segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Crítica | "Duna" sugere grandeza, mas revela o vazio num épico aborrecido projetado para alimentar expectativas


"Isso é apenas o começo". "Duna" é um filme triste. Aborrecido. Uma obra incompleta que sugere grandeza, mas revela o vazio. A auto explicativa frase final do épico dirigido por Denis Villeneuve sugere a aflição em torno de um projeto que nasceu sem a certeza de que teria um fim. Quando a "ausente" personagem da estrela Zendaya surge com a sentença que abre este texto, o que nós vemos é uma tentativa de persuasão. Uma voz não tão poderosa como as das Bene Gesserit, mas convidativa. Isso é inegável. O cineasta canadense sabe como trabalhar as promessas aqui.

O design de produção adapta a rica construção de mundo da obra do escritor Frank Herbert com potência. O texto solene sugere um drama palaciano envolvendo barões tiranos, duques justos e um regente pressionado por ser o escolhido. "Duna" é cinema em grande escala pensado para espantar. Só pensado… O que vemos é uma produção sisuda incapaz de se maravilhar pelo rico universo construído.

"Duna" (o filme) é um "Star Wars" sem graça. Um filme escuro sobre um contexto nebuloso. Villeneuve se perde entre adaptar a verve sócio-política do texto original e realçar a estética do absurdo tão bem trabalhada por David Lynch dentro da confusa versão oitentista. Chega a ser digno de pena ver o realizador emulando "Apocalipse Now" sempre que o duque Vladimir Harkonnen surge em tela. Esse é o nível de pretensão de Villeneuve. Ele dedica tudo aos detalhes e pouco ao todo.

O choque entre forças desiguais no deserto de Arrakis (numa clara referência à relação de exploração petrolífera entre os EUA e o Oriente Médio) é apenas introduzido, mas nunca aprofundado. O background religioso envolvendo a possível revelação de um messias é tratado com um senso de literalidade que frustra. Sempre de forma lacônica, Villeneuve usa e abusa dos flashfoward para sugerir possibilidades que só virão a ser desenvolvidas (será?) nos projetos futuros. Embora menos caótico do que a versão oitentista, o roteiro assinado pelo próprio diretor, ao lado de Jon Spaiths e Eric Roth, condensa tanto algumas situações que acaba por tornar tudo descartável. Uma palavra incompatível com o universo Duna.

O pior deste ambicioso projeto, de longe, está no péssimo desenvolvimento de personagens. Villeneuve não consegue costurar laços. Ele aposta tudo na presença do elenco. Na aura soturna impressa por Stellan Skarsgard como o sinistro Barão Harkonnen. Na energia 'bad-ass' defendida com entusiasmo por Jason Momoa como o leal guardião Duncan Idaho. Na integridade expressa por Oscar Isaac como o nobre Duque Atreides. Os personagens são aquilo que representam. Maldade, valentia, nobreza, chatice...

É particularmente decepcionante ver como o texto é relapso ao costurar a promissora relação entre Jessica e Paul Atreides. Se por um lado é revigorante notar como o novo "Duna" empodera a complexa matriarca (Rebecca Ferguson se agiganta em cena), por outro é incômodo enxergar o vazio na relação entre mãe e filho. Existe uma energia estranha nessa dinâmica. Uma tensão que Villeneuve em momento algum se dedica a estudar. "A culpa é sua!", brada Paul contra a mãe numa cena aleatória que deveria dizer muito, mas não revela nada

Uma sensação de descontrole narrativo que se reflete diretamente na figura do protagonista. A maneira com que Villeneuve enxerga a fragilidade de Paul é tão errática quanto a performance de Timothée Chalamet. Em momento algum nós acessamos a verdade deste personagem. "Duna'', à rigor, é um filme sobre as dúvidas de um jovem. O foco está na insegurança do tal escolhido. O cineasta, contudo, se seduz pela imponência do nobre superprotegido. Uma visão antipática que ajuda a definir a obra

Nem as virtudes estéticas vendidas no lançamento se revelam tão virtuosas assim. Villeneuve confunde o sombrio com o sem vida. É conveniente ver como, em passagens como a sequência do ataque ao clã Atreides (uma cena poderia atenuar o marasmo rítmico), o diretor usa a escuridão para diminuir o escopo da ação. A intenção era sugerir gravidade. Na prática, porém, o que vemos é um corre corre genérico no nível de qualquer blockbuster ruim. Tudo é muito confuso, rápido e genérico. Um filme épico que não preza pelas estratégias. Até as sequências de luta mais "íntimas" são podadas por uma direção incapaz de extrair a plasticidade da violência. Sabe quando "Duna" é de fato grande.

Quando a fantástica trilha sonora de Hans Zimmer embala a estonteante fotografia desértica de Greig Fraser. É empolgante ver como o compositor funde os sons das gaitas de fole típicas da Idade Média com os vocalizados cânticos do Oriente Médio numa mistura pesada que casa com a natureza política do plot. Um conceito que Villeneuve, pelo menos nessa primeira parte, não se dedica a explorar. "Duna" é um filme incompleto. "Duna" é uma experiência cinematográfica oca que se sustenta na expectativa do que está por vir. Um filme cuja maior ousadia está na realização do mesmo e não em qualquer virtude narrativa/estética/ técnica/artística. 

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