O milagre dos efeitos práticos
Nas mãos de qualquer um,
Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro seria mais um esquecível exemplar
do terror juvenil. Um dos inúmeros herdeiros de séries como as noventistas
Goosebumps e Clube do Terror. Sob a “supervisão” de Guillermo Del Toro,
entretanto, até as obras mais inofensivas ganham traços de grandeza. Fã
assumido dos clássicos filmes de monstro, o aclamado realizador mexicano é um
dos últimos bastiões do gênero. Seus monstros assustam? Sim! Mas, aos olhos
dele, não existe nada mais assombroso que a monstruosidade humana. Uma visão
singular que mais uma vez oferece um ar diferenciado as suas produções. Dirigido
por André Overdal, do elogiado O Caçador de Trolls, o longa faz jus ao padrão
Del Toro de qualidade ao imprimir em tela uma pegada ‘old school’, trocando os
sustos fáceis e o maniqueísmo barato pela construção da atmosfera e pelos
criativos efeitos práticos. O resultado é uma obra que, embora voltada para o
público infanto-juvenil, faz “terror” de gente grande.
Adaptação da obra homônima do
escritor Alvin Schwartz, Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro é
inteligente ao se apropriar do formato antológico do original dentro de um
único arco narrativo. Ao invés de subdividir o filme em contos, o argumento
assinado pelo próprio Guillermo del Toro, ao lado de Dan e Kevin Hageman,
mostra astúcia ao criar uma entidade capaz de fazer as suas histórias de terror
ganharem vida. Além de ter a chance de brincar com o elemento metalinguístico,
André Ovredal capricha ao imprimir em tela o conflito dos seus personagens, enxergando
através da ameaça os medos mais íntimos da garotada. Algo que, por exemplo, o recente
It: A Coisa fez com brilhantismo. Mesmo sem a mesma profundidade, o realizador
norueguês contorna a aparente inofensividade da premissa ao inserir os
protagonistas num ambiente urbano bem reconhecível. Uma realidade disfuncional
regida pelo abandono, pela violência gratuita, pelo preconceito. Sem a intenção
de se prender demasiadamente ao terror, Ovredal consegue mergulhar o bastante
nos seus personagens, no mundo deles, nos seus respectivos dramas, extraindo
daí o combustível que a trama precisava para aquecer.
O grande diferencial de Histórias
Assustadoras Para Contar no Escuro, porém, está na sua evidente roupagem
clássica. Por mais que o roteiro seja por si só funcional e que a mitologia em
torno da ameaça fantasmagórica fisgue naturalmente, André Ovredal revigora as
coisas ao preencher a adaptação com elementos da velha guarda. Há algum tempo,
por exemplo, eu não via um título do gênero usar tão bem o conceito de lenda
urbana. As manifestações, aqui, são ao mesmo tempo lúdicas e sinistras. Um ar
grotesco capturado com maestria pelo milagre dos efeitos práticos. Não adianta.
Por melhor que seja o CGI, nada é capaz de superar o peso de uma impactante
maquiagem. O que fica bem claro, em especial, quando nos deparamos com o design
de criaturas do longa. Consciente a vocação ‘teen’ da sua obra, Ovredal troca o
‘gore’ pela construção do terror, troca o susto rápido pelo senso de presença. Com
pleno domínio sobre o gênero, o cineasta causa arrepios genuínos ao criar
monstros “vivos” e visíveis. Eles estão ali, eles estão chegando, eles não têm
pressa, eles são implacáveis. Um predicado, verdade seja dita, potencializado
pelo expressivo ‘mise en scene’ de Ovredal. Mais do que simplesmente apavorar,
o cineasta é perspicaz ao tentar extrair uma variada gama de
reações\sentimentos do seu público. Mesmo sem uma gota de sangue, Histórias
Assustadoras para Contar no Escuro consegue enojar, angustiar e enervar como
poucos representantes do segmento na atualidade. O que fica bem claro, em
especial, na brilhante sequência do hospital.
Uma pena que, na hora de alcançar
o seu potencial máximo, o longa derrape nas suas próprias pretensões. Se por um
lado o roteiro acerta ao embutir no texto conflitos de cunho bem mais
realístico do que sugeria inicialmente, por outro André Ovredal peca ao não tratá-los
com o devido peso. Com exceção da solitária protagonista vivida pela cativante Zoe
Margaret Colletti, os demais personagens são encarados como meros arquétipos. O
‘bully’ inconsequente, a irmã vaidosa, o melhor amigo provocador, o latino alvo
de preconceito. O impacto que sobra quando o assunto é a maquiagem falta ao roteiro. Os conflitos,
embora realísticos, são desenvolvidos de forma rasa. Na transição para o último
ato, inclusive, o longa passa a se levar a sério demais, culminando em um par
de soluções um tanto quanto questionáveis. Num todo, aliás, o argumento usa e
abusa de alguns batidos clichês do gênero, tornando algumas das ótimas
sequências citadas acima mais previsíveis do que o esperado. Talvez o maior
problema de Histórias Assustadoras, no entanto, esteja no seu inexperiente
elenco. Embora a química entre os personagens seja clara e o ‘timing’ cômico
funcione a contento, nomes como os de Gabriel Rush (Moonrise Kingdom) e Michael
Garza (Wayward Pine) não entregam o bastante quando exigidos, principalmente
nas sequências mais dramáticas e\ou aterrorizantes. A impressão que fica é que
um elenco jovem mais carismático poderia facilmente contornar os deslizes
narrativos.
Uma série de problemas de acabamento que, no final das contas, não reduzem os méritos de Histórias Assustadoras para Contar no Escuro. Leve, dinâmico e sinistro, o longa é inventivo ao tratar o conceito de lenda urbana sob um viés clássico\romântico, encontrando nos humanos monstros de Guillermo del Toro o seu grande diferencial. Um terror para todos os públicos, capaz de impactar tanto os mais jovens, o seu público alvo, quanto os mais experientes.
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