrey Rush, impecável ao traduzir a faceta exótica deste dúbio protagonista.


Em suma, com um roteiro pouco inspirado e recheado de falhas, vide os irrelevantes personagens interpretados por David Wenham e Golshifteh Farahan, Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar só comprova o saturamento de uma franquia que parece ter se "ancorado" no seu passado. Com pouquíssimas novidades para oferecer, a dupla Joachim Rønning e Espen Sandberg cumpre as expectativas ao entregar uma sequência esteticamente agradável, um entretenimento leve e despretensioso que ao menos soa melhor que o esquecível filme anterior. No final das contas, porém, apesar do carisma de alguns dos novos personagens, das divertidas sequências aventurescas, da épica trilha sonora, da expressiva fotografia tropical e do emotivo clímax, a impressão que fica é que a magia da trilogia original se perdeu diante dos inúmeros interesses comerciais. 

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