sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Crítica | Between Two Ferns: O Filme

Poderia ter sido em 3-D

Zack Galifianakis deve ser um cara querido em Hollywood. É preciso ter a confiança das celebridades para tirar do papel um talk-show do nível de Between Two Ferns, uma webserie do canal Funny or Die liderada por um entrevistador nada convencional. Reconhecido pelo seu humor pouco ortodoxo, algo que pudemos ver com clareza na trilogia Se Beber, Não Case, Galifianakis despejou a sua acidez em entrevistas “ficcionais” (ou não) com nomes do porte de Brad Pitt, Steve Carell, Bradley Cooper, Natalie Portman, Jennifer Lawrence, Charlize Theron, Jon Hamm, Bruce Willis entre tantos outros. Até o ex-presidente Barack Obama decidiu participar da brincadeira e teve que responder sobre “qual era a experiência em ser o último presidente negro dos EUA”. Disposto a debochar do ‘status quo’ da indústria e dos seus entrevistados, Galifianakis, ao lado do diretor e co-criador Scott Aukerman, tiraram do papel um programa de entrevistas original e absurdo, recheado de indagações ofensivas, muitas provocações e situações absolutamente impagáveis. Como se não bastasse a criatividade do ferino texto, Between Two Ferns deu a grandes nomes do cinema, da música e da política a possibilidade de se expor ao ridículo voluntariamente, o que se tornou uma das marcas registradas deste show. Uma característica que dita o rumo do inspirado e inesperado Between Two Ferns: O Filme, um ‘mockumentary’ engraçadíssimo capaz de capturar a essência incorreta da webserie e nos brindar ainda com um divertido ‘road-movie’. Após um tempo afastado deste “personagem”, Zack Galifianakis expande o universo do talk-show com irreverência, reunindo um timaço de estrelas numa nova temporada de entrevistas malucas e deliciosamente irônicas. 


Agora sob a chancela da Netflix, Between Two Ferns: O Filme é sagaz ao encontrar no subgênero dos falsos documentários a brecha necessária para invadir os bastidores deste inusitado programa. A rigor, a webserie sempre manteve um pé no formato ‘mockumentary’. Por mais que as celebridades entrevistadas usassem as suas próprias identidades e as piadas (algumas com um forte quê de verdade) tocassem em questões reais, existia uma clara encenação escondida nisso tudo. O que, de fato, nunca impediu Zack Galifianakis de ser um grande sacana (no bom sentido da expressão) nas entrevistas. A intenção era que, mesmo conscientes do teor satírico do show, a sensação de desconforto fosse perceptível. O ‘host’ nunca titubeou em tocar em temas delicados da carreira dos seus entrevistados, em zoar os seus projetos mais detonados, em zombar da aura estrelar deles. Tudo isso confiando na capacidade deles em rir de si próprios. Um senso de desapego\despretensão que é - mais uma vez - o grande trunfo do projeto agora em sua versão fílmica.


Disposto a mostrar a realidade de Zack por trás das câmeras, o argumento assinado pela dupla de criadores é esperto ao explorar o elemento ‘mock’ sempre na tentativa de potencializar o viés cômico da obra. Por mais que, obviamente, o melhor de Between Two Ferns siga nas bizarras entrevistas, Galifianakis e Aukeman fazem um feijão com arroz bem temperado ao colocar o apresentador e a sua trupe na estrada numa corrida contra o tempo para gravar dez entrevistas que poderiam mudar o rumo do talk-show. Enquanto as conversas se revelam um tanto quanto anárquicas, a jornada dos personagens é conduzida com inesperada doçura. Os clichês ajudam a conferir uma aura reconhecível ao projeto. A dinâmica entre o talentoso elenco é digna de nota. Por trás do absurdo existe muita sinceridade, algo fundamental na realização de um ‘mockumentary’. Não basta apenas rir do universo em que estão inseridos. Eles precisam acreditar que aquilo poderia ser real. Em Isto é Spinal Tap (1984), por exemplo, o elenco invadiu a rotina do ‘glam rock’ cantando e tocando as suas próprias canções. Mais recentemente, nomes como Sacha Baron Coen e Joaquin Phoenix assumiram praticamente novas facetas em projetos pirados como Borat (2006) e Eu Ainda Estou Aqui (2010). E tudo em Between Two Ferns é bastante verdadeiro. O humor pretensamente involuntário, a curiosa conexão entre os personagens, o estranhamento causado pelo talk-show.


