segunda-feira, 16 de junho de 2014

Cinemaniac Indica (Getúlio)

Evitando aumentar o mito por trás de um dos mais populares presidentes do Brasil, Getúlio é acima de tudo um relato impressionante sobre a complexidade do sistema político brasileiro. Contando com o brilhante desempenho de Tony Ramos, intenso e comedido como o emblemático Getúlio Vargas, o diretor João Jardim (Pro Dia Nascer Feliz) investe numo tom quase documental ao expor as intrigas e manobras políticas que cercaram o fatídico mês de agosto do ano de 1954. Explorando a primorosa direção de arte, com direito a muitas cenas em locações originais, o realizador busca inspiração nos clássicos setentistas sobre as crises políticas ao conceber um longa repleto de suspense e tensão. Pra ser sincero, nem mesmo algumas pequenas falhas no roteiro diminuem a certeza de que o cenário político brasileiro pouco mudou desde então.

Acompanhando os dezenove últimos dias de vida de Getúlio Vargas, o roteiro assinado por George Moura acerta ao se aprofundar no turbilhão político criado após o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, interpretado com categoria por Alexandre Borges. Apresentando de forma didática a relação do presidente com seus aliados e inimigos políticos, João Jardim opta por explorar - de forma bem mais inspirada - todas as motivações pessoais que levaram o mandatário a tomar tal decisão. Ressaltando o apoio popular que sempre cercou Getúlio, com direito uma excelente cena final, o roteiro evidencia a habilidade política do gestor sem descartar as suas dúvidas, angústias e temores. Valorizando a relação de Getúlio com os seus parentes mais próximos, incluindo os filhos Alzira (Drica Moraes) e Lutero (Marcelo Médici), a trama evidencia o quão frágil já era a função de Presidente do Brasil. Se apoiando em relatos e notícias da época, o roteiro se esforça para fazer com que o espectador compreenda o complexo cenário político daquele período. Apesar do longa se passar em meio a um regime democrático, que, aliás, não seguiria em vigência por muito tempo, a todo momento atitudes extremamente ditatoriais são sugeridas em cena. Esta instabilidade política, inclusive, é um dos maiores trunfos do longa, só perdendo mesmo para o estupendo desempenho de Tony Ramos e do competente time de apoio.



Ainda que algumas escorregadas na trama sejam evidentes, principalmente no desenvolvimento da investigação envolvendo o atentado à Carlos Lacerda, Getúlio é uma obra política extremamente contextualizada. Apesar de se passar em plena década de 1950, o longa ressalta como a corrupção e o jogo de interesses sempre estiveram enraizados no governo brasileiro. Nos apresentando um impressionante jogo de xadrez político, João Jardim usa a sua experiência em documentários para conseguir reproduzir uma das mais impressionantes histórias do nosso país. Entre o mítico e o humano, Getúlio é um relato diferenciado sobre um político que aparentemente sempre esteve um passo a frente dos seus opositores. 

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