sexta-feira, 18 de março de 2016

Zootopia: Essa Cidade é o Bicho

Uma brilhante aula de tolerância e civilidade

Responsáveis pelos dois últimos grandes trabalhos autorais da Disney, a aventura metalinguística Bolt: Supercão (2008) e o nostálgico Detona Ralph (2012), os diretores Byron Howard e Rich Moore fazem de Zootopia: Essa Cidade é o Bicho a animação mais ousada dentro da história recente do estúdio. O símbolo de um projeto que começou lá atrás, no ano de 2006, com a venda da Pixar para a Walt Disney Company. Naquela época, após uma série de fracassos comerciais, os executivos da empresa resolveram apostar as suas fichas em John Lasseter (Toy Story), dando ao realizador não só o controle do departamento de animação, mas também a missão de revitalizar as suas produções. Defendendo a liberdade criativa dos diretores, o trabalho de Lasseter não demorou a aparecer. Fomos então apresentados a primeira protagonista negra do estúdio em A Princesa e o Sapo (2008), a uma Rapunzel nada frágil em Enrolados (2010) e a uma comovente história de amor fraternal no fenômeno Frozen (2014). Uma prova que, mesmo fiel às tradições da companhia, Lasseter deu uma nova e virtuosa faceta a Disney, adicionando ingredientes originais à mistura clássica promovida pelo estúdio. O que fica claro em Zootopia, um longa que, por trás do inocente tom fabulesco, dialoga com temas profundos e completamente inerentes à nossa sociedade.




Com roteiro assinado por Jared Bush e Phil Johnston, Zootopia chama a atenção logo de cara pela riqueza de detalhes. Já nas instigantes duas primeiras cenas somos apresentados a um universo incrivelmente autoral, onde os animais deixaram os seus instintos de lado e passaram a conviver harmoniosamente em sociedade. Neste cenário conhecemos a determinada Judy Hopps, uma coelhinha esperta que sonhava em se tornar uma policial. Ela, porém, cresceu ouvindo que nunca conseguiria alcançar este objetivo, já que um coelho não poderia ter uma profissão tão perigosa. Após muito esforço e estudo, a dedicada Judy finalmente consegue atingir o seu objetivo, se tornando uma policial na grandiosa cidade de Zootopia, um lugar onde, segundo ela, todos poderiam alcançar os seus sonhos. Aos poucos, porém, a idealista jovem se depara com uma realidade nada amistosa. Subestimada pelo chefe, o sisudo touro Bogo, e pelos seus colegas de trabalho, Judy acaba amargando a função de guarda de trânsito. Tudo muda, no entanto, quando ela, contrariando a ordem dos seus superiores, resolve investigar o desaparecimento de um furão. Agora como uma verdadeira policial, Judy cruza o caminho do ardiloso Nick, uma raposa golpista que se torna a única pista deste misterioso sequestro. Apesar dos conflitos iniciais, os dois começam a se conhecer melhor durante a investigação, descobrindo uma conspiração que poderia colocar em risco a convivência pacífica entre predadores e presas.


Brincando com o imaginário popularizado pela própria Disney, Zootopia abraça os estereótipos ao fazer desta fábula uma verdadeira aula de civilidade e tolerância. Numa sacada genial, os protagonistas assumem - na maioria do tempo - um status social condizente as suas respectivas espécies, mostrando o esmero dos roteiristas ao conceber um universo rico, criativo e particular. Neste cenário, o leão (exemplo de liderança) vira o prefeito, o touro (exemplo de força) é o chefe de policia, a raposa (exemplo de malandragem) é um golpista e a preguiça (exemplo de lentidão) um funcionário público. Este último, aliás, rende uma sequência absolutamente hilária, um belo exemplo da sagacidade dos roteiristas. Melhor ainda, no entanto, é a maneira com que a trama se desenvolve. Numa opção rara dentro dos estúdios Disney, Zootopia investe numa curiosa aura de mistério, permitindo que o suspense caminhe lado a lado com a comédia e a aventura. No melhor estilo "filme noir", a investigação liderada pela coelhinha Judy se torna naturalmente instigante aos olhos do público, com direito a uma série de bem sucedidas reviravoltas, a maioria delas construídas a partir destes rótulos. À medida que a apuração do caso avança, o ágil argumento é igualmente brilhante ao colocar em cheque o preconceito e a distinção de classes dentro da nossa sociedade, transformando o improvável relação entre Judy e Nick no estopim para uma crítica atual, sincera e inegavelmente necessária. Uma mensagem contundente, mesmo defendida com leveza e bom humor.


