sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Moana: Um Mar de Aventuras

Um espetáculo visual com um precioso conteúdo

Dois dos grandes responsáveis pelo renascimento da Disney no final da década de 1980, Ron Clements e John Musker escreveram o seu nome na história do estúdio com sucessos do quilate de A Pequena Sereia (1989), Aladdin (1992), Hércules (1997) e o subestimado A Princesa e o Sapo (2009). Reconhecidos pela exuberância estética e pela musicalidade das suas animações, a aclamada dupla de realizadores sempre procurou nos brindar com projetos únicos e vigorosos, obras marcadas pelo forte teor aventuresco, pelos carismáticos personagens e pelo seu edificante conteúdo. Como podemos perceber no extraordinário Moana: Um Mar de Aventuras, mais um exemplar memorável da sua respeitada filmografia. Através de uma narrativa familiar aparentemente requentada, Clements e Musker bebem da mais pura essência do estúdio ao construir uma película triunfante, uma fábula mágica e visualmente poderosa sobre a nossa predatória relação com a natureza. Sem nunca soar panfletária ou didática, a nova pérola da Disney esbanja sensibilidade ao propor não só esta urgente e simbólica reflexão ambiental, como também ao falar sobre o amadurecimento, o medo do desconhecido e os obstáculos em torno do empoderamento feminino. Temas variados que, abordados sob um prisma moderno e etnicamente plural, transformam a indomável Moana numa das mais relevantes protagonistas da história da companhia.



Com argumento assinado por Jared Bush, Moana é inicialmente primoroso ao introduzir o seu vasto universo repleto de danças, cores e criaturas mitológicas. Fazendo um excelente uso da rica cultura polinésia, o roteiro abraça o tom lúdico ao revelar tanto a origem da vocação aventureira da protagonista, quanto a sua função dentro de uma harmoniosa tribo da Oceania. Sem um pingo de pressa, Ron Clements e John Muskers constroem um primeiro ato envolvente e acolhedor, principalmente pela maneira densa com que estabelece a relação dela com as pessoas que a cercam, incluindo o seu conservador pai, o precavido Chefe Tui, e a sua incentivadora avó, a contadora de histórias Tala. Na trama, oriunda de uma antiga linhagem de navegadores, Moana cresceu sonhando em cruzar a barreira dos corais, o limite marítimo estabelecido pelo chefe da tribo e seu pai. Dono de uma personalidade forte, Tai acreditava que ela deveria seguir os seus passos e assumir a liderança da ilha no momento em que ele não tivesse mais forças para dar sequência ao seu trabalho. Mesmo incomodada com a imposição paterna, a independente jovem não parecia encontrar a coragem necessária para desobedecer os seus planos. Tudo muda, no entanto, quando o local em que eles viviam passa a sofrer com a falta de recursos naturais. Acreditando que a escassez era fruto de uma antiga maldição, Moana decide enfrentar os perigos do oceano em busca do paradeiro de Maui, um arrogante e bem humorado semideus, encarando ao lado dele monstros, tempestades e os seus medos mais íntimos na tentativa de restabelecer o equilíbrio da sua ilha.


Irretocável ao estabelecer os conflitos dos seus carismáticos personagens, Ron Clements e John Muskers são igualmente habilidosos ao utilizar a boa e velha jornada do herói dentro de um contexto moderno e multidimensional. Por mais que o longa dialogue constantemente com o público infantil, vide a presença do atrapalhado galo Hei Hei e a criativa utilização dos poderes do incrível Maui, a dupla de realizadores mostra inspiração ao preencher os seus protagonistas com dilemas sólidos e atuais. Através de diálogos memoráveis e sequências recheadas de simbolismos, o roteiro é delicado ao construir o processo de amadurecimento de Moana, ao falar sobre o valor de um sonho, sobre a expansão dos horizontes e sobre a questão do empoderamento feminino. Inicialmente obediente ao pai, um homem bem intencionado, mas com um pensamento limitado, a ascensão dela enquanto heroína\mulher é desenvolvida com espontaneidade ao longo da película, assim como a sua arredia relação com o errático e vaidoso Maui. Indo de encontro aos clichês do gênero mentor\pupilo, o script realça a imaturidade dos dois ao compor esta exótica parceria, arrancando sinceras risadas ao traduzir a luta de ambos pelo controle da situação e o esforço de Moana para ser tratada com igualdade pelo autoconfiante semideus. Embora o pano de fundo aventureiro guie esta cativante amizade, o argumento é maduro ao valorizar também as nuances mais intimas dos personagens, principalmente da "filha do chefe" (não a chame de princesa), permitindo que o espectador enxergue tanto a sua faceta mais independente e audaciosa, quanto o seu lado mais inseguro e resignado. Sem querer revelar muito, as singelas cenas entre avó e neta são excepcionais, um elemento comovente que, utilizado com sutileza, expõe o traço mais frágil e humano da protagonista.


