Dando uma folga para a megalomania das suas últimas produções, a Marvel Studios faz de Homem-Formiga um bem vindo retorno às suas origens. Após turbinar a atmosfera épica em longas como O Soldado Invernal e A Era de Ultron, o ultimo capítulo da fase 2 do universo Vingadores volta a priorizar o micro em detrimento do macro, introduzindo um dos membros originais deste supergrupo de maneira esperta e envolvente. Tirando um belo proveito da descompromissada fórmula que consagrou o primeiro Homem de Ferro (2008), a nova aventura da "casa das ideias" pode não ser o longa mais espetacular da franquia, nem tão pouco o mais empolgante, mas conquista pela forma satisfatória com que introduz um dos mais divertidos e carismáticos heróis Marvel. Em suma, um trabalho em menor escala não só pelos microscópicos superpoderes de Scott Lang, que ganham a tela de maneira visualmente brilhante, como também pela intenção de explorar questões familiares tão corriqueiras em torno deste humano personagem.
Inicialmente idealizado por Edgar Wright (Todo Mundo Quase Morto), Homem Formiga passou por uma série de mudanças ao longo de sua produção. Saindo em defesa de um longa bem humorado e independente, o realizador britânico resolveu deixar a direção alegando as populares "divergências criativas", incomodado com a interferência proposta pelo estúdio em seu roteiro. Ao que parece, porém, esses problemas pouco interferem no resultado final do longa, já que além de seguir priorizando a comédia, o argumento faz das referências ao universo Vingadores uma saborosa experiência para os fãs da franquia. Com roteiro assinado por Wrigh e Joe Cornish (Ataque ao Prédio), mas retocado por Adam McKay (O Âncora) e pelo protagonista Paul Rudd, o longa narra a jornada de Scott Lang (Rudd), um respeitado ladrão que resolve mudar de vida após deixar a prisão. Disposto a reconquistar a confiança da filha (Abby Ryder Fortson), ele até tenta se endireitar, mas esbarra na falta de oportunidades em um emprego "convencional". Relutando em voltar ao mundo do crime, Scott resolve tentar um último golpe, seguindo a dica do ex-companheiro de cela Luis (Michael Peña). As coisas, no entanto, não saem como o esperado, e ele só encontra um misterioso uniforme, que dá ao portador a capacidade de encolher. Sem saber das consequências do furto, Scott cruza o caminho do milionário Hank Pym (Michael Douglas), o inventor deste traje que enxerga nele o talento necessário para impedir que a fórmula por trás do Homem Formiga caia em mãos erradas.
Abrindo mão da destruição em massa dos últimos longas da franquia, o diretor Peyton Reed (Sim, Senhor) é habilidoso ao explorar a universalidade que cerca o bem resolvido argumento, evitando os excessos introdutórios que geralmente marcam os filmes de origem. Sem perder muito tempo com explicações desnecessárias, logo sabemos do bom caráter de Scott, da difícil relação dele com a ex-esposa (Judy Greer) e da sua complicada ressocialização após o período na prisão. Simples assim, sem soluções mirabolantes, grandes redenções ou descartáveis flashbacks. Por mais que a linearidade de alguns personagens possa incomodar, com destaque para o policial\padrasto Paxton (Bobby Cannavale) ou o ganancioso antagonista Darren Cross (Corey Stoll), a trama se desenvolve de maneira absolutamente agradável, fazendo um interessante uso das questões familiares em torno das atitudes de Scott e Hank. Mesmo tendo como pano de fundo temas mais recorrentes dentro do universo Vingadores, como os perigos relacionados a posse de uma super armadura, o crescente argumento é dinâmico ao costurar a relação entre as duas gerações deste herói, os aproximando ao abordar com leveza o aspecto mais sentimental envolvendo os seus dilemas paternos. Isso, obviamente, sem perder o afiado senso de humor, que rende sequências irreverentes e genuinamente engraçadas. Numa delas, talvez o ponto alto da projeção, um ferrorama de brinquedo vira o cenário para uma divertida e explosiva batalha. Além disso, apesar da superficialidade do Jaqueta Amarela, as suas intenções são bem exploradas pela trama, culminando num vilão que funciona a contento neste universo menos ambicioso conduzido por Reed.