Não se engane, porém, com o visual colorido e a estética naturalmente infantil. Zootopia se esforça ao máximo para criar um vínculo com o publico jovem e adulto. Como se não bastasse o maduro pano de fundo e o texto perspicaz, o argumento investe em uma série de criativas referências à cultura pop, dialogando tanto com algumas das principais produções Disney, quanto com alguns clássicos do cinema moderno. Portanto, fique atento e não perca as inúmeras piadas envolvendo títulos como O Poderoso Chefão, Frozen, Breaking Bad e Velozes e Furiosos. Se narrativamente o longa surpreende, visualmente o resultado é ainda mais expressivo. Sob o ponto de vista macro, a equipe de animadores faz um primoroso trabalho na construção de Zootopia. Numa mistura de cores e cenários, a cidade é dividida em várias regiões, uma mais particular que a outra. Fica difícil não se maravilhar com a sequência em que Judy se depara com a vastidão do lugar, uma cena que enche os olhos ao evidenciar a riqueza deste universo. Já sob o ponto de vista micro, o longa é magnífico ao traduzir com detalhismo a rotina social dos "humanizados" animais. Da mente de John Lasseter, por exemplo, partiu a ideia de respeitar o tamanho de cada um dos bichos, permitindo que a dupla de realizadores possa brincar com as noções de escala em torno dos diferentes protagonistas e ambientes. Assim, enquanto no minusculo bairro dos ratos a coelha parece uma criatura gigante, dentro do departamento de policia ela é "engolida" pelos enormes móveis e pelos corpulentos oficiais. Além disso, o longa mostra um enorme cuidado na concepção estética dos animais, respeitando a textura e as suas respectivas características físicas ao desenvolver estes cativantes personagens.


Reflexivo, inteligente e absolutamente virtuoso, Zootopia: Essa Cidade é o Bicho abraça a originalidade ao promover uma poderosa mensagem de integração e respeito às diferenças. Ainda que aqui ou ali o argumento deixe passar algumas soluções menos inspiradas, a Disney absorve de vez a engenhosidade da Pixar ao questionar, através de uma fábula universal, os perigos por trás do preconceito e dos rótulos sociais. E isso sem abrir mão da sua essência. Ou seja, mesmo dialogando com temas profundos e essencialmente urbanos, o estúdio preserva a sua tradição ao nos brindar com uma aventura mágica, um argumento extremamente bem humorado e um visual capaz de encantar até o mais experimentado fã do estúdio.

5 comentários:

Unknown disse...

Confesso que estou curiosa para assistir. Pela sua crítica parece bem legal.

Abraço.
Carissa
www.carissavieira.com.br

thicarvalho disse...

Valeu Carissa, obrigado pela visita. Zootopia realmente é uma grande surpresa. Abs.

Izamai disse...

Assisti e simplesmente amei! Os personagens são extremamente cativantes, desde os principais Judy e Nick até o fofíssimo do Flecha, muito divertido uma preguiça representar os funcionários públicos... Adorei, mesmo eu sendo funcionária pública rsrs. Suas observações nessa crítica foram excelentes.

thicarvalho disse...

Obrigado pela visita Iza. Realmente, as piadas são excelentes, incluindo a brincadeira com o funcionalismo público. Abs.

Unknown disse...

“Zootopia” é produzido pelos mesmos criadores de Frozen e Operação Big Hero e traz animais que falam e agem como seres humanos. Zootopia é o mais recente sucesso da Disney que crianças e adultos amo e quero ver novamente e novamente. O protagonista é um coelho chamado Judy Hopps que, depois de se tornar a primeira turma a se formar na polícia, consegue ser atribuído seu primeiro caso para encontrar uma lontra desapareceu em circunstâncias misteriosas , juntamente com uma raposa.