terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Snoopy e Charlie Brown: Peanuts - O Filme

Quando o nostálgico caminha lado a lado com o inovador


Encantador da primeira a última sequência, Snoopy e Charlie Brown: Peanuts - O Filme resgata com absoluto frescor a essência das cultuadas tirinhas de Charles Schulz. Com uma universalidade capaz de agradar tanto as novas gerações, quanto os fãs mais nostálgicos, a animação dirigida por Steve Martino (Horton e o Mundo dos Quem) é impecável ao brincar com alguns dos mais pueris dilemas da infância, encontrando no inseguro Charlie Brown uma espécie de antídoto para as mais genéricas fórmulas do cinema de animação. Esqueça então as populares jornadas de amadurecimento, os corajosos atos de heroísmo ou as geralmente utilizadas figuras vilanescas. Ao se concentrar na espontânea relação de amizade entre os integrantes da querida Turma do Minduim, o argumento passeia por qualidades cada vez mais raras na indústria do entretenimento, comprovando numa película vibrante e sensível que alguns temas cismam em não envelhecer. E isso sem esquecer o apuro visual do longa que, mesmo fiel aos traços do cartunista norte-americano, atualiza com charme e criatividade o visual desta sexagenária galera.



Direcionado aparentemente para o público infantil, o argumento assinado pelo trio Bryan Schulz, Craig Schulz e Cornelius Uliano consegue pouco a pouco evocar o sentimento de nostalgia naqueles que cresceram acompanhando as populares tirinhas de Charles Shulz. Ainda que a trama abra espaço para algumas espertas soluções mais aventureiras, obviamente no intuito de conquistar uma nova geração bombardeada por animações frenéticas e escapistas, os roteiristas buscam inspiração no conteúdo da HQ ao traduzir situações naturalmente infantis com sutileza e perspicácia. Peanuts: O Filme acompanha então a rotina do inseguro Charlie Brown, um jovem sensível e carismático que não conseguia se dar bem com as garotas. Conhecido por se meter nos mais variados problemas, principalmente com a esperta e autoritária Lucy, o popular Minduim sempre encontrou no seu inseparável cachorro Snoopy e no parceiro Linus a ajuda necessária nos momentos mais difíceis. Acostumado com as brincadeiras dos amigos, Charlie é surpreendido com a chance de sua vida quando uma bela ruivinha acaba se mudando para a vizinhança. Disposto a deixar uma boa impressão e assim conquistar a atenção dela, Minduim resolve tentar uma desajeitada aproximação. Ele, no entanto, não esperava que a sua baixa autoestima viesse a se tornar um grande obstáculo nesta nova empreitada.


Narrativamente bem resolvido, Steve Martino é cuidadoso ao reproduzir algumas das características mais marcantes das criações de Shulz. Apesar da simplicidade da trama, marcada pelo texto ágil e pelo humor inocente, o longa não se faz de rogado ao explorar as nuances mais complexas do inseguro Charlie Brown. Fiel à aura 'looser' do personagem, o argumento arranca inúmeras risadas com a sua postura desajeitada e as suas precoces divagações afetivas, passeando por temas e situações que talvez dialoguem melhor com os mais experientes. Nos momentos mais singelos, inclusive, o realizador norte-americano é habilidoso ao abordar a crise de baixa-estima do Minduim, comovendo o espectador ao resgatar qualidades tão subestimadas pelo gênero. Sem vilões ou mocinhos, o longa propõe a valorização de elementos como a honestidade, a integridade e o companheirismo, fugindo dos clichês ao mostrar as consequências de uma inesperada mudança no status quo do protagonista. Soluções que, inegavelmente, acabam potencializadas pela dinâmica e engraçadíssima relação entre Charlie e os seus amigos. Numa opção que só traz ritmo a película, Martino e os roteiristas permitem que cada um dos mais cativantes personagens tenha o seu lugar de destaque, os interligando com invejável fluidez. Em meio as desastradas iniciativas de Charlie Brown, nomes como os de Lucy, Sally, Patty Pimentinha, Linus, Marcie, Schroeder, Woodstock e Snoopy enchem a tela de graça e carisma, brincando com a rotina escolar da turma.


Apesar dos méritos do roteiro, o maior trunfo de Peanuts - O Filme fica pelo seu irretocável aspecto visual. Num trabalho inventivo e criterioso, Steve Martino alia nostalgia e modernidade ao atualizar os celebrados personagens de Charles Shulz. Apesar de adotar a animação em 3-D, o diretor opta por reproduzir alguns dos traços mais marcantes do cartunista norte-americano, propondo um interessante contraste. Desta forma, enquanto o corpo dos personagens é concebido em 3-D, os olhos, a expressão e a boca são desenvolvidos no bom e velho 2-D, se mantendo fiel à aura cartunesca das populares tirinhas. O resultado, sem dúvida, é fantástico e só eleva o nível da película. Além disso, Martino faz um excelente uso da palheta de cores, valorizando principalmente os lúdicos cenários. Num arco paralelo e mais direcionado ao público infantil, o realizador ganha maiores possibilidades criativas ao construir o divertido mundo de fantasia do adorável Snoopy. Nesta aventureira subtrama, o beagle resolve escrever as suas próprias histórias e passa a dar vida ao seu famoso alter-ego, um Ás da aviação durante a Primeira Guerra Mundial. Neste caso em particular, Martino constrói impressionantes sequências aéreas, potencializadas pelo discreto e funcional 3-D. O expressivo Snoopy, aliás, rende algumas das melhores piadas visuais do longa, com destaque para as suas tentativas geralmente frustradas de ajudar o seu tímido dono.


Comprovando a universalidade da obra de Charles Shulz, Snoopy e Charlie Brown: Peanuts - O Filme é um daqueles revigorantes trabalhos que nos mantêm com um sorriso de canto de rosto do primeiro ao último minuto de projeção. Com leveza. objetividade e um irresistível bom humor, o longa de Steve Martino cumpre a sua missão ao apresentar a Turma do Minduim para as novas gerações, sem esquecer de agradar àqueles que cresceram acompanhando esta sexagenária tirinha, mostrando que o sentimento nostálgico e a inovação podem caminhar lado a lado.

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