segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Crítica | Trôpego e humano, Cry Macho se recusa a enxergar o fim da linha para o velho caubói ao defender que nunca é tarde para aprender


É sedutor tratar Cry Macho como um filme sobre o envelhecer. Como a despedida de um "caubói" à procura do seu último rodeio. As prévias vendiam isso. O fato do nonagenário Clint Eastwood ter se colocado mais uma vez na posição de estrela do show sugeria isso. É duro saber que este pode ter sido o último longa de um diretor que sempre personificou a imagem falha do herói americano. Nem o mais durão dos durões pode desafiar o tempo... Em Cry Macho, contudo, o lendário realizador não tolera a ideia de que a sua jornada chegou ao fim.

O velho Clint pega a estrada consciente que o seu caubói ainda tem lições a aprender. É revigorante ver um artista, do alto dos 91 anos, abraçar as convenções dos road movies com um olhar íntimo para o amadurecer na terceira idade. Nunca é tarde para mudar. Nos últimos 20 anos, o próprio diretor ajudou a desmistificar a imagem máscula que ajudou a construir ao expor o tormento do homem cansado de se impor na base da força. Cry Macho caminha no ritmo de Eastwood. Às vezes trôpego, às vezes devagar, mas sempre muito convicto. E humano!

O ator revisita um arquétipo recorrente na sua carreira para estudar o efeito de uma formação brutalizada na identidade do homem americano. O veterano astro dos rodeios Mike não tem a agressividade de Walt (Gran Torino), nem o senso de superioridade preconceituoso de Earl (A Mula), mas carrega consigo o mesmo amargor de quem foi "ludibriado" pela vida. Ele aceita a decadência sem resistir. Isso até o seu ex-chefe surgir com uma oferta estranha. Para pagar uma velha dívida moral com ele, Mike precisaria ir ao México resgatar o seu filho, o rebelde Rafo (Eduardo Minnet), das garras de sua abusiva mãe. Uma jornada com muito a dizer sobre este "mito" engolido pelo tempo.

Cry Macho parte de um plot reconhecível na filmografia de Eastwood. Outra vez temos um homem ressecado pela vida obrigado a desafiar a inércia em função das suas convicções pessoais. O velho caubói não poderia partir deste plano em dívida com alguém. O que começa de maneira protocolar, contudo, ganha contornos surpreendentes à medida que o cineasta se aproxima dos 'coming of age movies' para enxergar a substância dramática naquilo que parecia vazio.

A fragilidade de um roteiro que se sustenta em inúmeras facilitações narrativas é atenuada quando notamos a honestidade com que Eastwood "desnuda" o velho cowboy aos olhos do espectador. Cry Macho não é sobre o que Rafo precisa aprender. É sobre o que Mike tem a ensinar. É sobre as lições de um homem que, perto do fim, descobre que não sabe de nada. Um veterano disposto a contestar as suas escolhas. A voz da experiência é errática aqui. Mike é obrigado a se desarmar. A força de outrora se esvaiu. Clint, consciente da sua própria condição, assume estas limitações físicas não como um obstáculo, mas como uma oportunidade.

Em Cry Macho, a experiência se manifesta na involuntariedade. Nas qualidades "menores" adquiridas ao longo da jornada. A vivência é a arma do empático protagonista. O estranho sem nome resolve criar laços. Às portas deixam de ser abertas pela força e passam a ser escancaradas pelo afeto. O veterano rompe com a imagem de imponência ao tratar a compreensão como a maior virtude do seu caubói. A brutalidade de outrora foi "engolida" pelas sombras. A imagem do velho herói se limita a uma silhueta na penumbra. Um status destruído pelo tempo. Como desafiar um inimigo imortal?

Diante do futuro na figura de Rafo, Mike aprende a sua última lição. Diante do vasto deserto mexicano (emoldurado em tons de dourado pela exuberante fotografia de Ben Davis) ele reconhece a sua finitude. A crueza do jovem Eduardo Minnet serve ao propósito naturalista defendido pelo diretor. Cry Macho se recusa a dramatizar a realidade. Não à toa os momentos mais comoventes do longa surgem repentinamente. Na intimidade construída ao longo do caminho.

Um sintoma da realidade daqueles homens. Ali estavam dois indivíduos deformados pelo meio. Ali estavam dois galos de briga cansados de seguirem as regras de uma estrutura social brutalizada. Em Cry Macho, o começo de um novo ciclo não significa o final de outro. Com um senso de humanidade revigorante, Clint Eastwood busca nas experiências adquiridas ao longo da estrada a serenidade para finalmente dar paz a ser o cowboy interior. Melhor do que a morte num campo de batalha é a vida numa eterna última dança.

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