terça-feira, 25 de agosto de 2020

Crítica | High Life

Entre a crítica e a esquisitice

High Life é o tipo de filme que dá motivos para o espectador reagir tanto com ódio, quanto com entusiasmo. Estamos diante de uma obra que troca o estudo de personagem por estímulos. Que insinua mais do que explica. Que expõe mais do que desenvolve. A partir de um plot acessível, a respeitada diretora Claire Denis provoca ao levar a trama para o espaço para discutir um tema tão mundano: a disfuncionalidade familiar. A rigor, High Life poderia se passar em qualquer lugar regido pela desigualdade. O elemento Sci-Fi, na verdade, surge mais como uma isca. Uma representação metafórica do ambiente implacável que cerca os protagonistas. 

Claire Danes, para começo de conversa, é habilidosa ao estabelecer a posição de vulnerabilidade do seu protagonista, o introspectivo Monte. Impulsionado pela rígida e ao mesmo tempo protetora presença de Robert Pattinson (The Batman), a cineasta capricha no naturalismo ao traduzir rotina deste pai e da sua pequena filha numa nave espacial sem rumo. Enquanto não se vê obrigado a dar respostas, o argumento assinado pela própria realizadora cativa ao realçar a ternura sem nunca enfraquecer o senso de perigo. O estiloso design de produção combinado com a fotografia em tons quentes não nos permite respirar aliviados em momento algum. 

Esta bela construção inicial, no entanto, é sacrificada à medida que as erráticas pretensões temáticas de Claire Danes roubam o protagonismo de Monte. As descobertas em torno da origem daquela missão são frustrantes devido a tentativa da realizadora em se sustentar apenas em estímulos. Por mais que o microcosmo proposto evidencie com clareza inúmeros problemas sociais (repressão, violência contra a mulher, negligência do Estado), a cineasta limita o potencial alegórico do plot ao apostar demais em esquisitices visuais\sensoriais. Alguns elementos são basicamente estabelecidos para sugerir algo que nunca é aprofundado. Culminando numa das sequências mais gratuitas e 'non sense' que o cinema nos entregou nos últimos anos. 

High Life, de fato, funciona muito melhor nas entrelinhas. A partir de pequenas pílulas de informação, Claire Denis é perspicaz ao discutir o estrago causado pela desigualdade na formação de uma família. É fácil traçar paralelos entre o inóspito ambiente espacial e o mundo real. A rotina da ausência, do abandono, da desumanização do trabalhador. São nestes momentos que o drama se sustenta. São eles que trazem um sentido a obra. Ousado em sua abordagem, mas medíocre na execução, High Life recupera o prumo no terço final quando volta a se concentrar nas incertezas do que estar por vir. O que se perde na elipse, porém, é irrecuperável.

Nenhum comentário: