terça-feira, 12 de julho de 2016

Sentimentos que Curam

Laços de família

Dono de uma invejável filmografia, Mark Ruffalo é um ator no mais pleno sentido da palavra. Apesar das suas feições comuns, ele consegue passear por uma série de gêneros com absoluta naturalidade, convencendo seja como um super-herói raivoso (Os Vingadores), seja como um determinado inspetor da policia (Zodíaco), seja como um obstinado ativista LGBT (The Normal Heart), seja como um excêntrico produtor musical (Mesmo se Nada der Certo). Um ator que, mesmo diante das grandes produções, consegue encontrar espaço na sua concorrida agenda e estrelar alguns trabalhos menores e mais intimistas. Como o adorável Sentimentos que Curam, um drama autobiográfico envolvendo a relação de um pai bipolar e as suas duas carismáticas filhas.

Inspirado nas memórias da diretoria Maya Forbes, o que explica a doçura com que o tema é abordado, o longa se revela um relato singelo e humano sobre o impacto desta dolorosa doença na rotina de uma disfuncional família norte-americana. Ao longo dos enxutos 90 minutos, a realizadora é habilidosa ao introduzir o problemático protagonista, o instável Cam Stuart (Rufallo), revelando a primeira grande crise do personagem e os motivos que causaram a sua separação. Após um complicado período de internação, ele resolve se reaproximar das filhas Amelia (Imogene Wolodarsky), Faith (Ashley Aufderheide) e da ex-esposa Maggie (Zoe Saldana). Enxergando a melhora do marido, ela resolve deixar as filhas sob o seu cuidado e partir para um período de estudos em Nova Iorque. Disposto a cumprir o seu papel de pai, Cam decide assumir esta responsabilidade, sem saber o quão árdua e recompensadora seria esta experiência.


Contrariando o genérico titulo brasileiro, Sentimentos que Curam cativa ao acompanhar esta relação disfuncional sob um ponto de vista honesto e intimista. Ainda que a bipolaridade esteja no centro da trama, o argumento se esquiva das fórmulas fáceis ao não se preocupar com a "cura" de Cam, mas com o impacto da doença na dinâmica desta família nada ortodoxa. Sem querer revelar muito, aqui não existem "remédios" sentimentais. A condição do protagonista pouco evolui ao longo da trama. Na verdade, a mudança está na forma com que enxergamos a sua doença e o esforço deles para torna-la controlável. Através de uma abordagem recheada de afeto, a diretora e roteirista Maya Forbes esbanja sutileza ao reproduzir as suas memórias de infância, criando sequências ora incomodas, ora reconfortantes. 


Com poucos personagens em mãos, a realizadora aposta num tom leve e quase naturalista, permitindo que o público compreenda os contrastes emocionais enfrentados pela família Stuart. Ainda que Mark Rufallo esteja brilhante em cena, absorvendo com rara delicadeza os maneirismos e a instabilidade do seu Cam, muito do êxito do filme se deve a carismática dupla Imogene Wolodarsky e Ashley Aufderheide. À altura do seu talentoso parceiro de cena, as duas traduzem com extrema naturalidade os dilemas das suas pré-adolescentes personagens, arrancando sinceras risadas ao questionar, por exemplo, o exagerado altruísmo e a postura sufocante do seu complicado pai. A química entre os três, aliás, é soberba e se torna decisiva dentro do emotivo último ato. Além disso, os diálogos são ágeis, francos e positivamente histéricos, tornando as crises desta pouco ortodoxa família naturalmente atraente aos olhos do público. 


Mesmo subaproveitando os dilemas da esforçada Maggie (Zoe Saldana, comedida), uma mulher independente que se vê obrigada a assumir as rédeas financeiras desta família, Sentimentos que Curam se revela um sensível e revigorante drama familiar. Ao investigar os efeitos da bipolaridade sob um prisma doce e intimista, Maya Forbes constrói uma película sólida e comovente, uma daquelas histórias que poderiam ter uma hora a mais e de maneira alguma soariam cansativas.


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