Melhor ainda, porém, é o cuidado do roteiro ao propor uma urgente reflexão sobre a nossa predatória relação com a natureza. Sob um ponto de vista fantástico, o longa é genial ao levantar esta bandeira em prol do meio ambiente, nos brindando com um desfecho profundo, inteligente e absolutamente emocionante. Um arremate metafórico que, confesso, me pegou de surpresa. O mesmo, aliás, acontece quando o assunto é o exuberante aspecto visual. Assim como nos seus principais trabalhos, a dupla Ron Clements e John Muskers investe numa palheta de cores viva e radiante, um cenário rico e expressivo, uma combinação de fatores que colocam Moana entre os projetos mais originais do gênero. Impecável ao explorar o senso de ineditismo quanto a pluralidade étnica da obra, a equipe de animadores, por exemplo, é virtuosa ao conceber as características físicas dos magnéticos personagens, entre elas a pele morena, o cabelo crespo e as robustas silhuetas. Além disso, Clements e Muskers esbanjam categoria ao trabalhar com os quatro elementos básicos da natureza: a terra, a água, o fogo e o ar. Uma combinação tão rara e complexa que nos faz relevar até mesmo os pequenos deslizes narrativos do filme, a maioria deles envolvendo o exagerado uso do divertido galo Hei Hei e o flerte com algumas soluções mais previsíveis.


Num primeiro momento, Moana cativa ao nos apresentar a particular rotina na ilha da polinésia, se preocupando em realçar a vasta flora, a rica cultura e o organizado modo de vida dos simpáticos coadjuvantes. Já no segundo ato, nos empolgantes momentos mais aventureiros, o realizador utiliza o melhor que a animação tem a oferecer ao construir tanto o verossímil cenário marítimo, quanto as fascinantes cenas aéreas e as engenhosas sequências de ação. Com um material fértil em mãos, Clements e Muskers são igualmente inventivos ao desenvolver as fantásticas criaturas mitológicas. Como se não bastasse o elemento transmorfo de Maui e a forma lúdica com que as suas tatuagens ganham vida em 2-D, os diretores buscam inspiração nos seus mais célebres trabalhos, entre eles A Pequena Sereia e Hércules, ao conceber a raivosa tribo de pequenos piratas e um imponente monstro de lava. Sem querer revelar muito, o extravagante número musical protagonizado por um Siri gigante com mania de grandeza é magnífico, uma explosão de cores e luzes potencializada pelo imersivo 3-D. Num todo, aliás, Ron Clements e John Muskers mostram destreza ao valorizar as noções de escala, adicionando uma grandiloquência compatível com um filme sobre lendas antigas e arrogantes semideuses.


E em meio a tantos predicados estéticos e narrativos, Moana: Um Mar de Aventuras nos presenteia ainda com uma apaixonante e diversificada trilha sonora. Um degrau acima do último grande musical da Disney, o estrondoso Frozen: Uma Aventura Congelante, o longa entrega não só um hit instantâneo, a poderosa 'How Far I'll Go', como também uma série de magníficas canções, daquelas que embalam a trama com energia e emoção. Em suma, com um visual primoroso, protagonistas marcantes, diálogos bem humorados e um premissa recheada de sentimentos, Moana é uma aventura com coração. Uma obra mágica, pura e revigorante que merece carregar o rótulo de melhor filme da fase "digital" da Walt Disney Animation.

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