Não adianta. Por mais que o argumento encontre boas “desculpas” narrativas para expandir o universo da série e que o viés ‘fake’ realístico confira um charme especial ao projeto, o melhor de Between Two Ferns segue sendo as suas hilariantes entrevistas. Assim como na webserie, Steve Aukerman eleva o nível da brincadeira ao reunir um elenco pesado de participações especiais, dando a Zack Galifianakis a chance de desfilar o seu humor debochado. Como não citar, por exemplo, a inacreditável entrevista de abertura com Matthew Mcconaughey, uma escalada de absurdos e troca de farpas que culmina numa sequência com a cara da webserie. O fator surpresa é outra das marcas registradas do projeto. Como se não bastasse o misto de inocência e cinismo com que Zack se refere ao mundo do showbiz e a realidade dos seus convidados, tudo fica melhor quando ao seu lado sentam nomes como David Letterman, Tessa Thompson, Paul Rudd, Brie Larson, Benedict Cumberbatch, Hailee Stenfield, Awkwafina, John Legend, Keanu Reeves, Tiffany Haddish, Peter Dinklage entre tantos outros. Uns rendem mais, outros rendem menos, mas a maioria das entrevistas é absolutamente impagável. Embora a sensação de “piada interna” possa por vezes reduzir o alcance do texto, as situações propostas pelo roteiro só por si só engraçadas, potencializadas pelo ‘timing’ dos visitantes. Galifianakis mostra pleno controle sobre o seu personagem, sobre a face mais provocadora deles, indo a fundo nas piadas ao extrair o desconforto dos convidados. Volto a frisar, mesmo menos ferino do que na webserie, o argumento não perde a oportunidade de rir do fracasso, rir do senso comum, das personalidades dos entrevistados. O que fica bem claro, em especial, na impagável sequência de “erros de gravação” durante os créditos, quando realmente percebemos o efeito do inesperado texto na dinâmica entre os atores. O improviso em muitos momentos é a alma do negócio aqui.

Olha o nível das reações.
Por mais que na transição para o último ato a trama perca um pouco de energia, o que só valida as enxutas 1h e 20 min de projeção, Between Two Ferns: O Filme é um acerto inquestionável (e surpreendente) da Netflix. Indo muito além da excêntrica figura de Zack Galifianakis, as carismáticas Lauren Lapkus (Orange Is The New Black) e Jiavani Linayao estão ótimas em cena como as fiéis escudeiras na trupe midiática do apresentador, Scott Aukerman extrai o máximo da ‘vibe’ The Office na construção de um longa que não dependesse tanto das suas entrevistas. Um esforço que funciona. Mais do que simplesmente brincar com elementos clássicos do cinema documental e rir da reação de espanto dos seus entrevistados, a dupla de criadores tira do papel uma cativante (e improvável) história de afirmação, um ‘road-movie’ capaz de debochar do estado das coisas dentro do show biz (Will Ferrell está hilário) com leveza, simplicidade narrativa e humor inteligente. Duas palavrinhas que, nos últimos anos, não têm andado de mão dadas com tanta frequência dentro do gênero.


OBS: Existe uma engraçadíssima sequência pós-crédito.

2 comentários:

Alexandre Figueiredo disse...

As entrevistas são muito curtas, deveria ser mais longa.

thicarvalho disse...

Tem razão Alexandre. Poderiam sim ser maiores. Mas acho que casou melhor com a proposta do filme. São mais curtas, mas tem pelo menos dez participações muito especiais. Acho que compensou. Valeu pela visita.