No papel, O Peso do Passado tinha
tudo para funcionar. Uma história de vingança com potencial. Uma diretora
reconhecidamente talentosa. Uma protagonista estrelar disposta a sair da sua
zona de conforto. Bastaram as primeiras imagens de uma quase desfigurada Nicole
Kidman ganharem as redes sociais, por exemplo, para o ‘hype’ em torno do
projeto chegar aos trending topics. Nem só de grife, porém, pode viver uma
obra. Por mais que a transformação física da atriz realmente chame a atenção,
Destroyer (no original) se revela um suspense oco, carente de tensão e
inexplicavelmente pretensioso. Embora com um ‘plot’ promissor em mãos, Kusama
investe numa obra frouxa e mal montada, uma produção que, na ânsia de parecer
mais complexa do que realmente é, falha enquanto filme de vingança, enquanto thriller
policial e acima de tudo enquanto drama familiar. No fim, o melhor do filme
está realmente na performance de uma “corroída” Nicole Kidman, que, num trabalho
físico e intenso, entrega muito mais do que o problemático argumento oferece a
ela.
Entender o fracasso de O Peso do
Passado é muito simples. Basta ver o quão vazia é a personagem de Nicole
Kidman, a detetive Erin Bell. Num primeiro momento, diante da expressão quase
esquelética da protagonista, fica claro que estamos diante de uma mulher
quebrada, raivosa, com sérios problemas para ao menos parecer sociável.
Visualmente, ela funciona. O impacto é quase que instantâneo. Não demora muito,
porém, para percebermos que é basicamente nisso que o roteiro vai se escorar. Ao
longo das absurdas duas horas de projeção, com uma hora e meia esse ‘plot’
poderia ser facilmente resolvido, Karyn Kusama (prejudicada pelo argumento assinado
por Phil Hay e Matt Manfredy) não consegue em momento algum explorar as nuances
dramáticas da sua protagonista. Parece que estamos diante de um mero arquétipo.
Uma figura vazia, explosiva, que anda se arrastando, mas sem nos dar motivos
para tal comportamento. Na ânsia de proteger os segredos em torno do passado
dela, mais a frente comento sobre isso, a realizadora impede que a sua
personagem cresça, encare de frente os seus traumas, as suas culpas, tornando
tudo extremamente raso aos olhos do público. Diante disso, como disse acima,
resta a uma áspera Nicole Kidman conseguir exprimir na sua atuação o que o
roteiro só resolve realmente entregar lá pelo último ato. E mesmo com um
material tão raso em mãos, a atriz causa um desconforto natural ao abraçar a
decadência da sua Erin, o desapego, a completa falta de vaidade, a frieza. É
devido a ela que o longa não se revela um fiasco definitivo.
O que realmente frustra em O Peso
do Passado, porém, é o seu pretensioso roteiro. Ao optar por uma estrutura
narrativa não linear, que atrapalha bem mais do que serve a trama, Karyn Kusama
vê o seu filme afundar diante da tentativa de atrelar a tensão aos eventuais ‘twists’
pensados pelo script. O que, como ficou bem claro acima, só prejudica o arco de
Erin e a construção de todos os demais personagens do longa. Transitando entre
o passado e o presente sem qualquer pulso narrativo, a realizadora não se
mostra capaz em momento algum de trabalhar os elementos que tornariam a reação
da protagonista compreensível. A começar, por exemplo, pelo terrível
antagonista vivido por Toby Kebbell. Uma figura caricata, nada ameaçadora e com
pouquíssimo tempo de tela que destrói qualquer chance de a obra prosperar
enquanto filme de vingança. O mesmo, aliás, podemos dizer do interesse amoroso
vivido pelo talentoso Sebastian Stan. Por mais que a química entre ele e Nicole
Kidman funcione, Kusama trata o elo entre os dois de maneira superficial, se
concentrando mais uma vez na imagem em detrimento do texto. Os diálogos entre
os dois, em especial, são de um vazio absurdo, o que nos deixa em sinceras
dúvidas quanto a real conexão da dupla. Um problema, indiscutivelmente,
potencializado pela péssima montagem. Em filmes de vingança, é comum que a
perda por trás de tamanho ódio seja logo estabelecida nos seus primeiros
minutos. É importante o espectador compartilhar o sentimento da protagonista,
se sentir parte da sua jornada. Até em títulos que brincam com este recurso
narrativo, como o cultuado Amnésia (2000), a “chama” que move o personagem é estabelecida
o mais rapidamente possível. Em O Peso do Passado isso nunca acontece. O filme
joga “sujo” com o espectador. Promete algo que nunca vem. A montagem não linear
trunca, omite, esconde, mas adiciona bem pouco ao arco de Erin. Sobra então um
jogo de gato e rato insosso e previsível que, no momento em que deveria
justificar as suas opções narrativas, entrega um desfecho criminosamente
anticlimático.
Somado a isso, O Peso do Passado
é também um retrocesso na filmografia de Karyn Kusama. Reconhecida pelos seus
consistentes trabalhos na TV e no Cinema, a realizadora entrega um thriller policial
com cara de telefilme, escancarando as evidentes limitações orçamentárias em
torno do projeto ao investir num ‘mise en scene’ genérico e carente de tensão.
E ela tinha muito mais a oferecer, o que fica bem claro na empolgante sequência
do assalto ao banco. Enfim, com personagens vazios, uma montagem confusa e uma
protagonista extremamente subaproveitada, O Peso do Passado é um filme de
vingança anêmico que decepciona ao valorizar a “maquiagem” em detrimento do
conteúdo. O esforço de Nicole Kidman merecia ser recompensado com uma película
melhor.
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