sábado, 29 de novembro de 2014

De Volta ao Jogo

Não mexa com o cachorro alheio

Trazendo no currículo a experiência como diretor de segunda unidade em populares blockbusters, incluindo Jogos Vorazes: Em Chamas e Os Mercenários 2, Chad Stahelski faz o seu primeiro voo solo em De Volta ao Jogo, longa que explora como poucos o típico desprendimento da realidade do cinema de ação da década de oitenta. Apostando no sentimento nostálgico envolvendo o popular "exército de um homem só", que vem ganhando novamente espaço através de franquias como Os Mercenários, Busca Implacável e Carga Explosiva, o realizador usa toda a sua experiência como dublê para conduzir uma estilosa, envolvente e ultra violenta história de vingança. Uma jornada perspicaz valorizada pela reconhecida inexpressividade de Keanu Reeves, uma característica pessoal que "cai como uma luva" na inspirada composição do mito em torno do temido John Wick.



A escolha dele, aliás, está longe de ser aleatória. Enquanto anjo da guarda das estrelas de Hollywood, Chad Stahelski se tornou o dublê oficial de Keanu Reeves, trabalhando em longas como Caçadores de Emoção, Matrix, Constantine e muitos outros. Conhecendo a fundo o trabalho do ator, finalmente de volta aos (bons) filmes de ação, Chad encontra em Reeves o protagonista ideal para dar vida a esse assassino frio e extremamente hábil. Na trama, assinada por Derek Kolstad (Entrega Mortal), John Wick é um ex-assassino profissional que viu a sua rotina mudar quando encontrou a mulher ideal. Após cinco anos perfeitos longe do crime organizado, ele é surpreendido pela doença e morte de sua esposa. Sem qualquer tipo de rumo, John enxerga uma luz no fim do túnel quando ganha um último presente de sua mulher, um carismático filhotinho de cachorro. Se adaptando a ideia de ter um animal de estimação, John Wick volta à ativa quando seu carro é roubado e seu filhotinho é morto. Disposto a fazer vingança contra tudo e contra todos, John não sossegará enquanto não acabar com a vida do mimado Iosef Tarasov (Alfie Allen), filho de um poderoso chefe do crime organizado (Michael Nyqvist) e autor deste roubo. 


Por mais que a trama seja realmente simples e não se envergonhe ao explorar os clichês do gênero - a incapacidade de John em aniquilar rapidamente os principais alvos é irritante - o argumento surpreende ao criar um pano de fundo esperto e bem particular. Em meio a essa jornada de vingança aparentemente genérica, somos apresentados a uma curiosa sociedade secreta de assassinos, com códigos de ética bem específicos, uma moeda própria e, até mesmo, um hotel para que todos os "profissionais" pudessem se reunir discretamente longe da policia. Melhor ainda, no entanto, é a forma como a lenda em torno John Wick é concebido. Antes mesmo de Keanu Reeves dar o seu primeiro tiro, o roteiro deixa claro o quão "badass" ele pode ser, evidenciando o temor através dos olhos dos próprios inimigos. Uma opção que funciona primorosamente no primeiro ato, torna-se um pouco banal na segunda metade do longa, já que tudo parece muito fácil nas mãos de Wick, mas volta a ter impacto no interessante clímax. Sem apelar para qualquer tipo de soluções piegas ou descartáveis, à medida que o assassino vai se expondo, se ferindo e se fragilizando, o espectador volta a se conectar verdadeiramente com a sua busca por vingança, que atinge o ápice num desfecho realmente inteligente.


Pequenos problemas que, na verdade, não chegam a incomodar em função da segura condução de Chad Stahelski. Demonstrando precisão não só nas brutais e empolgantes sequências de ação, muito bem coreografadas e capturadas, o diretor mostra também habilidade nos poucos momentos mais densos. Ainda que os personagens não tenham lá grande profundidade, Chad é cuidadoso ao introduzir de maneira rápida e comovente o drama em torno de John Wick. Em pouco menos de dez minutos, conhecemos o amor dele por sua esposa, o duro processo da perda, a tentativa de recomeçar com o pequeno cachorro e a explosão após a morte do animal. Momentos que, construídos de forma surpreendentemente sutil, conseguem justificar o banho de sangue em torno da jornada deste anti-herói. O mesmo, aliás, acontece no desenvolvimento dos relevantes antagonistas, com destaque para as competentes atuações de Alfie Allen (Game of Thrones), muito bem como um inconsequente e mimado bandido, e do experiente Michael Nyqvist (Missão Impossível - Protocolo Fantasma), que apresenta um rival à altura de John Wick. Por outro lado, o destaque negativo fica pelo pouco espaço dado ao sempre ótimo Willem Dafoe, que tem uma ponta de luxo como o interessante Marcus. 


Mesmo sem ter a ousadia narrativa de Drive, a contundência de Busca Implacável, ou o humor de Os Mercenários, De Volta ao Jogo traz certo frescor ao tentar modificar o modus operandi do escapista cinema de ação oitentista. Na verdade, ao invés de construir o temor em torno dos vilões e suas atitudes, Chad Stahelski opta por enfatizar o lado mais violento de seu anti-herói, ampliando a imponência do letal John Wick. Contando com uma trama ágil e originais sequências de ação, muito bem embaladas pela dinâmica trilha sonora e pela estilizada fotografia soturna de Jonathan Sela (Max Payne), o longa dá a Keanu Reeves a oportunidade dele finalmente voltar a ter um papel digno dentro do gênero que o consagrou. E o ator, agora cinquentão, agarra com "unhas e dentes" esse personagem, convencendo não só através do seu reconhecido vigor nas cenas mais físicas, como também na concepção desta personalidade autoconfiante e extremamente sagaz.

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