A grande força do longa, no entanto, reside nas caprichadas atuações de Paul Rudd e Michael Douglas. Uma daquelas escolhas certeiras, Rudd traz a sagacidade necessária para este clássico herói Marvel, arrancando honestas risadas ao testar os inusitados superpoderes do seu personagem. Nitidamente em forma, o comediante convence - até mesmo - nas criativas sequências de ação, revelando ainda uma ótima química com Michael Douglas. Responsável por trazer um inegável peso a este projeto, o veterano surpreende desde a primeira cena, quando surge inesperadamente 26 anos mais jovem, se mostrando completamente à vontade ao dar vida ao gênio da ciência Hank Pym. Sem querer revelar muito, Douglas traz credibilidade a esta conexão com o universo Marvel, se tornando um elo natural com o passado da franquia. O mesmo, aliás, acontece com a sua "filha" Evangeline Lilly, que rouba a cena como a 'bad-ass' Hope. Numa personagem ligeiramente rancorosa, que não tolera a aproximação entre Hank e Scott, Lilly vive uma relação oscilante com o novo Homem Formiga, funcionando bem ao longo da película. Lilly e Douglas, inclusive, contornam os momentos mais sentimentais do longa de maneira correta, oferecendo o máximo de profundidade dentro das limitações do roteiro. E como se não bastasse a reconhecida veia cômica de Rudd, Michael Peña (As Duas Torres) se torna a cereja do bolo com o divertidíssimo Luis. Responsável por alguns dos momentos mais hilários do roteiro, o ator, reconhecido por papéis mais dramáticos, impressiona com os seus muitos improvisos, servindo como um baita alicerce para o competente time de protagonistas.
Enquanto o elenco desempenha com eficiência o seu papel, Peyton Reed e a equipe de efeitos digitais promove um magnífico trabalho na construção do universo microscópico do Homem-Formiga. Explorando com minimalismo a variação de perspectivas, as incursões do herói em tamanho reduzido se tornam incrivelmente magnéticas aos olhos do espectador, sendo desenvolvidas com profunda originalidade ao longo das fluidas duas horas de projeção. Desde o processo de treinamento de Scott, passando por sua relação com as formigas, e chegando as ágeis sequências de ação, tudo funciona de maneira fascinante, evidenciando o encantamento da Marvel ao defender os seus mais improváveis personagens. Por menor - neste caso esteticamente - que eles sejam. O mais legal, no entanto, é o cuidado do realizador ao trabalhar as noções de escala, criando um cenário vasto e minusculamente detalhado. Nas cenas de ação, inclusive, tanto o Homem Formiga, quanto o Jaqueta Amarela encolhem e crescem organicamente, tornando bem claro para o público os seus respectivos superpoderes. Com destaque para a relação de Scott com os diferentes insetos, que contribuem ativamente nas mirabolantes invasões boladas por Hank Pym. Um trabalho que pode até não nos levar a euforia de A Era de Ultron, mas que garante honestos momentos de alegria com a particularidade da criação do trio Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby. Como de costume, aliás, Lee faz mais uma das suas espirituosas aparições.
Contando ainda com uma montagem repleta de energia, que, não só traz mais agilidade as sequências de ação, como também pontua as hilárias explicações de Louis, Homem-Formiga é uma espécie de "respiro" dentro do cada vez mais intenso universo Marvel. Com pleno controle criativo sobre suas produções, a "casa das ideias" mais uma vez foge da obviedade ao mostrar que, mesmo conectados por uma linha narrativa, os seus lançamentos podem diferir essencialmente um dos outros. Prova disso é que após a seriedade de O Soldado Invernal, a extravagância de Guardiões da Galáxia e a megalomania de A Era de Ultron, a Marvel Studios fecha a fase 2 dos Vingadores de maneira autoral, simples e quase despretensiosa, comprovando através de uma bem humorada aventura que o menos ainda pode ser mais.
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