Com muito a dizer sobre o
burocrático processo de educação infantil, A Professora do Jardim de Infância
se revela uma obra complexa e em sua essência polêmica. Remake norte-americano
do drama israelense homônimo escrito e dirigido por Nadav Lapid, o longa
encontra na delicadeza da cineasta Sara Colangelo (Conflitos e Reencontros) o
senso de ambiguidade que o material fonte precisava para causar um misto de
choque e reflexão no espectador. Embora peque pela falta de sutileza ao
investigar o mundo em que vivemos e o efeito causado por ele nos portadores de
um talento genuíno, a realizadora compensa ao investigar com extremo cuidado a obsessiva
relação entre uma professora e um dos seus pequenos alunos, uma criança com um
dom inimaginável para a poesia. Sem a intenção de simplesmente julgar a sua
protagonista, Colangelo causa um misto de tensão e comoção ao procurar entender
os motivos dela, enxergando as suas falhas e também as suas virtudes enquanto
justifica os seus atos. O resultado é um estudo de personagem tênue
potencializado pela brilhante performance de Maggie Gyllenhaal.
Enquanto se concentra na persona
da professora Lisa (Maggie), na verdade, The Kindegarten Teacher (no original)
é um filme praticamente irretocável. Estamos diante de uma figura complexa por
natureza. Com vocação para lecionar, Lisa sempre cuidou dos seus pequenos com
muito carinho e afeto. Escondida no avatar da professora dedicada e exemplar, entretanto,
existia uma mulher frustrada. Uma poeta medíocre, uma mãe incomodada com o rumo
dos filhos, uma esposa presa à rotina. Uma mulher “engolida” pelo mundo em que
habitava. A sua vida, no entanto, ganha um novo sentido quando ela descobre o
pequeno Jimmy (Parker Sevak). Um garotinho comum e calado com um talento
natural para a poesia. Pela primeira vez ela se deparava com um verdadeiro
virtuoso. Consciente da sua responsabilidade enquanto tutora, Lisa decide
estreitar o laço com o garoto à medida que o aprimora, ultrapassando uma série
de limites na tentativa de fazer dele aquilo que pretensamente ele nasceu para
ser.
Mais do que simplesmente se
concentrar na estranha relação entre mentora e pupilo, A Professora do Jardim
de Infância acerta em cheio ao investigar a reação de Lisa à um menino tão
genial e autodidata. Aos cinco anos e meio, Jimmy tem o talento que a sua
professora nunca teve. O que para ele nasce como naturalidade, para ela chega
na base da força. E isso mexe com ela. Sem nunca reduzir a sua protagonista,
Sara Colangelo eleva o nível da obra ao tentar compreender as suas atitudes.
Brilhante ao absorver o senso de ambiguidade da obra, Maggie Gyllenhaal provoca
um misto de sentimentos ao criar uma personagem com inúmeras camadas, com uma
lógica própria. É fácil enxergar a boa vontade de Lisa, assim como a sua
obsessão. Gyllenhaal consegue se equilibrar entre o certo e o errado com
maestria. Com um olhar ora fascinado, ora insano. Com um comportamento ora
singelo, ora possessivo. Diante de um verdadeiro talento, Lisa se afoba, se
expõe. Primeiro com intenções genuínas. Ali, como ela mesmo diz, poderia estar
um jovem Mozart. Depois com intenções egoístas. Na ânsia de amplificar o
alcance da “obra” do seu pupilo, ela passa a cultivar um distorcido de propriedade.
Como se aquilo fosse parte do seu trabalho. Por fim com intenções perigosas.
Como se ela, e só ela, fosse capaz de enxergar o talento num mundo insensível
para a arte. Por mais que o envolvente roteiro penda gradativamente para o
suspense em detrimento do drama, Colangelo em momento algum trata Lisa como uma
típica antagonista. Por trás dos seus atos mais impulsivos existe pureza,
existe medo, existe experiência, existe a certeza de que aquilo poderia ser o
melhor para Jimmy.
Um sentimento reforçado pela
maneira enfática com que A Professora do Jardim de Infância reflete sobre os
obstáculos que impedem a descoberta de novos talentos da arte. Com um olhar
crítico sobre o tema, Sara Colangelo enxerga algum sentido na lógica de Lisa
quando o assunto é o desdém coletivo para com a veia artística das crianças.
Sob a óptica materna da protagonista, o longa tece espertos comentários quanto
a visão de futuro cultivada pelas novas gerações, quanto a falta de
oportunidades, a insensibilidade e a desvalorização da arte como um todo. Nas
entrelinhas, inclusive, a cineasta olha para o próprio meio com certa dureza ao
questionar o elitismo, a cultura de nicho e a pretensa superioridade dos “talentosos”.
O que fica bem claro, em especial, no discurso do mentor vivido por Gael Garcia
Bernal. Uma pena que, à medida que se distancia das figuras de Lisa e Jimmy, A
Professora do Jardim de Infância perca tanto da sua sutileza. Até alguns dos
questionamentos levantados acima são feitos de forma abrupta, a partir de
diálogos expositivos e personagens muito mal trabalhados. Colangelo pesa a mão
ao tocar em temas como a ausência paterna, a disfuncionalidade familiar nos
grandes centros urbanos, o efeito capitalista da identidade dos jovens. O que
reduz parte da crítica levantada acima. Neste ponto, e só nele, a diretora
parece confiar demais na visão da protagonista e chega a quase vilanizar o
outro lado (o pai workaholic, a filha preguiçosa, a babá ignorante). Uma dose a
mais de sensibilidade aqui não faria mal algum.
No fim, porém, o recado de A
Professora do Jardim de Infância é claro e inteligente. Embora nunca valide as
atitudes da sua protagonista, vide a desconcertante sequência final, Sara Colangelo
é madura o bastante ao enxergar também o seu lado mais racional, rompendo com a
barreira da unidimensionalidade ao realçar a lógica de uma mulher inebriada
pelo talento. Uma figura que, na ânsia de cultivar\proteger um dom, decidiu
redimensionar o seu próprio papel enquanto mentora.
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